A moderna teoria da imputação objetiva, os fins da pena e a função do direito penal na visão de Claus Roxin e Gunther Jakobs




A Moderna Teoria da Imputação Objetiva, os fins da pena e a função do direito penal na visão de Claus Roxin e Gunther Jakobs.

 



Evolução História:

 

Ao analisarmos o excelente texto“A Teoria da Imputação Objetiva: uma introdução”, escrito pelo professor Luis Greco1, podemos entender como surgiram e como foram desenvolvidas as diversas teorias da imputação objetiva no Direito.

Ele começa afirmando que a teoria da imputação objetiva é o tema que suscita o maior interesse na comunidade jurídico-penal na atualidade. Quando se pensou que o finalismo resolveria todos os problemas do direito penal, em um curto espaço de tempo, foram publicados trabalhos que acabaram com essa certeza.

Esses trabalhos tinham como objeto uma nova teoria, denominada “imputação objetiva”, que se apresentava com a pretensão de reformular por completo o tipo, com base na ideia central do risco.

Referida teoria resumia-se em dois pontos de vista: a criação de um risco proibido e a realização deste risco no resultado. Dessa forma, a imputação ao tipo objetivo pressupõe a criação de um risco juridicamente desaprovado e a realização deste risco no resultado.

A partir da análise desses trabalhos, podia-se chegar à conclusão de que o tipo objetivo não se esgota mais nos elementos da ação, resultado e nexo de causalidade: para que ele se realize é necessário que se acrescentem os requisitos da criação de um risco juridicamente desaprovado e da realização deste risco no resultado.

Luis Greco, no texto supramencionado, discorre acerca do sistema naturalista, das mudanças operadas pelo finalismo e de como foi acrescentado ao tipo uma componente subjetiva que seria o dolo (finalidade), além de outros dados psíquicos que também passam a integrar o tipo penal.

Deste modo, no finalismo o tipo começa a conter elementos subjetivos e objetivos. O tipo objetivo seria a ação, a causalidade e o resultado. O tipo subjetivo seria o dolo e os elementos subjetivos especiais.

Diz2, ainda, que o finalismo nada mais fez que acrescentar ao conceito de tipo do naturalismo a componente subjetiva (dolo). E que é exatamente isto que vem a ser modificado pela teoria da imputação objetiva.

Segundo essa teoria, não basta estarem presentes os elementos ação, causalidade e resultado para que se possa considerar determinado fato objetivamente típico. É necessária a existência de um conjunto de requisitos que, por sua vez, fazem uma determinada causação típica, violadora da norma, que se chama imputação objetiva.

Segundo ele3, esses fundamentos seriam basicamente dois: a criação de um risco juridicamente desaprovado e a realização do risco no resultado.

Na doutrina moderna, o tipo é composto de tipo objetivo e de tipo subjetivo. O primeiro é composto da ação, causalidade, resultado, criação de um risco juridicamente desaprovado e a realização do risco. O segundo, por sua vez, é composto do dolo e dos elementos subjetivos especiais.

Sobre os antecedentes históricos da moderna teoria da imputação objetiva, Luis Greco afirma que em um primeiro momento houve a superação do naturalismo pelo neokantismo.

O naturalismo ignorava a dimensão valorativa da ciência jurídica e de seus conceitos. Assim, se o direito quisesse ser digno de ser uma ciência, deveria construir seus conceitos com base no método empírico e avalorado destas ciências da natureza.

Por conta disso, a teoria naturalista do crime se estrutura sobre um conceito de ação segundo o qual esta não passa de a causação voluntária de uma modificação no mundo exterior. Para tal sistema a questão da imputação sequer se coloca.

No começo do século XX começa a ganhar força a perspectiva neokantiana, que questiona a premissa segundo a qual somente as ciências naturais merecem o nome de ciência.

