Royalties do petróleo e sua natureza jurídica



Royalties do Petróleo e Sua Natureza Jurídica

Laísa Martins dos Santos[1]

 

Resumo: Trata-se de uma análise sumária sobre os royalties do petróleo e como estes são aplicados e distribuídos. Ressaltando-se sua natureza compensatória, como um modo de contrabalancear os prejuízos naturais causados pela extração do petróleo. Abordando, ainda, o tema sob o enfoque constitucional e as diretrizes da Lei 9.478/97.

 

Palavras-chave: Royalties do Petróleo; Natureza Compensatória; Participações Governamentais; Royalties na Constituição; Lei 9.478/97.

1. Introdução

O referido tema abordará a natureza jurídica dos royalties do petróleo. No Brasil existem diferentes tipos de royalties, são eles relativos à extração de recursos naturais e minerais, como minérios metálicos ou fósseis, carvão mineral, petróleo e gás natural, ou pelo uso de recursos naturais como a água, em casos como represamento desta.

            O presente artigo tem por objetivo a demonstração da natureza compensatória dos royalties, ressaltando que estes visam contrabalancear os danos causados pela exploração de petróleo nos Estados produtores.

2. Royalties do Petróleo

2.1 Considerações gerais

Antes de se definir a natureza jurídica dos royalties, primeiramente deve-se buscar o motivo de sua existência em determinado ordenamento jurídico, observando seus elementos indispensáveis e sua abrangência no momento de ser chamado em uma lide, isto é, esse estudo se torna indispensável para a diferenciação do objeto jurídico tutelado. Com isso torna-se cogente a compreensão e consequente definção da natureza jurídica de qualquer instituto jurídico, para, a partir de daí, delimitar seu alcance e estabelecer suas diretrizes de constituição.

A expressão royalties tem sua procedência na palavra Royal que denota aquilo que pertence ou é relativo ao Rei. Antigamente os royalties eram pagos ao Rei como contrapeso pela exploração dos recursos naturais existentes em suas terras. Nos dias de hoje, onde não existe monarquia, a figura de rei é ocupada pelo Estado, sendo que no Brasil ocorre o mesmo.

Conforme presvisto no § 1º do art. 20 da Constituição Federal, pertencem à União os recursos naturais, minerais, inclusive o subsolo da plataforma continental e da zona econômica exclusiva, dispõe também que Estados e Municípios tem direito a usufruir das participações governamentais na exploração deste patrimônio com participação nos resultados ou então com compensação financeira. Senão vejamos:

“Art. 20, § 1º - É assegurada, nos termos da lei, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como a órgãos da administração direta da União, participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração.”

Com a interpretação estrita do texo deste artigo constitucional, é que se estabeleceu a hodierna teoria da natureza jurídica dos royalties, que seria exclusivamente compensatória pelo uso do bem não renovável. Deste modo, nas Leis n. 7.990/89 e 9.478/97 estão relacionadas as formas de repartição deste valor compensatório.

A definição de royalties fica bem explicada no Art. 11 do Decreto nº 2.705/98.

“Art. 11. Os royalties previstos no inciso II do art. 45 da Lei nº 9.478, de 1997, constituem compensação financeira devida pelos concessionários de exploração e produção de petróleo ou gás natural, e serão pagos mensalmente, com relação a cada campo, a partir do mês em que ocorrer a respectiva data de início da produção, vedada quaisquer deduções.”

Os royalties são classificados como repasses obrigatórios, não se tratam de pagamento voluntário, a título de compensação financeiranão, não se quelificando como. Embora a definição de tributo seja um assunto conflituoso, pode-se dizer que estes são valores cobrados pelo Estado face aos custos para se prestar serviços segurança, educação, saúde, etc. Por outro lado os royalties, não estão relacionados com custos, isto é, são uma contraprestação dedicada aos Estados e Municípios produtores a fim de minimizar e contrabalançar, por danos que poderão ocorrer. Tem-se a União como responsável pela cobrança dos royalties em nome dos cidadãos brasileiros.

