Caraboi & Dona Candoka



C A R A B O I  &  D O N A  C A N D O K A

O seu nome seria Antônio, João ou Pedro. Mas se tornou Sr.Caraboi, pelas circunstâncias dos negócios. Uma coisa era certa, os feijões, os milhos na roça em Tomba Rio não iram levar aquele jovem impetuoso ao seu destino.

Naquele lugar fincado feito árvore, tipo aquele Ipê amarelo lá das Pedreiras, o Sr.Caraboi não teria paz. O nome, a reputação e um bom partido, talvez. Para garantir este último, arranjou de comprar uma sanfona de oito baixos. Decorou posições e ritmos de duas ou três modinhas só para justificar aquele investimento (*), pois não dava para dizer aos amigos que era só para impressionar as donzelas daqueles matos. Esta verdadeira motivação íntima tinha que ficar bem escondidinha.

O fato era que este Sr.Caraboi não era homem de ficar sentado animando outros a se divertirem. Nunca ninguém testemunhou vê-lo num baile sentado, sem estar a dançar um par de músicas seguido. Exceto quando se sentou do lado de Dona Candoka. Ali do lado dela parece que se estagnou sua inquietude. Mas juntou forças e se levantou. A força descomunal exigida para se levantar serve de impulso até hoje, pois continua sendo, o mais animado a dançar nos bailes constantes da atualidade. 

Já que quase não tocava nas noites de baile. Os amigos como insistiam muito a fazê-lo tocar. Teve que procurar, logo, um argumento: “já fiz a minha parte ao trazer na cabeça do arreio esta sanfona. Vocês tratam de arrumar o tocador porque o baile não pode ser cancelado.”

Foi ao lado de Dona Candoka, moça linda como uma gota d’água na flor de inhame que o Sr.Caraboi bateu o seu recorde de ficar sentado num baile. Duas músicas inteiras ele ficou sem dançar naquela fatídica noite. Na verdade ficaria até mais. Mas já estava ficando meio abobado. Tratou logo de ir para pista com outra qualquer. Esta ação foi a melhor estratégia, pois pareceu que ele não tava dando bola por ela fazer-se de difícil. Foi aí na variável do tempo. Uma contra-ação que consumou a conquista. Aquela atitude fugaz se eternizou. (**)

O calor que o Sr.Caraboi deixou, emaranhou a idéia de Dona Candoka. Parar a investida. Deixar um gostinho de quero mais fez espichar o tempo do (*)(Um dia, cedo ou tarde, a gente tem que se justificar se não para outrem, será a si próprio, isso ou aquilo que se compra. E não importa se útil ou supérfluo, pois é mais profunda essa relação nossa com as coisas. Até a fórmula E=mc2 da relatividade de Einstein deveu-se à relação dele com um objeto – um brinquedo - que ganhou na sua tenra idade. Ele afirmou ao seu discípulo e biógrafo que foi com este brinquedo que tudo começou no desenvolvimento da teoria da relatividade geral e restrita. Ele se imaginava um fóton de luz montado neste objeto e viajava pelo universo brincando, imaginando. Assim, começou cedo a se perguntar: se eu encontrar uma parede na minha frente vou atravessar? Vou refletir? Para onde devo ir? E se alguém apertar o off do  interruptor eu irei desaparecer? Mas como? Se eu apareço? E etc, etc) 

(**) “O ápice da dinâmica é a estática. O ápice da estática é a dinâmica”  Goseigen -  Sukyo Mahikari)

fim para nunca mais acabar. O calor no banco de madeira demorou a dissipar.

Seu futuro cunhado, Sr.Miroubem, no lugar livre sentou e logo falou: “Oh! Pedro da bunda quente.” Foi isso mesmo. As nádegas do Sr.Miroubem registraram o evento como um termômetro apontador daquele calor. Calor tanto que borbulhou o sangue tranqüilo da corrente sanguínea para todos os poros de Dona Candoca.

Este personagem impetuoso, inquieto, galanteador e da bunda quente ainda não foi batizado como o Sr.Caraboi. Isto aconteceu depois do enlace matrimonial num banco, esse de dinheiro, não de madeira. Nesta época já era um respeitado homem de negócio de bois. Diziam na cidade que ele tinha uma lista telefônica só de compradores de todas as paragens, dos invernistas todos e também de todos os frigoríficos.

Assim que pousava cheque voador na boca do caixa deste banco, estava lá o Sr.Caraboi para cobrir. A reputação subia como também a coragem: os negócios sempre foram maiores que o capital. Nos apuros, os amigos davam uma emenda para inteirar. Quando esse banco abria estava lá junto o Sr.Caraboi para cobrir a conta desfalcada. Depositava dinheiro vivo ou cheque do parceiro para no prazo da compensação conseguir fazer o tanto que faltava. E se a sorte estivesse na contramão, o parceiro depositava o cheque do Sr.Caraboi. Ganhavam assim, outro prazo da compensação para fazer o tanto que faltava sem jamais voltar cheque algum.