A partir deste ponto a teoria do delito normativa-se, passando a ser compreendida como um conjunto de valorações. A culpabilidade deixa de ser mera descrição de um estado psíquico, para tornar-se a avaliação do fato tendo em vista a reprovabilidade do autor.

Neste ponto começa a interessar o problema da imputação e ocorre a superação do naturalismo pelo método referido a valores do neokantismo.

Foi Karl Larenz quem redescobriu o conceito de imputação para o direito, buscando na filosofia de Hegel os fundamentos para uma teoria da imputação para o direito.

Esta teoria da imputação tenta justamente distinguir a ação do acaso. São imputadas aquelas conseqüências que formam um todo com a ação, que passar a ser denominada por uma finalidade. O acaso é aquilo que não está compreendido na vontade, na finalidade.

Enquanto Hegel falava de imputação a um sujeito, Larenz passa a focar a pessoa. As conseqüências objetivamente previsíveis são, portanto, atribuíveis à pessoa enquanto ser racional.

Larenz foi muito importante, principalmente por redescobrir o conceito de imputação e apresentá-los aos juristas que tinham se esquecido dele. Ademais, ao que consta, foi decisivo e muito influente na teoria finalista da ação de Welzel e na teoria da imputação objetiva, desenvolvida por Honig e depois aprimorada por Roxin.

Honig teve o grande mérito de levar a idéia de Larenz ao direito penal. Ele afirma que o direito não pode considerar suficiente o nexo causal entre um comportamento e um resultado. É preciso um nexo normativo, construído segundo as necessidades da ordem jurídica para que uma causação adquira importância para o direito. Assim, será imputável aquele resultado que se possa considerar dirigido a um fim.

Honig ainda ressalta que, na verdade, a teoria da imputação objetiva é uma teoria da ação. Contudo, para ele, só interessam ao direito penal as ações típicas.

Neste ponto divergem Honig e Larenz, que estava desenvolvendo uma teoria da ação em geral. Para Honig a teoria da imputação é uma teoria da ação, mas da ação típica. Ele abre a possibilidade de se funcionalizar a teoria com considerações que dizem respeito aos fins do direito penal.

E é justamente isto que faz Roxin em 1970, ao criar a moderna teoria da imputação objetiva4.

 

A Imputação Objetiva, os fins da pena e a função Direito Penal segundo Claus Roxin:

 

Segundo Claus Roxin, em seu livro "Política criminal e sistema jurídico penal”, traduzido por Luis Greco5, na teoria da imputação objetiva o injusto típico deixa de ser um acontecimento primariamente causal ou final, para tornar-se a realização de um risco não permitido dentro do âmbito de proteção do respectivo tipo.

Deste modo, é possível resguardar de forma razoável o tipo de uma extensão ilimitada, em especial nos delitos negligentes, reduzindo a punibilidade ao que seja indispensável do ponto de vista preventivo geral: à criação e realização de riscos intoleráveis para um convívio seguro entre as pessoas.

A partir dos ensinamentos de Roxin6, que, de acordo com suas próprias palavras, refundou a teoria da imputação objetiva, os penalistas passaram a admitir a possibilidade da existência da imputação objetiva no direito, de acordo com a fundamentação do estudo da estrutura criminal em aspectos de política criminal.

Para ele, antes de pensarmos sistematicamente o crime, devemos analisá-lo politicamente.

Esta teoria se apresenta como uma complementação e, ao mesmo tempo, uma correção das duas teorias causais, que são a teoria de equivalência dos antecedentes (conditio sine qua non), adotada no artigo 13 de nosso código Penal, e a teoria da causalidade adequada.

A imputação de um fato significa atribuir juridicamente à determinada pessoa a realização de uma conduta criadora de um relevante risco proibido e a produção de um resultado jurídico.

Segundo o autor somente é imputável aquele resultado que pode ser finalmente previsto e dirigido pela vontade. Os resultados que não forem previsíveis ou dirigíveis pela vontade são, portanto, atípicos.

