COMO O EXISTENCIALISMO DE SARTRE EXPLICA A ANGÚSTIA NA POESIA DE FLORBELA ESPANCA



COMO O EXISTENCIALISMO DE SARTRE EXPLICA A ANGÚSTIA NA POESIA DE FLORBELA ESPANCA.

Adriana Maria*

Resumo

Sem pretensão alguma de esgotar a análise do tema estudado: “Como o existencialismo de Sartre explica a angústia na poesia de Florbela Espanca”, o presente trabalho tem por finalidade estudar de que forma ocorre, onde começa e como se dá o processo do sujeito melancólico, com base na visão do filósofo Jean Paul Charles A. Sartre, bem como mostrar que a “angústia”, como parte inerente do ser humano, interfere na construção de sua obra.

Palavra-chave: existencialismo-angústia-obra. 

Abstract

Without pretense to exhaust the analysis of the studied subject: "As the existentialism of Sartre explains the anguish in poetry Florbela Espanca", this work was to study how it occurs, where it begins and how is the process of the melancholic subject , based on the vision of the philosopher Jean Paul Charles A. Sartre, as well as showing that the "distress" as an inherent part of being human, interferes with the construction of his work.

 Key word: existentialist- angst-labor

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*Formada pela Universidade Federal do Piaui em Letras-Português e cursando especialização em Literatura e Estudos Culturais pela Universidade Estadual do Piaui/2012.

Florbela de Alma da Conceição Espanca é autora de uma pequena, porém, diversificada obra. Entre contos, cartas, diários e poesias, ambos carregados de emoções, onde a poetisa extravasa o que vinha à alma, Florbela nos deixa uma poesia enigmática e única como ela própria.

“Entre agonias e dores tamanhas” (GUEDES, 1986), assim nasceu Florbela Espanca, em 1894, numa sociedade com resquícios significativos do patriarcalismo.

Em pleno século XIX, a situação da mulher portuguesa ainda era precária; seu papel se restringia a obediência ao marido, somente ao homem competia exercer autoridade sobre os filhos e demais assuntos, à mulher cabia paciência, habilidades domésticas, compreensão, doação, respeito e castração de seus sentimentos.

 

No entanto, ao despontar da mocidade de Florbela, Portugal já seguia rumo à emancipação feminina, mesmo em passos lentos após a  proclamação da República em 1910 (Florbela então com 16 anos), surgem algumas modificações no Código Civil, entre elas; novas leis sobre o casamento, baseado na igualdade; aprovação da lei do divórcio tendo o marido e a mulher os mesmos direitos, foram algumas das modificações que deram uma certa abertura para as mulheres continuarem na luta de seus direitos

Porém, mesmo na luta por direitos iguais, a sociedade da época, excluindo uma minoria, ainda não estava preparada para aceitar e admirar uma mulher como a poetisa. Em “Versos de Orgulho” escreveria: “O mundo quer-me mal porque ninguém/ Tem asas como eu tenho! Porque Deus/ Me fez nascer Princesa entre plebeus/ Numa torre de orgulho e de desdém!// Porque o meu Reino fica para Além!/ Porque trago no olhar os vastos céus,/ E os Oiros e os clarões são todos meus!/ Porque Eu sou Eu e porque Eu sou Alguém!..” (Poesia vol. II pág. 167).

Percebe-se nos versos acima que a poetisa sabia o que representava e que estava muito à frente de seu tempo. Prova disso é o verso que diz; ...Porque o meu Reino fica para além!

Desde muito cedo aprendeu a quebrar regras, o divórcio foi uma delas, de temperamento forte não dava lugar para ser subjugada, a poetisa era o avesso da mulher de sua época e, por isso mesmo, sentia que o mundo a queria mal. Florbela  desde muito cedo percebeu que não se encaixava às regras sociais de mulher submissa. Mostrou-se sem máscaras e preconceito, por esse motivo manteve uma luta constante consigo mesma e com sua família. Sentia-se incompreendida e, como tal expressava seus sentimentos nos vários poemas que escrevia; com o poema “Poetas” expressa: “Ai as almas dos poetas/ Não as entende ninguém/ São almas de violetas/ Que são poetas também//Andam perdidos na vida/ Como as estrelas no ar/ Sentem o vento gemer/ Ouvem as rosas chorar!...” ( Poesia vol.I pág. 88).

Segundo Rui Guedes, 1986, como mulher nasceu fora do seu tempo. Lutou para  poder estudar num liceu. Lutou para se divorciar. Lutou para publicar seus livros. Lutou para ser compreendida e aceita como era. E perdeu!

