Repercussão da emenda constitucional nº 66/2010 à luz da doutrina pátria



2 REPERCUSSÃO DA EC 66/2010 À LUZ DA DOUTRINA PÁTRIA

 

A Emenda Constitucional 66, promulgada em 13 de julho 2010, também denominada “EC do Divórcio”, foi resultado de um Projeto de Emenda Constitucional nº. 28, em 2009, de iniciativa de juristas representantes do IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família.

A referida emenda foi quem instituiu no ordenamento jurídico o divórcio direto como mero exercício de um direito potestativo, suprimindo os requisitos de prévia separação de fato por mais de dois anos e da separação judicial por um ano.  O texto original do artigo 226. §6º da Constituição Federal, anterior à reforma, tinha a seguinte redação: “O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos”.

Empós a reforma, o artigo 226, §6º da Carta Magna, passou a ter a seguinte redação, qual seja, “o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio”.

O Estado almejava com a imposição de lapso temporal, um tempo de reflexão ao casal, na esperança de uma possível reconciliação. Ademais, é válido ressaltar que a separação judicial apenas rompia com a sociedade conjugal, ou seja, dava fim à apenas determinados deveres do casamento, o de coabitação e o de fidelidade recíproca, sendo facultado, no entanto, a partilha de bens. Neste sentido, estabelecia o artigo 1.576 do Código Civil: “A separação judicial põe termo aos deveres de coabitação e fidelidade recíproca e ao regime de bens”

Apesar de tal disposição, o vínculo conjugal permanecia. As pessoas separadas não podiam contrair novas núpcias, tendo em vista que, o laço matrimonial persistia, somente sendo desfeito pela morte ou pelo divórcio. Neste contexto,é válido exaltar que, na separação judicial existia  a possibilidade de uma possível reconciliação.

Em face da inovação, caíram por terra todas as imposições e tentativas que almejavam a manutenção do casamento, tais como lapso temporal, identificação da causa e a atribuição do elemento culpa a um dos cônjuges. No entanto, depois de decretado o divórcio, não há possibilidade de reaver o casamento desfeito no caso de uma possível reconciliação, a única possibilidade  prevista é, contrair novo matrimônio.

Com o advento da Emenda Constitucional 66/2010, que eliminou quaisquer requisitos para concessão do divórcio direto, passando a ser exercido como mero exercício de um direito potestativo, não mais se exigindo como requisito o lapso temporal para concessão do divórcio, tanto na forma consensual, quanto na litigiosa, deixando a separação judicial de ser contemplada na Constituição Federal.

Conforme entendimento de Pablo e Pamplona (2010, p. 43):

 

Trata-se de completa mudança de paradigma sobre o tema, em que o Estado busca afastar-se da intimidade do casal, reconhecendo a sua autonomia para extinguir, pela sua livre vontade, o vínculo conjugal, sem necessidade de requisitos temporais ou de motivação vinculante.

 

Neste mesmo sentido, Maria Berenice Dias (2010), em seu artigo “Enfim o fim da separação!” escreve:

 

Acaba de entrar em vigor a Emenda Constitucional 66/2010, que dá nova redação ao art. 226, § 6º da CF extingue a separação, a perquirição de culpa para dissolver a sociedade conjugal e elimina prazos para a concessão do divórcio. Até agora a separação, ainda que consensual, só podia ser obtida depois de um ano do casamento. A separação litigiosa dependia da identificação de culpados, e somente o “inocente” tinha legitimidade para ingressar com a ação. Depois, era necessário aguardar um ano para converter a separação em divórcio. Já o divórcio direto estava condicionado ao prazo de dois anos da separação de fato. Ou seja, dependia do decurso do prazo ou de simples declaração de duas testemunhas de que o casal estava separado por este período. A partir der agora qualquer dos cônjuges pode, sem precisar declinar causas ou motivos, e a qualquer tempo, buscar o divórcio. A alteração, quando sancionada, entra imediatamente em vigor, não carecendo de regulamentação. O avanço é significativo e para lá de salutar, pois atende ao princípio da liberdade e respeita a autonomia da vontade. Afinal, se não há prazo para casar, nada justifica a imposição de prazos para o casamento acabar. Além do proveito de todos, a medida vai produzir significativo desafogo do Poder Judiciário. A mudança provoca uma revisão e paradigmas. Além de acabar com a separação e eliminar os prazos para a concessão do divórcio, espanca definitivamente a culpa do âmbito do Direito das Famílias.