2.2 Regime atual de Exploração do Petróleo – Lei 9.478/97

A exploração do petróleo no Brasil é regida pela Lei 9.478/97.  Sendo que, a repartição dos royalties do petróleo extraído da plataforma continental, do mar territorial ou da zona econômica exclusiva segue as diretrizes traçadas pelos artigos 47 a49 da mencioda Lei, isso quer dizer que 10% dessa produção é paga pelas agências concessionárias, sendo assim distribuído: 5% segundo os critérios da Lei 7.990/89 e 5% divididos consoante o art. 49, II da Lei 9.478/97[2], deste modo:

“II - quando a lavra ocorrer na plataforma continental:

a) vinte e dois inteiros e cinco décimos por cento aos Estados produtores confrontantes;

b) vinte e dois inteiros e cinco décimos por cento aos Municípios produtores confrontantes;

c) quinze por cento ao Ministério da Marinha, para atender aos encargos de fiscalização e proteção das áreas de produção;

d) sete inteiros e cinco décimos por cento aos Municípios que sejam afetados pelas operações de embarque e desembarque de petróleo e gás natural, na forma e critério estabelecidos pela ANP;

e) sete inteiros e cinco décimos por cento para constituição de um Fundo Especial, a ser distribuído entre todos os Estados, Territórios e Municípios;

f) 25% (vinte e cinco por cento) ao Ministério da Ciência e Tecnologia para financiar programas de amparo à pesquisa científica e ao desenvolvimento tecnológico aplicados à indústria do petróleo, do gás natural, dos biocombustíveis e à indústria petroquímica de primeira e segunda geração, bem como para programas de mesma natureza que tenham por finalidade a prevenção e a recuperação de danos causados ao meio ambiente por essas indústrias.” (grifo)

 

Percebe-se, visivelmente, a partir da leitura da alínea “e”, que o regime atual de repartição dos royalties favorece igualmente os Estados e Municípios não produtores, revertendo a eles uma parcela de 7,5% “(...) para a Constituição de um Fundo Especial, a ser distribuído entre todos os Estados, Territórios e Municípios”. Contudo, existe uma distinção nesse percentual que favorece aos Estados produtores, pois estes toleram as despesas da exploração do petróleo. Discute-se, então, se seria aceitável fixar critério de repartição dos royalties que desconsiderasse a situação de Estado produtor.

2.3 Natureza jurídica de compensação financeira

A compensação financeira dos royalties tem natureza jurídica de reparação por um prejuízo ocasionado ao ente federado, sendo assim, a compensação financeira está desvinculada da exploração, e está ligada aos problemas gerados dessa exploração, como os danos ambientais e sociais. Deste modo, essa “perda” torna-se o pressuposto e a medida da obrigação do explorador.

O já mencionado artigo 20 da Constituição Federal prescreve que os royalties pertencem à União, em assim sendo, aos Estados e Municípios não competem os bens do subsolo brasileiro, daí vem a idéia de que os Estados e Municípios não devem ser compensados. Para retificar este conceito que desconfigurou o instituto dos royalties, é imprescindível empregar outras alicerces para alcançar a verdadeira natureza jurídica, e a partir de então precisar sua aplicabilidade.

Nos moldes do artigo 176 da Constituição Federal, as jazidas petrolíferas, bem como todas as riquezas do subsolo são de propriedade da União, com isso, para que ocorra a sua exploração é necessária prévia autorização da União. Além desta autorização, em decorrência dessa exploração, o explorador tem que fazer o pagamento de contraprestações financeiras como forma de compensar a sociedade pelo uso de tais recursos.

2.4 Participações Governamentais

Como já aludido anteriormente, a atividade de exploração do petróleo no Brasil é regida pela Lei 9.478/97 que delibera procedimentos basais para tal atividade, fixando o regime jurídico das Participações Governamentais, que nada mais são do que os valores pagos pela Indústria Petrolífera ao Poder Público.

As Participações Governamentais subdividem-se em quatro espécies, sendo elas:

bônus de assinatura, que é a quantia paga com a assinatura do contrato de concessão, sendo esta incidente por uma única vez. Conforme preceitudo no art. 46 da supracitada Lei “(...) corresponderá ao pagamento ofertado na proposta para obtenção da concessão, devendo ser pago no ato da assinatura do contrato”;

Os royalties, também denominados como compensação financeira, sendo previstos no artigo 20, § 1.º da Constituição Federal e regulados pela Lei 7.990/89, consistem em uma forma de compensação aos Estados produtores de petróleo, pelos prejuízos provenientes da atividade exploratória.

Já as participações especiais, previstas no art. 50 da Lei 9.478/97, tem em vista a remunerar o Estado concedente quando houver grande volume de produção ou rentabilidade.