Deste modo, como principio geral da imputação objetiva tem-se a criação, pela ação humana, de um risco juridicamente desvalorado, consubstanciado em um resultado típico.

Sistematizando o que já foi exposto e com espeque na tradução em espanhol do livro “Problemas Basicos Del Derecho Penal”7, temos os seguintes preceitos do pensamento de Roxin:

 

  1. Não há imputação objetiva da conduta ou do resultado quando o sujeito age com o fim de diminuir o risco de dano maior a um determinado bem jurídico. O agente causa um dano menor ao objeto jurídico para lhe evitar um maior (diminuição do risco).

  2. Nos casos em que a ação não tenha criado um risco juridicamente relevante de lesão para um bem jurídico não se pode falar em fato típico (criação ou não criação de um risco juridicamente relevante).

  3. O perigo de um dano é inerente a toda atividade humana. Só existe imputação objetiva quando a conduta do sujeito aumenta o risco já existente ou ultrapassa os limites do risco juridicamente tolerado (aumento ou falta de aumento do risco permitido).

  4. Não há imputação objetiva quando a extensão punitiva do tipo incriminador não abrange o gênero do risco criado pelo sujeito ao bem jurídico e nem o resulta (esfera de proteção da norma).

  5. Quando alguém cria um risco não permitido para um bem jurídico protegido e este perigo se realiza, a imputação do resultado deve ser repelida quando contrariar outros princípios do ordenamento jurídico (compreensão do resultado na esfera de proteção da norma).

 

Com relação ao Direito Penal e à Política Criminal, para Roxin eles não são opostos, como geralmente apresentados em nossa ciência. O direito penal é muito mais a forma através da qual as finalidades político criminais podem ser transferidas para o modo da vigência jurídica8.

Transformar conhecimentos criminológicos em exigências político criminais, e estas em regras jurídicas, é um processo necessário e importante para a obtenção do socialmente correto. Esta introdução da política-criminal no campo jurídico da ciência do direito penal não acarreta a desistência ou relativização do pensamento e sistema, muito pelo contrário.

O direito penal deve proteger bens jurídicos e assegurar metas de prestação vitalmente necessárias apenas onde não bastem para sua consecução medidas menos enérgicas9. Não deve, portanto, tutelar todas as situações ilícitas, pois nada favorece tanto a criminalidade como a penalização de qualquer injusto10.

Para Roxin, a função precípua do direito penal é a proteção de bens jurídicos. O direito penal, assim, possui um caráter subsidiário, só devendo ser utilizado quando nenhum outro ramo do direito puder solucionar o conflito, como última ratio.

Ao analisar as teorias sobre os fins da pena, Roxin afirma11 que é a motivação político-criminal do legislador que deve orientar a interpretação da lei penal.

Critica, assim, a teoria retributiva da pena12, alegando que:

 

  1. A teoria da retribuição pressupõe a necessidade da pena que deveria fundamentar.

  2. É contra a ideia da justificação da sanção penal mediante a compensação da culpabilidade.

  3. Ao se considerar que o alcance das penas estatais e a culpabilidade estão suficientemente fundamentados na teoria da expiação, a ideia de retribuição compensadora só pode ser plausível mediante um ato de fé. Pois, racionalmente, não podemos aceitar que apaguemos um mal fazendo outro mal, que seria a pena.

 

Faz criticas também a prevenção especial13, pois ela:

  1. Não delimita um ius puniendi em seu conteúdo.

  2. Que nos delitos mais graves não se teria que impor pena se não existisse perigo de repetição.

  3. A ideia de correção indica um fim da pena, mas de nenhum modo contém em si mesma a justificação desse fim.

 

Sintetizando, a teoria da prevenção especial não é idônea para justificar o direito penal porque não pode delimitar seus pressupostos e consequências, não explica a punibilidade de delitos sem perigo de repetição e, por fim, pois a ideia de adaptação social forçada mediante uma pena não contém em si mesma sua legitimação, necessitando de fundamentação jurídica a partir de outras considerações.