Sr.Caboi saía cedo. No início a cavalo e burro. Depois jipe, fusca, Kombi, Gurgel, D20 e Mitsubishi até que finalmente parou no modelo Estrada. Tudo a ver. Tinha que ser modelo desse nome para ele parar de trocar de carro. Quando o banco abria, já tinha ganhado o dia, de tão cedo que se aprumava. Como andava... Corria o trecho como ninguém. Estava em todos os lugares. Não escapava nenhum evento social, tanto os alegres como os fúnebres naquela, então chamada, capital do zinco. Dizia para si mesmo: “cobra que não anda não engole sapo e ainda vira cinto para servir de palmatória aos preguiçosos.”

Com a sanfona sempre na bagagem, pois sempre há mutirões com festa e bailes de última hora. A alegria, as distrações sempre fazem bem aos negócios. Um bom causo, uma piada na ponta da língua também ajuda a desarmar os espíritos na hora de fechar negócios. Às vezes, expandia assuntos catastróficos para comprar barato ou vender mais caro. Mas sempre intermediava com um bom causo. Não apavorava os moradores.

Informações geram poder. Sr.Caraboi sempre as tinha bem fresquinhas, pois era atento e estava sempre no trecho.

Só que as informações foram se popularizando cada vez mais com as antenas parabólicas e diminuía, assim, o poder do Sr.Caraboi. De certa forma, os sinais de informações abertos a todos atrapalhavam os negócios. Um dia, um sitiante inconformado disse: “mas eu vi na TV que a arroba do boi vale mais”. “A TV não compra, mas eu compro”. Disse o Sr.Caraboi já se despedindo. Não tinha tempo a perder. Os sinais de TV eram muito rápidos. Sentia que estava ficando para trás. 

Naquela época, havia críticas aos atravessadores como hoje ainda há. Dizem serem eles oportunistas e até responsáveis pelas mazelas do campo. Sr.Caraboi tinha pronto um discurso na defesa à sua classe: “se não tiver o homem de negócio, aquele que desbrava, abre trilhas, que busca e faz oportunidades, isto aqui seria um sertão largado, mesmo povoado com gente fincada como árvores. Para o desenvolvimento”, continuava, “é preciso daqueles que movem como o rio para o longe mar.” Finalizava com sabedoria: “negociar é negar o ócio”. Havia aprendido - da irmã letrada da cidade grande - a etimologia da palavra negociar. Só numa palavra o ensinamento para toda uma vida.

Quem diria que o Sr.Caraboi estava certo, como estão certos todos aqueles que fixam suas raízes e especializam-se no que fazem. Um professor da Universidade de Colúmbia, pesquisador, antropólogo, sociólogo, arqueólogo, geógrafo, etinologista e paleontólico descobriu que foi graças aos negócios e as especializações que a espécie humana foi preservada. Pois é, ele teve que estudar tudo isto para revelar uma verdade que o Sr.Caraboi sabia por instinto. A extinção do Homo Neardental é a prova. Vá a qualquer grande museu e verá a réplica desse coitado que não deixou descendente só por não ter aprendido a negociar.(*) 

Apesar da classe nos negócios ele, às vezes, se irritava. Era de pavio curto e metido a valente. Até dar colarinho num policial armado para proteger o irmão já teve coragem. Mas nem mesmo a valentia, o riso contido, a fala mansa, a generosidade, impediram o apelido de Sr.Caraboi. Achava pejorativo, mas não se importava, pois tinha noção da sua importância. Era mesmo preciso não ser ridicularizado. Não é catireiro como muitos o chamavam. Não trocava coisa por coisa, nem seis por meia dúzia. Era e continua sendo homem de negócio. Mas o apelido não o impediu de ser ele festeiro como sempre foi. Também não alimenta desavenças. Sempre deixa a porta aberta àqueles que cometeram improbidade para poder entrar e honrar seus compromissos. Honrou-se todos os seus, porque os outros também não fazem o mesmo?

Para Camões, todo preço cabe em verso. Mas para o Sr.Caraboi, o sublime preço está em quantos bois são necessários para comprar isso ou aquilo. O cifrão está na testa do boi. O verso da sua vida, por mais agouro que padeça, está no bom causo, na boa amizade, na alegria dos bailes, no fonfom

(*)O Homo Sapiens Sapiens segundo o professor expandiu seu domínio por todo o planeta Terra ao designar somente aos bons caçadores o direito de caçar. Menos habilidosos na caça ficavam na aldeia para confeccionar flechas e outras ferramentas, além da vestimenta e do abrigo. Os caçadores, então, negociavam com todos sua escassa oferta (o sucesso da sua caça) pela suas demandas).

da sanfona e de todos os sons dos outros instrumentos: o chique-chique, o pandeiro e vários outros que foi juntando em vida. (*)

Com alegria, paz interior, equilíbrio e, é claro, bons negócios, a família do Sr.Caraboi com Dona Candoka prosperou: seis filhos, três noras, dois genros, 14 netos e duas bisnetas. Com ânimo, vive sem deixar escapar uma oportunidade sequer. Sempre esteve pronto para montar em todo cavalo selado à sua frente. Nada lhe escapou, nem mesmo as experiências na metafísica, pois cuidou também das sutilezas espirituais. Não tinha crise existencial que o impedia de trabalhar, pois lembrava sempre de uma dica: “O Bom Samaritano nem seria lembrado se não tivesse recurso”.

