Acender ou apagar a tocha?



Temos presenciado nos noticiários internacionais a maneira como a Tocha Olímpica tem sido recepcionada em alguns países. Devido à política adotada pela China em relação ao Tibete, muitos protestos têm ocorrido ao redor do mundo, e o tradicional percurso da Chama Olímpica que precede a abertura dos Jogos tem se mostrado uma oportunidade ímpar para manifestações nesse sentido. Até agora, os mais intensos protestos ocorreram em Paris, Londres e São Francisco. Mas nem só de manifestações populares tem se constituído o calvário da Tocha. Hillary Clinton solicitou publicamente ao Presidente Bush que boicote as Olimpíadas devido ao posicionamento do governo chinês em relação ao Tibete, atitude já adotada pelo Presidente da França Nicolas Sarkozy.

A causa do pequeno país situado no Himalaia é simpática à Comunidade Internacional. Ele perdeu sua liberdade em 1950, após a Revolução Comunista na China, liderada por Mão Tsé-Tung, que o anexou como território chinês. Desde 1963, ganhou o status de região autônoma, mas em permanente situação de insatisfação política, face ao exílio do Dalai Lama na Índia. Tudo isso, entretanto, faz pouca diferença para o governo autoritário de Pequim, que prima pela reputação de reprimir imediata e violentamente quaisquer manifestações contrárias às suas vontades políticas, seja no Tibete, seja em outros rincões do território chinês.

A situação política do Tibete realmente causa preocupação. Em uma ótima matéria da Revista Época, o repórter Haroldo Castro testemunhou a crise pela qual passa o país. De maneira geral, ocorre que a inauguração de uma ferrovia de Pequim a Lhasa tem propiciado uma enxurrada de chineses ao Tibete, fazendo esvaecer aos poucos a preciosa cultura tibetana, da qual os monges são as figuras mais características. Obviamente, quando todas as atenções do mundo se voltam para as Olimpíadas na China, surge um momento privilegiado para intensificar os protestos e, quem sabe, extrair disso algum ganho político.

Logo, é impossível ignorar que o advento das Olimpíadas de Pequim está ganhando muito mais destaque no que se refere a questões políticas que propriamente em relação ao esporte. Sem eufemismos, pode-se assegurar que nesta edição os Jogos Olímpicos figuram como pivô de motivações políticas. Para os mais idealistas, isso pode parecer uma afronta; afinal, utilizar os Jogos dessa maneira não significa subverter o tão propalado “espírito olímpico”?

Idealizado e concretizado pelo Barão de Coubertin no final do século XIX, o renascimento das Olimpíadas respondia a uma tentativa de congregar as nações através do esporte, num momento histórico de exacerbação do poderio dos Impérios Europeus – uma tentativa de congraçamento internacional através do esporte, apesar da ferrenha competição entre as potências mundiais. Essa esperança é simbolizada pela Tocha Olímpica, que corre o mundo exatamente com o intuito de acender a esperança da paz e da concórdia. Entretanto, as Olimpíadas que não esquecemos são justamente aquelas que trouxeram a tiracolo questões políticas mais latentes: a de 1936, em Berlim, pela questão racial levantada por Hitler; a de Munique, em 1972, com os atentados de terroristas palestinos contra atletas israelenses, e em 1980, com o boicote americano às Olimpíadas de Moscou, o que exemplarmente marcou a política de enfrentamento indireto que caracterizou a Guerra Fria.

Se os acontecimentos políticos são uma espécie de termômetro para os Jogos, certamente poderemos esperar uma Olimpíada inesquecível, mas não memorável. Mais do que lamentar, entretanto, devemos reconhecer que num mundo onde os extremismos têm ganhado cada vez mais o cenário internacional, é grande a possibilidade da Chama Olímpica (e todos os valores e ideais que ela representa) se perder no turbilhão de interesses políticos. Já apagou em Paris. Que sobreviva em Pequim.

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 Publicado originalmente no Jornal de Jundiaí em 21/01/2008.

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