        

Atualmente, é perfeitamente possível que os nubentes contraiam matrimônio e se divorciem a qualquer momento. No entanto, apesar dos benefícios introduzidos pela emenda, a mesma entrou em vigor suscitando inúmeros debates jurídicos, primordialmente, no tocante à subsistência ou não da separação judicial.

A existência ou não do instituto da separação, não foi esclarecida expressamente pelo legislador, em razão do que a mudança tem causado grandes celeumas e divergências doutrinárias.

Parte dos doutrinadores defende que a alteração do artigo 226, §6º da Carta Magna, não extinguiu do ordenamento jurídico a separação judicial, mas, somente, deixou de ser requisito para a concessão do divórcio, passando, portanto, a ser mera opção dos cônjuges no momento da dissolução do casamento. A esse respeito, Maria Berenice Dias (2010, p. 8), dispôs o motivo com base no qual algumas doutrinas defendem a manutenção da separação judicial como mera opção:

 

Como foi mantido o verbo “pode” há quem sustente que não desapareceu o instituto da separação, persistindo a possibilidade de os cônjuges buscarem sua concessão pelo só fato de continuar na lei civil dispositivos regulando a separação.

                  

Em defesa da manutenção da separação judicial, versa o entendimento jurista Sérgio Gischkow Pereira (2010):

 

A Constituição Federal não tratava da separação judicial, mas somente do divórcio. A separação judicial apenas foi elidida como exigência para o divórcio, mas permanece no sistema brasileiro, enquanto não revogado o código civil. Muitos pensam assim. A Constituição fala que o casamento é dissolvido pelo divorcio; ora, a separação não dissolve o casamento, mas sim a sociedade conjugal. Alguns asseveram que ela é inútil. Não é bem assim. Desde que não atrapalhe o divórcio, pode continuar no Código Civil. A verdade é que pode ser o único caminho para aqueles cuja religião não admite o divórcio.

                  

Por sua vez, em contraposição à manutenção da separação judicial na legislação brasileira, boa parte da doutrina defende que a alteração constitucional revogou todos os dispositivos do Código Civil que tratavam do assunto. O renomado autor Paulo Lôbo (2010), manifestou-se acerca do tema:

 

Ora, o Código Civil de 2002 regulamentava precisamente os requisitos prévios da separação judicial e da separação fato, que a redação anterior do parágrafo 6º do artigo 226 da Constituição estabelecia. Desaparecendo os requisitos, os dispositivos do Código que deles tratavam foram automaticamente revogados, permanecendo os que disciplinam o divórcio direito e seus efeitos.

                  

Ainda consoante este entendimento, versa entendimento de Maria Berenice Dias (2010, p. 8), que, posicionou-se a favor da extinção do instituto da separação judicial, conforme seque abaixo:

 

Afastou a interferência estatal que, de modo injustificado, impunha que as pessoas se mantivessem casadas. O instituto da separação foi eliminado. Todos os dispositivos da legislação infraconstitucional a ele referente restaram derrogados e não mais integram o sistema jurídico. Logo não é possível buscar em juízo a decretação do rompimento da sociedade conjugal.

        

Destarte, levando-se em consideração o inteiro teor do artigo 226, §6º da Carta Magna, bem como a motivação e objetivo da proposta, os anseios sociais, além da observância crítica do princípio da dignidade da pessoa humana e da liberdade, inexiste a possibilidade de manutenção da separação judicial no ordenamento jurídico.

Para Ravache (2010):

 

De fato, obrigar os casais que já não se amam a aguardar dois anos para ingressar com divórcio direto, ou mesmo um ano após a separação judicial para requerer o divórcio por conversão, é algo inconcebível. Nesse sentido, veio tarde a mudança constitucional. Hoje, portanto, os casais estão livres para romper o vínculo conjugal a qualquer momento. Não precisam mais ficar presos, desgastando-se com prazos sem finalidade.

                  

Trata-se de uma desburocratização da dissolução do casamento, exaltando-se a liberdade, a autonomia, a dignidade e a privacidade da pessoa. Além do mais, atua abrindo caminhos para uma nova reconstrução familiar e afetiva.