Aos oito anos de idade escreveria “A vida e a morte”: “O que é a vida e a morte/ Aquela infernal inimiga/ A vida é o sorriso/ E a morte da vida a guarida// A morte tem os desgostos/ A vida tem os felizes/ A cova tem a tristeza/ E a vida tem as raízes...” ( Poesia vol. I pág. 43).

Em 1930 Florbela escreveria: “Aos oito anos já fazia versos, já tinha insônias e já as coisas da vida me davam vontade de chorar...” ( Cf. Vol. VI carta nº 150).

No soneto acima a poetisa traça um paralelo entre a vida e a morte, comparando-as. Com apenas oito anos, por que uma menina tão nova sentiria tristezas e angústias, que nem ela mesma saberia  explicar!?

Florbela amava, e amava intensamente, amava e desejava ser  retribuída com a mesma paixão  que expressava, esse amor angustiava a poetisa porque ela não se sentia recompensada, faltava no “outro” essa mesma paixão, essa mesma intensidade; era uma mulher exigente e como mulher queria ser amada com a mesma intensidade que se doava.

E quando se doava ao ponto de compartilhar uma vida a dois, é como se Florbela tivesse suas “asas” cortadas, num misto de amor intenso e liberdade ao mesmo tempo; duas facetas do amor, o querer estar sempre perto e o querer ser livre. Em carta escreveria a Júlia Alves, sua amiga e confidente, o que parece ser o resumo de sua vida sentimental; “ Esse amor que em sendo triste, canta, e em sendo alegre, chora, esse amor há de senti-lo um dia, e embora morto, perfumar lhe a alma até à morte, num perfume de saudade que jamais o tempo levará! No entanto, o casamento é brutal, como a posse é sempre brutal, sempre...” (Cf. vol. V, carta nº 45).

Certa noite, depois de tentar cometer o segundo suicídio, Florbela já cansada de ”tudo” escreveria em carta: “Estou cansada, cada vez mais incompreendida e insatisfeita comigo, com a vida e com os outros, diz-me, porque não nasci igual aos outros, sem dúvidas, sem desejos de impossível? E é isto que me traz sempre desvairada, incompatível com a vida que toda a gente vive...” (Cf. vol. VI, carta nº166).

 De acordo com Araújo (2000);

“A angústia possui um papel central na  existência do ser pois coloca-o diante do  desconhecido, do risco, da dúvida, da incerteza. Afeta a ambigüidade das possibilidades confrontando-as sempre diante de suas ambivalências (ser/não ser; criação/destruição; vida/morte; sentido/insignificação”).

Já na visão de Sartre:

“A angústia surge da consciência de nossa liberdade, surge da responsabilidade por nossos atos. É na angustia que o homem toma consciência de sua liberdade (...) na angustia que a liberdade está em seu ser colocando-se em questão”. (SARTRE, 2002, p. 72).

Segundo o exposto acima, Florbela Espanca deu a si essa liberdade de escolha da própria vida, sem máscaras e preconceito algum, bem à frente de seu tempo em ideias e atitudes, expôs através de sua escrita, tudo o que sentia e pensava. Escreveu, mesmo que não a compreendessem, rompeu padrões ao divorciar-se por duas vezes, lutou consigo mesma e entrou em choque com a sociedade e sua família; porque na sociedade da qual estava inserida, sua alma não fazia parte.

“...porque não nasci igual aos outros..” Esse verso expressa de forma bem clara o quanto a poetisa se sentia diferente, essa diferença a atormentava. Tinha ideias avançadas, tinha dúvidas, questionava, argumentava; algo bem diferente de se ver nas mulheres de sua época e, por viver essa diferença conscientemente e quase sempre só, é que Florbela se angustiava por não ser igual “aos outros”.

Essa consciência de liberdade de que fala Sartre, acompanhou a poetisa por toda sua vida, ela tinha plena consciência do que representava como mulher e como escritora, fez escolhas e, suas escolhas eram muito além para uma mulher de sua época. Suas escolhas lhe davam angústias porque ela se apresentava como realmente era. Mesmo sendo capaz de escolher seu próprio caminho, ainda assim suas escolhas davam-lhe angústias. Por mais que  a poetisa procurasse viver de acordo com seus sentimentos, a sociedade que a rodeava não compartilhava do mesmo pensamento e, isto lhe causava mágoas, tristezas, por não ser compreendida. Segundo Sartre:

“Essa angustia também se dá quando o indivíduo é incapaz de escolher seu próprio caminho e acredita que Deus quis assim e se conforma diante de situações extremamente desagradáveis. Aceita os valores, normas e regras de sua época com tamanha passividade, sem ao menos refletir sobre eles”. (SARTRE, 2002, p. 72).

Com Florbela foi o oposto. Lutou contra normas e valores indo de encontro com a própria família. De temperamento forte, ela não se deixava ser submissa frente aos padrões aos quais pelas regras da época, deveria seguir.