Critica, também, a prevenção geral, pois14:

 

  1. Não resolve quais os comportamentos que o Estado tem a faculdade de intimidar

  2. Em muitos grupos de delitos e delinquentes ainda não se pode provar o efeito da prevenção geral da pena.

  3. A dificuldade de compreensão de como pode ser justo que se imponha um mal a alguém, para que outros deixem de praticar o mal.

 

Esta teoria, portanto está exposta a objeções similares. Não pode fundamentar o ius puniendi estatal em seus pressupostos, nem limitar suas consequências; é discutível político-criminalmente e carece de legitimação que concorde com os fundamentos do ordenamento jurídico.

Ao examinar as teorias da pena conclui que nenhuma delas resiste a critica. É a favor da teoria unificadora, pois esta percebeu acertadamente que as outras teorias possuem pontos de vista aproveitáveis, sem, entretanto, poderem ser consideradas, isoladamente, como absolutas15.

Lendo os livros de Roxin “Política Criminal e Sistema Jurídico Penal”, traduzido por Luis Greco para o português, e “Problemas Basicos del Derecho Penal”, traduzido por Diego Manuel Luzón Pena para o espanhol, pode-se perceber que o autor não é adepto da teoria da prevenção geral positiva, como nos dizem muitos manuais de direito penal nacionais, mas sim de uma teoria eclética, que se preocupa em solucionar os erros das outras teorias, fazendo uma síntese delas.

Ao analisarmos o livro Direito Penal Brasileiro16, escrito pelos professores Alexis Couto de Brito e William Terra em conjunto com outros autores, podemos perceber que Roxin desenvolveu uma teoria que, de forma ordenada e harmônica, busca estudar os fins da pena em três momentos sucessivos (ameaça, imposição e execução). Assim, os fins da pena devem ser analisados em cada momento, isoladamente.

A ameaça seria o momento de criação da lei (momento legislativo), a imposição da pena seria o momento judicial e por fim, a execução da pena seria o momento executivo17.

Neste ponto, interessante ressaltar que segundo Gamil Foppel18, no livro “a função da pena na visão de Claus Roxin”, muitos autores afirmam que Roxin é adepto da teoria da prevenção especial positiva. Contudo, para ele, esta falácia não parece correta, uma vez que Roxin é adepto da teoria eclética, que se preocupa em solucionar os erros das outras teorias fazendo uma síntese, sem que uma se sobreponha a outra.

Na mesma obra19, Gamil Foppel aduz que Roxin não conseguiu perceber em nenhuma das teorias uma limitação para a pena, pois não se pode punir alguém apenas para que sirva de exemplo para a sociedade.

A teoria dialética unificadora proposta por Roxin nos remete a outras teorias, de forma sintética, buscando evitar incorrer nos mesmos erros já cometidos.

 

A Imputação Objetiva, os fins da pena e a função Direito Penal segundo Gunther Jakobs:

 

A grande distinção teórica do sistema funcional de Gunther Jakobs, segundo Eugênio Pacelli de Oliveira20, consiste no seu conceito de bem jurídico penal.

Para Jakobs, o bem jurídico penal é essencialmente a norma penal, através da forma de coerção exercida pela sanção penal. E a função da pena, por sua vez, é a confirmação da norma penal violada. Ele não acredita na eficácia da prevenção da pena.

Segundo Pacelli21, a concepção segundo a qual o bem jurídico objeto de proteção do Direito Penal seria a norma penal e não os bens e interesses nela acolhidos revelam uma teoria da pena essencialmente não preventista.

E a teoria do bem jurídico, que fundamenta as modernas teorias do delito e que atribui ao Direito Penal à função de proteger bens jurídicos que são valorados por toda a sociedade, reflete uma concepção preventista da pena.