Eis que o impasse da questão continua, haja vista que, nem mesmo o Conselho Nacional de Justiça conseguiu pacificar os entendimentos. O CNJ entendeu que:

 

Contudo nem todas as questões encontram-se pacificadas na doutrina e sequer foram versadas na jurisprudência pátria. Tem-se que, mesmo como o advento da Emenda nº 66, persistem diferenças entre o divórcio e a separação.[1]

2.1 O Fim da Culpa

A obtenção da separação judicial poderia ocorrer de duas modalidades: consensual ou litigiosa. Quando a intenção de romper o casamento partia de ambos, inexistia a necessidade de apontar o culpado, ou o motivo que deu causa a separação. Exigia-se apenas o cumprimento do lapso temporal de um ano da celebração das núpcias.

No entanto, quando a separação era litigiosa, ou seja, partia de apenas um dos cônjuges, era necessário atribuir ao outro a culpa pelo fim da união ou comprovar a separação de fato por mais de dois anos. Dava-se ênfase ao elemento culpa e consequentemente lhe era aplicado sanções. Senão vejamos no dispositivo 1.572. Qualquer dos cônjuges poderá propor ação de separação judicial, imputando ao outro qualquer ato que importe grave violação dos deveres do casamento e torne insuportável a vida em comum.[2]

No tocante aos alimentos, aquele que tivesse dado causa para o fim do enlace perdia o direito de pleiteá-los, excetuando-se nas hipóteses, pelas quais, o cônjuge culpado tivesse inapto para o trabalho e não houver nenhum outro parente capaz de lhe pensionar. É válido exaltar que, nestas situações, os alimentos seriam apenas os indispensáveis para a sobrevivência.

Atualmente, ante aos efeitos gerados no tocante a prestação alimentícia, Stolze e Gagliano dispõem que (2010, p. 111):

 

Se não existe fundamento para discussão da culpa em sede de separação e divórcio, as regras do Código Civil atinentes ao pagamento de pensão alimentícia, que levam em conta esse elemento subjetivo, deverão sofrer impacto da emenda.

 

Segundo tal entendimento, os alimentos serão fixados com amparo no binômio possibilidade/necessidade, independentemente da imposição de culpa a um dos cônjuges.

Segundo Maria Berenice Dias (2010, p. 138):

 

O instituto da culpa no âmbito do Direito de famílias persiste tão só em duas hipóteses: nas ações de anulação de casamento, como forma de preservar a boa-fé dos cônjuges; e na quantificação do valor dos alimentos, que se limita ao indispensável para garantir a sobrevivência, quando fixado a favor de quem deu causa à situação de necessidade. Mas em nenhuma dessas hipóteses se cogita a culpa pelo desenlace do matrimônio.[3]

 

Ademais, o culpado na ação de separação perdia o direito de continuar usando o sobrenome do outro, exceto se não houvesse expressado oposição, ou se ensejasse manifesta distinção entre seu nome e de seus filhos e representasse algum dano grave reconhecido judicialmente.

No entanto, tal situação sofreu modificações com a introdução da EC 66/2010, versando neste sentido, Carlos Roberto Gonçalves (2011. p. 91):

 

Com a aprovação da Emenda Constitucional n. 66/2010, não poderá haver nenhuma repercussão de eventual culpa na manutenção ou perda do direito de usar o sobrenome de casado, após o divórcio. O referido artigo. 1578[4] deve ser tido como revogado, por incompatibilidade com a nova ordem constitucional estabelecida pela “PEC do Divórcio”. Seja como for, o nome incorpora-se à personalidade da pessoa, sendo por isso  incluído no rol dos direitos da personalidade disciplinados no Código Civil (art. 16 a 19) e na Carta Magna (art. 5º, X, quando se refere à “vida provada”) e amparado pelo princípio constitucional da dignidade humana (CF, art. 1º, III). Desse modo, a utilização  do sobrenome de casado, após o divórcio (ou a separação de direito, para os que ainda admitem), pelo cônjuge, culpado ou não pelo rompimento do casamento, constitui uma faculdade deste, pois está incorporado à sua personalidade.[5]

                  

Além do mais, o cônjuge que estivesse separado de fato há mais de dois anos e que lhe fosse atribuída à culpa, ficaria excluído da sucessão de seu consorte.