Quem o vê, quando de suas andanças, lembra que tem uns bois, uns novilhos, uns bezerros para fazer dinheiro e sair da penúria. Também tem aqueles que o olham meio desconfiados. Olham-no com certo pingo de tristeza, pois se lembram daqueles bois que foram. Mas a penúria não foi. Insistiu em ficar. Tristeza por não mais ter os bois para saírem do juro do banco.  Só de vê-lo, lembram das variações do mercado de arroba do boi dita e redita a toda hora no canal do boi.

Às vezes, o homem do campo tem até saudade da época de quem dava a notícia do valor da arroba do boi era só o Sr.Caraboi.

Com o tempo as coisas foram ficando mais difíceis. Sr.Caraboi começava a se preocupar. Logo ele, que passava por cima das dificuldades como trator passa sobre o mato. Encabulado, chegou a pensar que desaprendeu a ganhar dinheiro, ou melhor, a ganhar bois. Nas horas vagas, partiu para uma nova aventura: resolver quebra-cabeças. Impetuoso, achava até que poderia fabricá-los. Mas recuou; já era tarde para se especializar em qualquer tipo de manufatura.

Também não há tempo. Agora é preciso cuidar daquela que cuidou dele toda a vida. O dia até parece estar mais curto. E também está difícil atender a todos os chamados dos bailes. Parece que na mesma velocidade que aumenta as parabólicas, aumentam também os bailes na cidade. Praticamente todo o dia tem baile em algum lugar. Sr.Caraboi, já perto dos setenta anos, ainda resistia aos bailes da terceira idade e dizia: “não agüento esperar envelhecer para poder ir aos bailes dos velhinhos”. Sua amada, Dona Candoka, merece cuidados. Já teve até catarata. Quando decidiram operá-la. Sr.Caraboi só      

(*)Que cante e que se espalha pelo universo                                                                                                                       se tão sublime preço cabe em verso.                                                                                                                                      Cantarei por toda a parte                                                                                                                                                    se a tanto me ajudar o engenho e arte.                                                                                                                         Cesse tudo que a musa antiga canta                                                                                                                               que o outro valor mais alto se alevanta).

 

assinou a autorização, com a garantia do jovem médico: “_só se o senhor prometer que  não vai mexer na cor dos lindos olhos verdes”.

Há muitas outras histórias. Mas a trajetória de uma vida não cabe em um conto. Nem um livro não seria suficiente para um homem tão singular como Sr.Caraboi. Sem mais suspense. Revela-se, agora, o evento do batismo.

Foi na fila do Banco Mercantil, nos tempos áureos dos negócios, juntamente com seu parceiro Ouro Vide (*). Encontraram um fazendeiro que lhe perguntou: “Lembrei que tenho uns bois para te vender. Se eu não o visse não lembraria. O senhor me compra aqueles bois para que eu possa cobrir esta conta estourada?” Sr. Ouro Vide, disse ao fazendeiro: “o senhor lembrou-se dos bois só de ver o Pedrão? É, senhor Machado, parece que o senhor tem mesmo uma cara de boi. Vou te chamar, de agora em diante, Senhorcaraboi.”

 

                                                       Homenagem de Caraboi Filho(e*) ao Caraboi e Candoka nas suas bodas de ouro.

p s1 – Senhorcaraboi vive a tocar seus instrumentos nos bailes da melhor idade, nas igrejas, nas folias de reis. Antes só levava a sanfona, não tocava – só dançava. O que o transformou? Será que tem medo do vexame da dama deixar se as juntas não agüentar. Depois dos 70’s não dá para arriscar. Melhor é ir si divertindo com as dúzias de instrumentos a tocar.

p s2 - Alguns segredos do Senhorcaraboi para os negócios: - primeiro, estude o cenário com assuntos amenos e conte causo antes de iniciar o negócio em si. Se for vender pede sempre além do valor desejado para assuntar, pois terá a chance de baixar depois. Descobriu-se que pediu pouco perderá a venda ou perderá em valor, pois você nunca terá a chance de poder aumentar, mesmo que descubra outras variáveis para majorar; - segundo, o segredo para comprar é o oposto do anterior, desde que não seja abusivo. Nunca prometa o que não possa cumprir. Se oferecer um benefício nunca poderá tomá-lo de volta e por último, tens que ser dono do negócio e ter autonomia sobre ele, pois se um homem de negócio deixar-se cair na tentação da mediação, da comissão, da gorjeta - ele se acaba, vira um empregado, não mais um homem de negócio.

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Autor: Paulo Rabelo Guimaraes Machado Diniz


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