Uma grande herança Batista



UMA GRANDE HERANÇA BATISTA

Resenha de “Os Batistas e a Doutrina da Eleição”, de Robert B. Selph. São Paulo: Editora Fiel, 2005. 155 p.

Marcos Paulo da Silva Soares[1]

 

A obra de Robert B. Selph destaca a íntima relação entre os Batistas e a Soberania de Deus aplicada à salvação dos crentes. O autor, de forma criativa, utiliza no prefácio o testemunho de diversos ministros do evangelho a respeito da frouxidão quanto a esse tema nos púlpitos e seminários evangélicos. Um deles chega a afirmar que o arminianismo tem enfraquecido o cristianismo e gerando muitos falsos convertidos nas igrejas evangélicas.

O livro “Os Batistas e a Doutrina da Eleição” possui quatro capítulos, os quais procuram progressivamente deter-se sobre nuanças distintas dessa doutrina. Selph procura chamar a atenção do leitor utilizando desde a contribuição histórica dessa doutrina no Movimento Batista do Sul dos EUA até a aplicação prática da mesma a diversas esferas da vida cristã.

No primeiro capítulo, a eleição é arvorada como uma herança batista sulista (EUA) às gerações seguintes. Com seu apego às Escrituras e priorizando a Grande Comissão, esses servos de Deus empunhavam o evangelho de modo que a pregação dos mesmos “honrasse a Deus e transformasse vidas” (p.13). Aqui as palavras de V. P. Boyce são utilizadas numa detalhada elucidação da eleição. Suas palavras e seu testemunho impactante sobre seus alunos, quer fossem calvinistas, quer não, fizeram muitos destes abraçarem-na firmemente.

O capítulo traz ainda cinco elementos decorrentes da prática desse ensino bíblico, como afirma J. B. Gambell: (1) A pregação doutrinária sobre a graça, (2) centralizada na exaltação de Deus, (3) na busca pela salvação através de rogos desesperados, (4) no relacionamento entre eleição e arrependimento e (5) no uso das doutrinas bíblicas da eleição e da predestinação como propulsores do evangelismo. O capítulo encerra-se com questionamentos, que servindo de ímã, conduzem o leitor a prosseguir na leitura da obra.

A herança da crença na “Eleição Incondicional” fixa-se mais na mente dos leitores quando se lembra a vida dos homens e mulheres que fizeram muito ao crerem e vivenciarem essa verdade bíblica. Entre estes, Selph cita: Roger Williams, o primeiro batista em terras norte-americanas. Outro grande exemplo é John A. Broadus, pastor e inesquecível educador cristão. Outros nomes igualmente importantes são: C. H. Spurgeon, Benjamim Keach, John Bunyan, Matthew Henry e os redatores da Confissão Batista de 1689.

O tema “salvação, graça e fé” é tratado no terceiro capítulo. Os vãos clamores contra a eleição soam, mas são silenciados ante a apresentação dessa seção. O homem aqui é descrito como morto espiritual, sem entendimento de Deus, hostil ao Criador, incapaz de chegar-se ao Mesmo e desinteressado em fazê-lo. Algumas advertências são dadas tais como: não se engane quanto aos instrumentos da graça, a dívida humana impossibilita a raça de optar por Deus e a presciência divina não foi atraída pela fé e capacidade humanas de reagir ao convite do Salvador.

Essa aparente injustiça é respondida em quatro argumentos: (1) Se ser justo significasse dar o que merecem os pecadores, o inferno aguardaria a todos; (2) Ninguém por si só bate à porta da salvação; (3) Todo o que vai ao Salvador é por Ele recebido, mas não há quem vá, conforme o Evangelho, sem Deus o chamar; e (4) O texto paulino de Rm 9.14ss mostra que Deus, pelo simples fato de ser quem É, pode fazer o que lhe apraz sem ficar em dívida com ninguém.

O homem, contudo, não é um robô, pois “Deus jamais força uma pessoa a ser salva contra a sua vontade” (p.88). A fé vinda de Deus humilha e muda o foco do testemunho do eleito. Ele é vivificado para poder reagir ao chamado divino. Tal vivificação é obra de Deus. A fé salvífica vem da compreensão de que este é único remédio para os pecados humanos. Agregada a essa fé tem-se o arrependimento. Finalizando o capítulo, o autor apresenta um questionário para autoexame do leitor a fim de avaliar sua situação.

A praticidade dessa doutrina é a base para o último capítulo, pois a “bênção da eleição e predestinação” tem como carro-chefe a verdadeira adoração a Deus. Negar aquela é “roubar do povo de Deus a visão mais plena da glória de Deus, e a limitar a adoração da igreja ao campo da glória humana” (p.101). Outra área beneficiada é a da hermenêutica bíblica, “...uma vez que ele entenda claramente o significado da eleição... ele estará a caminho do ser um crente instrutivo...” (p.103), afirmou Spurgeon.

O evangelismo é outra área enriquecida, pois aqueles que aprenderam o sentido bíblico de eleição devem regozijar-se em serem instrumentos de Deus ao alcançar os perdidos. Sobre isso afirma Selph: “nosso primeiro e nosso último dever é sermos fiéis perante Deus, difundindo a fragrância de Cristo a todos os que nos cercam” (p.107). Por fim, a humildade do servo de Deus é mais uma área privilegiada pela doutrina da eleição. O autor afirma que “Quando ajoelhados em oração, todos somos calvinistas” (p.131) e “O verdadeiro calvinismo sempre leva a uma apreciação da autonegação” (p.135). Essa prática direciona o crente a não se vangloriar na eleição, mas a temer e buscar a santidade – que são marcas da mesma no fiel. Aqui está um tema que incomoda tanto a preguiçosos quanto a desinteressados na prática das obras pós-conversão.

Na conclusão de sua obra, Robert B. Selph ratifica que a essência do cristianismo bíblico é: “quanto mais Deus for exaltado, e quanto mais o homem for rebaixado, melhor”. Essa não é a prática vista no contexto evangélico brasileiro. Por isso, quem prega a doutrina da eleição bíblica é tão impopular, às vezes, chamado de debochado ou complicador do evangelho. Coragem é uma virtude imprescindível aqui.

A obra é um fiel clamor a que se viva a máxima: “Deus honra a pregação que honra a Ele” (p. 149). Também é um excelente pequeno tratado teológico que os calvinistas necessitam para embasarem-se melhor nos caminhos do Senhor e uma desafiadora leitura a que os arminianos devem fazer e procurarem confrontar se quiserem manter seu sistema doutrinário em pé.

 


[1] Graduado em Letras-Literatura pela Universidade Federal do Ceará, em Fortaleza-Ce, e Bacharel em Teologia com especialização em exegese pelo Seminário Batista do Cariri, Crato-Ce. Leciona, desde 2009, Português, Grego, Hebraico, Antropologia Cultural, Religiões Comparadas, Introdução Bíblica no Centro de Treinamento Eclesiástico & Missões - CETREM, em Juazeiro do Norte-Ce (filiado ao Seminário Teológico Batista do Ceará, em Fortaleza). Ex-estagiário da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico - Funcap, e da Secretaria de Educação do Estado do Ceará - SEDUC, em 2011. Atuou como professor de Grego e Português no Seminário Batista do Cariri - SBC, de 2008 a 2011.

 

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Autor: Marcos Paulo Da Silva Soares


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