Com o fim da culpa, tal disposição não possui mais validade. Neste diapasão, versa entendimento de Maria Berenice Dias (2010, p. 71), “excluída a possibilidade de perquirição de causas, quando do término do casamento, tal impede que sejam questionadas quando da morte de um dos cônjuges”.

Data vênia, o elemento culpa, não será mais objeto de apreciação nas demandas judiciais, haja vista que, a atribuição da culpa a um dos cônjuges apenas demonstra a intervenção estatal, tendo em vista que, segundo Maria Berenice Dias (2010, p. 49):

 

O fim do casamento passou a ser concedido independentemente da indicação de um responsável pelo insucesso da relação, seja porque é difícil atribuir a apenas um dos cônjuges a responsabilidade pelo fim do vínculo afetivo, seja porque é absolutamente indevida a intromissão da justiça na intimidade da vida das pessoas.

                  

Com a mudança, o Direito de Família no Brasil passa a acompanhar o avanço social, e, consequentemente, os litígios serão reduzidos e talvez extintos, ao menos no tocante às varas de família.

Ante aos valores constitucionais, a manutenção da família, somente se perfaz, quando as pessoas encontram felicidade e realização pessoal na vida em comum, sendo certo que, a apuração da culpa nas ações litigiosas de separação, revela ser uma afronta ao direito da privacidade e intimidade, além de constituir clara violação ao princípio da dignidade da pessoa humana, previsto na Carta Magna.

Sendo assim, se o único embasamento para aferição do divórcio é o fim do afeto, resta claro e evidente ser inteiramente desnecessária a apreciação da culpa pelo juízo. Neste sentido, entendimento de Pablo e Pamplona (2010, p. 96), ao dispor que, “o único fundamento para a decretação do divórcio no Brasil passou a ser o fim do afeto, não se exigindo mais causa específica alguma ou tempo mínimo de separação de fato para deferimento do pedido”.

 

 

2.2 Estado Civil

O estado civil é considerado atributo da personalidade, tendo em vista que, além de integrar a qualificação da pessoa, constitui significado de ordem pessoal, social e patrimonial.

Uma pessoa que nunca contraiu matrimônio é considerada solteira, ao casar assume o estado civil de casada. Quando morre um dos cônjuges adquire o estado de viúvo. Se o casamento válido se desfaz voluntariamente, a pessoa, hoje, terá o estado civil de divorciada.

Destarte, é claramente perceptível que é o casamento o ponto de referência para aferição do estado civil da pessoa, seja de solteira, casada, viúva ou divorciada.

Em meio aos efeitos mais significativos de sua condição civil, encontra-se os de ordem patrimonial. Toda pessoa solteira, divorciada ou viúva é proprietária de seu próprio patrimônio, com total exclusividade. Já a pessoa casada, a depender do regime de bens adotado, não terá total disponibilidade de seus bens, tendo em vista que, para a prática de qualquer negócio, a lei impõe a concordância do outro cônjuge.

Ademais, é válido salientar que, com a separação judicial, o estado civil dos cônjuges passa a ser de separados, estado este tendente a desaparecer, em consequência ao advento do divórcio direto no ordenamento juridico brasileiro. Todavia, segundo entendimento da renomada autora, Maria Berenice Dias (2010, p. 139):

 

Quem se encontrava separado judicialmente quando da mudança constitucional mantém este estado civil. Os ex-cônjuges preservam a possibilidade de restabelecerem o casamento, mas não podem casar com mais ninguém. Porém, não cabe buscarem a conversão da separação em divórcio. Devem pleitear diretamente o divórcio, sem a necessidade de aguardar o decurso de qualquer prazo.

                  

Além do mais, quem teve decretada a separação de corpos, manterá o estado civil de casado, logo, se almejar a dissolução do casamento deverá requerer o divórcio. Mas, quando da separação de corpos houver reconciliação, nenhum procedimento necessita ser tomado para o restabelecimento da sociedade conjugal.