Por derradeiro, dispõe o art. 51 da aludida Lei, o pagamento pela ocupação ou retenção da área versa em uma prestação ânua, fixada por quilômetro quadrado ou fração da superfície do bloco explorado.

2.5 Os Royalties na Constituição de 1988

Consoante o artigo 20, incisos V e IX, da Constituição Federal, à União,  pertence a propriedade dos recursos naturais da plataforma continental, da zona econômica exclusiva e dos recursos minerais, bem como do subsolo.

Segundo entendimento de Fernanda Pennas[3]:

“A plataforma continental, conforme o nome já explicita, é prolongação do continente no mar, compreende o leito e o subsolo das áreas submarinas do Estado Costeiro, além do seu mar territorial, até a distância de 200 milhas marítimas ou em toda a extensão do prolongamento natural de seu território terrestre até bordo exterior da margem continental.” (...) “O país da Costa exerce soberania na plataforma continental para exploração dos recursos naturais, e exerce jurisdição na regulamentação dos usos e operações com ilhas artificiais, instalações e estruturas, das investigações científicas marinhas, na proteção e preservação do meio ambiente marinho.” (...) “A zona econômica exclusiva é uma faixa que se estende a partir das12 milhas do mar territorial e vai até200 milhas marítimas, é sujeita a regime jurídico específico estabelecido pela Convenção. O Estado costeiro nesta área tem soberania para exploração econômica dos recursos naturais das águas, leito e subsolo, e tem jurisdição para colocação de ilhas, instalações e estruturas (como por exemplo, uma plataforma de exploração de petróleo), também para fazer investigações científicas marinhas, e para proteger e preservar o meio ambiente marinho deste espaço. Os demais estados têm direitos assegurados sobre a área em questão, como a liberdade de navegação, de sobrevôo, de colocação de cabos e dutos, operação de navios, entre outras consideradas lícitas e compatíveis com as disposições da Convenção.”

Outrossim, a Constituição garante aos Estados e Municípios gozar, tanto na participação nos resultados, quanto compensação financeira, das participações governamentais pela exploração do petróleo (bem da União).

O artigo 11 do Decreto n.º 2.705/98, juntamente com os artigos 45, II e 47 da Lei 9.478/97 nominam de “royalties” essa “compensação financeira” a que ser refere o § 1.º, do artigo 20 da Constituição.

“Art 11. Os royalties previstos no inciso II do art. 45 da Lei nº 9.478, de 1997, constituem compensação financeira devida pelos concessionários de exploração e produção de petróleo ou gás natural, e serão pagos mensalmente, com relação a cada campo, a partir do mês em que ocorrer a respectiva data de início da produção, vedada quaisquer deduções.”

 

Nesse mesmo sentido é o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) que entende que os royalties ou compensação financeira têm natureza jurídica de “reparação” por perda ou dano ao ente federado. Para comprovação do que foi dito, destacamos um excerto do voto do Relator, Ministro Sepúlveda Pertence, no julgamento do RE 228.800:

“Essa compensação financeira há de ser entendida em seu sentido vulgar de mecanismo destinado a recompor uma perda, sendo, pois, essa perda, o pressuposto e a medida da obrigação do explorador. (...) A compensação financeira se vincula, a meu ver, não à exploração em si, mas aos problemas que gera.

 

E, ainda, o pronunciamento do Ministro Gilmar Mendes, por ocasião do julgamento do Agravo Regimental no AI 453.025:

“(...) a causa à compensação não é a propriedade do bem, pertencente exclusivamente à União, mas sim a sua exploração e ao dano por ela causado”.

Faz-se imperativo ressaltar que a compensação financeira, prevista no § 1.º, do artigo 20 da Constituição Federal, surgiu como contrapartida a não incidência de ICMS sobre petróleo e seus derivados (art. 155, X, “b” da CF); o que, sem dúvida alguma, prejudica os Estados produtores.

Sobre o assunto, traz-se à baila o pronunciamento do Senhor Ministro do Supremo Tribunal Federal Nelson Azevedo Jobim, no julgamento do MS 24.312:

“O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM - Em 1988, quando se discutiu a questão do ICMS, o que tínhamos? Houve uma grande discussão na constituinte sobre se o ICMS tinha que ser na origem ou no destino.

A decisão foi que o ICMS tinha que ser na origem, ou seja, os Estados do Sul continuavam gratuitamente tributando as poupanças consumidas nos Estados do Norte e do Nordeste.

Aí surgiu um problema envolvendo dois grandes assuntos: energia elétrica - recursos hídricos - e petróleo.