Deste modo, o Direito Penal vai agir após o delito ter acontecido, de forma necessariamente preventiva.

O Professor Pacelli22 diz, ainda, que Jakobs não é partidário de um modelo rigorosamente preventista, mas que nem por isso ele afasta por completo a possibilidade de a imposição da pena ou a própria incriminação, em abstrato, obterem efeitos preventivos, que permaneceriam latentes na pena criminal, mas que jamais se prestariam a cumprir a sua justificação radical, enquanto de pena pública se estiver cuidando.

Jakobs claramente vê a pena como uma confirmação do ordenamento jurídico e, por conseguinte, uma confirmação do Direito Penal e de norma penal que fora violada pela conduta omissiva ou comissiva do agente infrator.

Ele é adepto do que se convencionou chamar se funcionalismo radical sistêmico, em contraposição ao funcionalismo teleológico defendido por Claus Roxin.

O funcionalismo sistêmico, segundo o professor Luiz Régis Prado23, tem origem no campo das ciências biológicas, especialmente na biológica molecular, graças aos estudos dos biólogos chilenos Humberto Maturana e Francisco Varela, passando posteriormente para o domínio das ciências sociais, por obra do sociólogo alemão Niklas Luhman.

O supracitado professor, ainda na mesma obra24, diz que a teoria da autopoiesis biológica é concebida como um modelo teórico geral aplicável aos fenômenos sociais, e que autopoiesis significa autorreprodução, funcionado dessa forma como a autorreprodução de um sistema, mediante a qual o sistema cria sua própria estrutura e os elementos que a compõe.

Concluindo, o eminente doutrinador nos ensina que:

 

“O direito é, então, um subsistema social autopoiético de comunicação, ou seja, um sistema comunicativo normativamente fechado. A sua particularidade como sistema social é ser normativo. O direito, como regulador social, delimita o âmbito das expectativas normativas de conduta. Esse é o alicerce metodológico da teoria funcionalista sistêmica desenvolvida por Gunther Jakobs para o Direito Penal”25.

 

Esse funcionalismo, na forma como concebida por Jakobs, tem como função principal garantir as expectativas de conduta, e dizer que a norma, tal como posta, continua em vigor apesar de ter sido infringida e desrespeitada.

A sanção, ou a pena propriamente dita, teria a função de negar a negativa da vigência da norma. Ao cometer um crime o infrator nega o Direito Penal e ao ser sancionado ou punido por esta conduta contrária a norma penal o Estado diz para a sociedade e para o agente que a norma continua válida, e que o fato dele tê-la infringido apenas confirma sua validade, pois ele será punido, ocorrendo uma verdadeira “negativa da negação da vigência da norma”.

Continuando com o escólio do professor Pacelli26, a ação contrária à norma penal, como ato de vontade portador de significado que é, causaria, portanto, uma defraudação da expectativa do comportamento esperado.

E a pena, assim, ao mesmo tempo em que marginalizaria o sentido do ato praticado, viria a confirmar contrafaticamente a validade (da vontade contida) da norma penal contrariada, mesmo após a sua violação. Com isso, e através dela, daria-se a estabilização das expectativas e do próprio sistema jurídico e social.

O professor Pacelli27, ainda, nos mostra que

 

“ao lado da função latente que se atribui a pena, o único aspecto preventivo que se poderia conceber a obra de Jakobs diz respeito ao chamado exercício de fidelidade ao direito, que ocupa lugar de proeminência no âmbito da culpabilidade”.

 

O Direito Penal desenvolvido por Jakobs não se preocupa em explicar o funcionamento do sistema social, tendo apenas como objetivo mostrar esse sistema a partir de sua estrutura normativa.

Finalizando, podemos concluir que no tocante à função da pena e aos objetivos do Direito Penal, Jakobs quer garantir a manutenção da vigência da norma e das expectativas de conduta, com base na Teoria dos Sistemas de Niklas Luhmann, mas com distinções conceituais com relação aos entendimentos deste.