 

 

2.3 Guarda dos Filhos e Pensão Alimentícia

No tocante à guarda dos filhos, resta claro e evidente que, o interesse do menor deve sempre prevalecer. Em consonância com o entendimento, a guarda será concedida ao cônjuge que apresentar melhores condições para exercê-la. Versando sobre o assunto, Stolze e Gagliano (2010, p. 102):

 

Vale dizer, se não há razão fundada no resguardo do interesse existência, da criança ou do adolescente, o cônjuge que apresentar melhores condições morais e psicológicas poderá deter a guarda, independentemente da aferição de culpa no fim da relação conjugal. Claro está, todavia, que o deferimento dessa guarda unilateral só será possível despois de esgotada a tentativa de implementação da guarda compartilhada.

 

Segundo Maria Helena Diniz (2012, p. 388):

 

Como os conflitos familiares gerados pela dissolução da união estável, pela separação judicial, ou pelo divórcio direto, trazem além dos problemas jurídicos,questões de ordem psíquica,por envolverem sentimentos, já que aludem às relações entre pais e filhos menores, dificultam ao Judiciário uma decisão que atenta satisfatoriamente aos interesses e às necessidades dos envolvidos, pois o ideal seria respeitar o direito da coparentalidade, o exercício da autoridade parental conjunta, em que cada um dos pais reconheça o lugar do outro.

 

Ante aos efeitos gerados, no tocante à prestação de pensão alimentícia, apesar de já mencionado anteriormente, Stolze e Gagliano (2010, p. 111) dispõem sobre o assunto, argumentando que,

 

[...] como o fim da aferição da culpa na seara do descasamento, a fixação dos alimentos devidos será feita com amparo na necessidade ou vulnerabilidade do credor, na justa medida das condições econômicas do devedor.

 

Vale lembrar que, mesmo antes do advento da emenda, os alimentos eram fixados com base no binômio necessidade/possibilidade, não se embasando, portanto, no elemento culpa. Acerca de tal tema, Stolze e Gagliano (2010, p. 115), “por tudo isso, vale salientar que permanece em vigor o regramento da prisão civil decorrente do inadimplemento do nosso sistema e de grande utilidade prática e social”.

Segundo Maria Berenice Dias (2010, p. 97):

 

Ainda que haja a possibilidade de ocorrer o achatamento do valor dos alimentos, tal condiciona-se exclusivamente à culpa pela ocorrência da situação de necessidade (CC 1.694 §2º). Dita responsabilidade não se confunde com a culpa pelo descumprimento dos deveres do casamento, que foi definitivamente sepultada e não gera reflexos para o decreto do divórcio.

 

2.4 Processos de Separação em Andamento

Segundo Berenice Dias (2010, p. 9), “todos os processos de separação em andamento perderam o objeto por impossibilidade jurídica do pedido (CPC 267, inc. VI). Não podem seguir tramitando demandas que buscam uma resposta não mais contemplada no ordenamento jurídico”.

Logo, para os processos em curso, deverá o juiz intimar as partes para se manifestarem acerca da alteração do pedido para o de divórcio.  Ademais, cumpre salientar que, o autor poderá se manifestar isoladamente antes da citação do réu, porém, se a citação já tiver ocorrido, ambos devem concordar com a modificação do pedido.

Discorrendo sobre o assunto, Christiano Cassettari (2011, p. 83-84):

 

Se o processo já tiver disso saneado, entendemos ser impossível o juiz aplicar o parágrafo único do art. 264 do Código de Processo Civil que veda a modificação do pedido após  o saneamento do processo, pois isso violaria o princípio da boa-fé objetiva, já que não são as partes culpadas pela modificação da norma, motivo pelo qual, dado que pagaram custas e buscaram  corretamente a prestação jurisdicional quando podiam, não podem ser penalizadas com o arquivamento do processo sem lhes ser dada a chance de alterarem, consensualmente, o pedido, adequando-o à nova redação da EC 66.

                  

Sendo assim, como a única forma de pedir a dissolução do vínculo conjugal era pedindo primeiramente a separação, a partir do momento que tal disposição deixa de ser contemplada, ocorre à perda do objeto da ação. Caberá, no entanto, ao juiz, de ofício propor a conversão em divórcio. Neste sentido dispõe Maria Berenice Dias (2010, p. 9):

 

Cabe ao juiz dar ciência às partes da conversão da demanda da separação em divórcio. Caso os cônjuges silenciem, tal significa concordância que a ação prossiga com a concessão em divórcio. A dissolução de uma das partes – seja do autor, seja do réu – não impede a dissolução do casamento. Somente na hipótese de haver expressa oposição de ambos os separandos à concessão do divórcio deve ser decretada a extinção do processo por impossibilidade jurídica do pedido, pois não há como o juiz proferir sentença chancelando direito não mais previsto na lei.