Ocorreu o seguinte: os estados onde ficasse sediada a produção de petróleo e a produção de energia elétrica acabariam recebendo ICMS incidente sobre o petróleo e energia elétrica.

O que se fez? Participei disso diretamente, lembro-me que era, na época, o Senador Richard quem defendia os interesses do Estado do Paraná e o Senador Almir Gabriel quem defendia os interesses do Estado do Pará, além do Rio de Janeiro e Sergipe, em relação às plataformas de petróleo.

Então, qual foi o entendimento político naquela época que deu origem a dois dispositivos na Constituição? Daí por que preciso ler o § 1º do Art. 20, em combinação com o inciso X do art. 155, ambos da Constituição Federal.

O que se fez? Estabeleceu-se que o ICMS não incidiria sobre operações que se destinassem a outros estados - petróleo, inclusive lubrificante, combustíveis líquidos, gasosos e derivados e energia elétrica -, ou seja, tirou-se da origem a incidência do ICMS.

Veja bem, toda a produção de petróleo realizada no Estado do Rio de Janeiro, ou toda produção de energia elétrica, no Paraná e no Pará, eram decorrentes de investimentos da União. Toda arrecadação do País contribuiu para aquela produção.

Assim, decidiu-se da seguinte forma: tira-se o ICMS da origem e se dá aos estados uma compensação financeira pela perda dessa receita. Aí criou-se o § 1º do art. 20 (...) (Min. Nelson Jobim, MS 24.312. Fonte: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=86118 - acesso em 20 mar. 2012)

 

Deste modo, compartilhando de nosso entendimento, é o do Supremo Tribunal Federal (Guardião da Constituição), para quem os royalties são devidos aos Estados produtores de petróleo com a finalidade de extinguir fortuitos prejuízos, tais como os ambientais, fiscais ou sociais, provindos desta exploração.

3 Considerações Finais

Como explanado, os royalties do petróleo tem seu alicerce no §1º do artigo 20 da Constituição Federal, tendo natureza de compensação financeira pela exploração.

Essa compensação implica a existência de um prejuízo ou despesa suportado pelo Estado para sua extração, conforme entendimento já ratificado pelo Supremo Tribunal Federal.

Mesmo  porque, os Estados e Municípios não produtores recebem uma parcela da citada compensação financeira, a qual é relativamente inferior a compensação recebida pelos Estados produtores. O aludido tratamento disparitário tem por alicerce o fato da distinção da produção, ou seja, os Estados produtores recebem uma quantia maior de compensação por suportarem os custos já mencionados (sociais, ambientais e fiscais) da indústria do Petróleo.

4 Referências Bibliográficas

BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em 28 abr. 2012.

COLNAGO, Cláudio. A “emenda Ibsen Pinheiro” e o novo marco regulatório do pré-sal. Inconstitucionalidade. Disponível em: <http://www.colnago.adv.br/a-emenda-ibsen-pinheiro-e-o-novo-marco-regulatorio-do-pre-sal-inconstitucionalidade >. Acesso em: 29 de abr. de 2012.

Decreto 2.705/98. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/legislacao /111637/decreto-2705-98>. Acesso em: 05 mai. 2012.

GUTMAN, José. Natureza jurídica dos royalties no Brasil. Ano IV. Rio de Janeiro. 16 jun. 2007. Disponível em:< http://www.royaltiesdopetroleo.ucam-campos.br/index.php?cod=1>. Acesso em: 20 abr. 2012.

Lei 9.478/1997. Brasília: Senado Federal, 1997. Disponível em: . Acesso em 28 abr. 2012.

 MANOEL, Cacio Oliveira. Natureza jurídica dos royalties do petróleo. Disponível em: <http://www.portalabpg.org.br/PDPetro/2/7056.pdf>. Acesso em: 29 ab. 2012.

PENNAS, Fernanda. Aspectos constitucionais da exploração de petróleo e gás natural e o panorama de exploração do pré-sal. Revista Brasileira de Direito Constitucional – RBDC n. 16 – jul./dez. 2010.

 


[1] Acadêmica do Curso de Direito do Centro Universitário São Camilo – Cachoeiro de Itapemirim/ES

[2] Redação dada pela Lei nº 11.921, de 2009.

[3] PENNAS, Fernanda. Aspectos constitucionais da exploração de petróleo e gás natural e o panorama de exploração do pré-sal, p. 02



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