Roxin vê a função do Direito Penal através da proteção subsidiária de bens jurídicos, enquanto Jakobs diz que esta função seria a manutenção da vigência da normal penal que fora violada. Ou, melhor dizendo, o Direito Penal ao ser violado contrafaticamente, dá uma resposta ao infrator e a sociedade, dizendo que sim, a norma continua vigente apesar de ter sido violada e que por conta disto o infrator será sancionado como forma de se negar a negativa da norma.

Agora vamos analisar a teoria da imputação objetiva que fora desenvolvida por Gunther Jakobs, e que apresenta diferenças marcantes em relação à teoria desenvolvida por Roxin.

Ao contrário do que foi feito com relação à exposição sobre os pensamentos de Claus Roxin, preferimos explicar primeiro os conceitos sobre os fins da pena e sobre a função do Direito Penal, para depois adentrarmos no mérito da imputação objetiva que fora desenvolvida pelo professor Jakobs, por entendermos ser mais fácil sua compreensão desta forma.

Em primeiro lugar cabe aqui uma explicação, frisando aos leitores que manteremos o enfoque apenas sobre a imputação objetiva, tal qual concebida por Jakobs, sem entrar, no entanto, no tema já tão debatido sobre o “Direito Penal do Inimigo”.

Este caminho foi escolhido para que não seja cometido o erro tão comum entre os doutrinadores nacionais, qual seja avaliar todo o conjunto da obra de Jakobs apenas pelo “Direito Penal do Inimigo”.

Ademais, para aqueles que pretendem se aprofundar nesse tema, indicamos o texto do professor Luiz Antonio Chamon Junior “O Direito Penal do Inimigo e o Constitucionalismo”28 e o livro do professor Eugenio Raul Zaffaroni “El enemigo em el derecho penal”29, que em nosso ponto de vista, encerram o debate sobre o tema.

Voltando ao objetivo do presente trabalho, em nos valendo de um trecho do prólogo escrito por Jakobs na versão brasileira de seu livro “A Imputação Objetiva no Direito Penal”30:

 

“Numa sociedade complexa é impossível que todos se ocupem de tudo, e numa sociedade que possibilita contatos anônimos entre as pessoas, não é suficiente e tampouco razoável que os âmbitos de responsabilidade se dividam caso a caso, tendo em conta para isso as peculiaridades e circunstâncias existentes em cada momento. Pelo contrário, é necessário que existam regras fixas para determinar a quem compete a realização de quais tarefas. No terreno das ações empreendidas por uma pessoa, são as regras da imputação objetiva, em sua configuração de modelos de determinação das modalidades de conduta que não estão permitidas, as que regem a fixação dos âmbitos de competência.”

 

Para o autor, qualquer contato social implica um risco, inclusive quando todos atuam de boa-fé. Entretanto, ao fazer essa constatação, não significa dizer que todos os contatos sociais devem ser evitados.

Isso é de fácil explicação, afinal, ao evitarmos o contato social, estaríamos impossibilitados de viver em sociedade, pois o contato entre os integrantes de uma determinada sociedade é condição essencial para que ela exista.

Por conta disto, Jakobs desenvolve o seu conceito de “Risco Permitido”, que seria aquele que é tolerado por uma sociedade, estando, pois, vinculado à configuração da sociedade31.

Importante destacar também que para ele o risco permitido não vai solucionar a colisão de bens jurídicos, mas sim estabelecer quais sãos as hipóteses normais de interação, posto que a sociedade não é um mecanismo concebido apenas para a proteção destes bens.

            Ao realizarmos um comportamento que gera um risco permitido não ocorre uma causa de justificação, mas sim uma exclusão da tipicidade da conduta, que é aceita pela sociedade como uma conduta normal.