 

Inclusive a esse respeito, é válido mencionar que, inexistindo filhos menores e o casal esteja em consenso é possível pleitear o divórcio extrajudicialmente, todavia, conforme entendimento de Stolze e Gagliano (2010, p. 132):

 

Estando em andamento o procedimento extrajudicial da separação, cabe ao notário certificar as partes da impossibilidade de ser lavrada escritura. Não havendo concordância de ambos com o divórcio, não pode o tabelião elaborar escritura da separação. O ato é nulo.

 

Ante ao todo exposto, é notório os benefícios que a Emenda Constitucional trouxe para nosso ordenamento, representando uma revolução paradigmática para o Direito de Família. Neste contexto, Luiz Edson Fachin (2010, p. 23):

 

Dentro os vários ganhos, é possível citar o seguinte: diminuição dos procedimentos burocráticos para chancelar o fim do vínculo matrimonial; objetivação das rupturas, sem discussão sobre culpas ou falhas que supervalorizam os supostos danos emocionais e carregam juízos preconceituosos da condição feminina: aumento da responsabilidade no exercício da liberdade de conjugar os afetos  por meio do casamento, a fim de evitar que a vida em família se torne um lugar em contínuo trânsito como se fosse uma estação de ônibus; não se trata de banalizar o casamento nem enfraquecer as uniões conjugais: ao contrário, o casamento se mantém como centro da família matrimonializada e a força das uniões conjugais não está na forma da lei e sim da história de vida e de comunhão de valores, sentimentos e legítimos interesses; incremento no foco central da família que é o afeto,o cuidado e contato frutificado pela amizade que tece os laços da convivência familiar, eliminando uma escala de vôo entre o casamento e desate do laço conjugal, o que propicia reforçar a responsabilidade no ato de casar e  a compreensão de que o infinito não é um conceito da natureza humana e sim da física mecânica.

 

 

2.5 Efeitos do divórcio

No tocante à sentença que homologa o divórcio, a mesma possui eficácia ex nunc, ou seja, não atinge os efeitos produzidos durante a constância do casamento. De um modo geral, não há dúvidas que a reforma surge como uma resposta positiva aos anseios sociais que perduram há muitos anos.

Quanto aos diversos efeitos provocados pela sentença de homologação do divórcio, é válido salientar a similaridade aos produzidos no divórcio extrajudical.

Pois bem, como já mencionado no decorrer do desenvolvimento deste trabalho, o divórcio põe fim ao vinculo matrimonial civil, bem como faz cessar todos os efeitos civis do casamento religioso, extingue o regime de bens, salientando que a partilha pode ocorrer após o divórcio; cessa os direitos sucessórios; abre caminho para novas núpcias; preserva os deveres e direitos dos pais em relação a sua prole, mesmo que contraiam novo matrimônio; mantém a obrigação alimentícia em favor do cônjuge necessitado. Além do mais, é válido salientar que a obrigação do ex-cônjuge de prestar alimentos cessa com a renúncia do cônjuge credor e, por fim, não impõe  a retirada do sobrenome emprestado ao outro cônjuge.


[1] BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Pedido de Providências nº 0005060-32.2010.2.00.0000. 12º Sessão. Relator Cons. Jefferson Kravchychyn. Julgado em 14/09/2010. Disponível em: http://www.jusbrasil.com.br/noticia/2377620,integra-do-acordao-do-cnj-sobre-a-alteração-da-resolução-n-35-em-razão-da-emenda-constitucional-n-66-2010> Acesso em: 20 mai. 2012.

[2] Grifo nosso.

[3] Grifo nosso.

[4] “Art. 1578. O cônjuge declarado culpado na ação de separação judicial  perde o direito de usar o sobrenome do outro, desde que  expressamente requerido pelo cônjuge inocente e  se a alteração não acarretar:

I – evidente prejuízo para sua identificação;

II – manifesta distinção entre o seu nome de família e o dos filhos havidos da união dissolvida;

III – dano grave reconhecido na decisão judicial.”

[5] Grifo nosso.

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Autor: Jôsimara Pessôa Pinheiro


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