            Ao contrário, quando realizamos condutas que são justificadas, como, por exemplo, nos casos de exclusão da ilicitude (legitima defesa, estado de necessidade etc.), precisamos comprovar a necessidade de ter agido de tal forma diante da situação real de perigo.

         Isso não ocorre ao realizarmos um risco permitido - por ser uma conduta socialmente adequada. Por isso ocorrer exclusão da tipicidade e não uma causa de justificação; o risco permitido exclui o tipo. A própria imputação objetiva é vista por ele como um filtro da tipicidade.

        Outro aspecto relevante da doutrina de Jakobs é o do “papel social” que cada pessoa desempenha na sociedade. Seguindo esse raciocínio, um sujeito pode ser julgado apenas pelos conhecimentos genéricos que esperamos que ele tenha ao desenvolver seu papel na sociedade; sem levar em conta os conhecimentos especiais que ele possui.

Não podemos esperar de um advogado conhecimentos em medicina, de uma enfermeira conhecimentos sobre astrologia, ou ainda de um garçom conhecimentos sobre biologia.

           No exemplo mais famoso de Jakobs, um garçom é estudante de biologia e trabalha em um restaurante como garçom para ajudar nos custos de seus estudos. Ao servir uma salada a um cliente, percebe que nela há um fungo venenoso – reconhece o fungo através de seus conhecimentos em biologia – mas mesmo assim serve a salada e o cliente vem a morrer em decorrência disto.

            Para Jakobs, o garçom não poderia ser punido por isto, pois não se espera de um garçom que ele detenha conhecimentos em biologia, visto que não faz parte de seu papel social.

          Nisso discordamos de Jakobs, afinal, ao irmos a um restaurante, o mínimo que se espera é não morrer em decorrência do que vamos ingerir. Ademais, para servir algo a um cliente, os funcionários do restaurante têm a obrigação de saber que isto não irá matá-lo.

     Mas voltando ao tema, o autor nos diz que32: “A responsabilidade jurídico-penal sempre tem como fundamento a violação de um papel”.

O papel que cada pessoa tem na sociedade pode ser especial ou comum. Os especiais são os que determinada pessoa tem por que deve formar com outras pessoas um ente comum, como, por exemplo, o papel de um pai ou de uma mãe em relação a um filho menor de idade.

        São aqueles papéis de garantidor, como um policial ou um salva-vidas, que em decorrência de suas funções, tem o dever de agir para evitar o perigo a vida de outrem.

            Estes ao violarem seus papéis, em geral, vão responder a título de autores, pois estão obrigados com a vítima por uma relação jurídica base.

Já o papel comum liga-se à noção de que o sujeito deve se comportar como uma pessoa comum no direito; deve respeitar os direitos dos outros, para ter os seus respeitados.

           Neste papel o individuo tem o dever de não provocar dano a outrem. Portanto, a violação a um dever comum seria que este praticasse um roubo, um furto, um estelionato, e assim por diante.

No tocante ao princípio da confiança, - que já é debatido há tempos em nosso país, mas que ao que parece, poucos sabem que foi desenvolvido por Jakobs - pode ser dividido em duas modalidades.

A primeira consiste na confiança de que o outro irá realizar o seu comportamento de modo correto; que ele irá cumprir com os seus deveres. Ou seja, ao atravessar o sinal verde em um cruzamento confio que o outro motorista irá parar o veículo, pois para ele o sinal estará vermelho.

Evidentemente o exemplo anterior não é ilimitado. Caso aconteça alguma causa superveniente, como um cego que tenta atravessar a rua a pé no momento em que o sinal está verde para o motorista, é óbvio que ele deve parar o carro. O princípio da confiança não é ilimitado e não pode ser usado para legitimar toda e qualquer situação.

          Na segunda modalidade, a confiança se pauta em uma determinada situação que tenha sido preparada de modo correto por parte de um terceiro e o autor em potencial, se cumprir com os seus deveres, não irá ocasionar dano algum. É o caso do médico que vai aplicar uma injeção e confia que a enfermeira tenha esterilizado a seringa utilizada.

            Também aborda o princípio da proibição do regresso, ou seja, não se pode responsabilizar uma ação anterior que é lícita, por uma ação ilícita realizada posteriormente por outra pessoa.

Ou seja, o vendedor de armas que vende uma arma de forma regular a alguém apto a adquiri-la, não pode ser responsabilizado se este vier a matar alguém com ela. A proibição de regresso, que contém sempre um comportamento inofensivo, não constitui participação em uma atividade não permitida33.

Outro aspecto importante desta teoria é a autocolocação em risco. Para Jakobs, o agente que se autocoloca em uma situação de risco, não pode imputar o resultado a outra pessoa. Ele deve aguentar as consequências de seus atos, sem querer atribuí-lo a terceiros.

        A configuração de um contato social pode ser de competência da vítima e não apenas do autor, de modo que isto pode acontecer inclusive por uma questão de azar da vítima; por uma infelicidade.

        Deste modo, seguindo a própria divisão de Jakobs34, fica esboçado a ideia de comportamento social, como um comportamento vinculado a papéis sociais.       Assim, podemos delimitar os fundamentos da imputação objetiva a quatro instituições jurídico-penais:

 

  1. Risco permitido;

  2. Princípio da confiança;

  3. Proibição de regresso e

  4. Competência da vítima.

 

 

Conclusão:

 

    A Teoria da imputação objetiva é de suma importância para o desenvolvimento da ciência penal em nossos tempos, ainda mais com as contribuições que foram feitas por Jakobs e Roxin, além é claro de seus discípulos que até hoje se esmeram em conseguir aprimorá-la.

        Não podemos nos deixar influenciar pela doutrina nacional que, em sua maioria, ainda enxerga apenas no finalismo – e alguns até no causalismo - a solução para nosso direito penal.

        A doutrina funcionalista, principalmente a linha teleológica desenvolvida por Roxin, tem muito a contribuir para o desenvolvimento e aprimoramento de nossa legislação penal.

      Mas, não podemos esquecer também das importantes contribuições deixadas por Jakobs, em especial com relação ao conceito de culpabilidade e aos fundamentos de sua teoria da imputação objetiva.

        Não podemos cometer o erro comum de atacá-lo apenas por conta de seu “Direito Penal do Inimigo”, afinal, esta é apenas a ponta do iceberg de toda sua extensa obra.

        Todos concordaram que o mestre não foi bem ao desenvolver este “direito de exceção” que seria voltado aos inimigos do direito e da sociedade, entretanto, isso não desqualifica o restante de seus ensinamentos.

        É inegável que a maioria de nós já cometeu o erro de julgá-lo sumariamente, sem, contudo, nos darmos ao trabalho de ler parte de seus escritos. Com isso, aprendemos que para julgar alguém precisamos de argumentos e, para tê-los, precisamos de uma coisa: conhecimento.

    O direito é uma ciência de erudição, e é muito difícil alcançá-la em sua plenitude. Isso sem dúvida foi alcançado pelos mestres Roxin e Jakobs, que tanto contribuíram com a doutrina funcionalista, com a imputação objetiva e, principalmente, com o direito penal.

    Cabem agora às gerações vindouras aprimorar e continuar desenvolvendo o funcionalismo penal. Essa evolução acontece principalmente através de críticas, mas para que possamos criticar, antes, devemos conhecer a fundo a teoria e sopesar seus pontos positivos e negativos de forma imparcial e cuidadosa, para não incidir em erros.

    Com base nas lições deixadas por estes autores funcionalistas, bem como nos avanços alcançados pelas outras escolas penais, podemos, cada vez mais, aproximar o direito penal do seu objetivo real que é a pacificação social e a justiça.

 

 

 

 
 

 

Referências Bibliográficas

 

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Autor: Daniel Schwarz Furlani


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