Florbela estava constantemente insatisfeita com o mundo, em cartas ao seu amigo Guido Battelli escreveria: “O meu mundo não é como o dos outros, quero demais, exijo demais, há em mim uma sede de infinito, uma angústia constante que nem mesmo compreendo, pois estou longe de ser uma pessimista, sou antes uma exaltada, com uma alma intensa, violenta, atormentada, uma alma que se não sente bem onde está, que tem saudade... sei lá de quê!” (Cf. Vol. VI, carta 147).

Mas afinal como definir angústia? Como compreender essa angustia na poetisa?

Aperto no peito, afogar, estreito, peito pesado; são apenas pequenos termos que no dito popular conceituariam “angustia”; aperto no peito este, que não se sabe o que provoca essa sensação.

Tendo a liberdade de suas escolhas o sujeito angustia-se perante elas, pois geralmente nem sempre as escolhas que fazemos também satisfazem àquelas pessoas que nos rodeiam. Viver significa escolher a todo o momento, mesmo que essas escolhas não tragam o esperado, desde a decisão mais simples à mais complexa, bem como satisfazendo ou não a sociedade na qual estamos inseridos. 

 

“ O homem é um ser livre, decide a própria vida. O homem arca com a responsabilidade de sua escolha e escolher sua própria vertente, significa lutar pela própria dignidade”

Desde pequena Florbela sentia ser diferente, pensava e agia com ideais maduros demais para sua idade, prova disso foi o poema “A vida e a morte” escrito pela poetisa aos oito anos de idade.

Porém, com a idade de oito anos, como poderia uma menina tão nova assim já sentir esse aperto no peito?

“O nada, que é o objeto da angustia, torna-se cada vez mais um algo (...) o nada da angustia é, então neste caso um complexo de pensamentos, os quais se refletem em si mesmo, aproximando-se mais  e mais do indivíduo, embora, vistos essencialmente, na angustia tornem a significar nada”. (KIERKEGAARD, 2011, P. 68).

Procurando compreender o que vem a ser essa “angústia” numa visão existencialista, é que procuro em Sartre (1905/1980), uma das figuras exponenciais do Existencialismo, uma resposta do que vem a ser essa angústia, que muitas vezes chega a surgir do nada, já que o Existencialismo como filosofia volta-se preferencialmente à investigação da questão humana.

No pensamento existencialista, a angustia deixa de ser vista como algo patológico para fazer parte constante, ou seja, para ser inerente à condição humana. É justamente essa “angustia”, essa inquietação, ou mesmo insatisfação com o mundo que o rodeia que leva o sujeito ao estado de ação, é o que o faz mudar de atitude, modo de pensar e agir, principalmente diante de si próprio.

O sujeito direciona seus atos para uma busca de novas perspectivas acerca da própria vida e essa busca se torna para ele ao mesmo tempo angustiante. Entendido a angustia como inerente ao ser humano, este assume suas escolhas na liberdade que tem e responsabiliza-se pelas consequências futuras.

No poema “Caravelas” Florbela escreve: “Cheguei a meio da vida já cansada/ De tanto caminhar! Já me perdi!/ Dum estranho país que nunca vi/ Sou neste mundo imenso a exilada// Tanto tenho aprendido e não sei nada/ E as torres de marfim que construí/ Em trágica loucura as destruí/ Por minhas próprias mãos de malfadada!”(Poesia vol. II p. 127).

Sartre postula que o homem não é um ser em-si, não é um objeto inanimado como as coisas no mundo. O homem é um ser para-si, pois tem consciência de si mesmo.

A angústia surge na consciência de nossa liberdade, surge das responsabilidades por nossos atos.

O existencialista acredita que não existe  felicidade sem sofrimento e, sim que as agruras existenciais, dentre elas a angustia, a solidão, tédio e melancolia, são sentimentos que fazem parte da vida  e, portanto, sem elas não existe realizações humanas, porque são justamente essas agruras que fazem o sujeito melancólico procurar novas perspectivas de vida.

“... a angústia não é mais, portanto, um sentimento negativo, mas uma experiência que evidencia-se quando tem-se consciência da condição humana de seres livres e únicos...” (ANGERAMI-CAMON, 2000, P.13-60).

Florbela sabia que ao romper regras passaria a ser diferente dos demais, no entanto, esse olhar “do outro” não a fez calar-se. Mesmo em seus momentos de angustia e tristezas, jamais deixou de escrever, de expressar o que sentia.

Não se sabe ao certo se realmente Florbela cometeu suicídio, o que consta, segundo os estudos em “Obras Completas acerca de Florbela Espanca” de Rui Guedes, é que a poetisa morre de “edema pulmonar” no dia  sete de dezembro de 1930, às vinte e duas horas na Rua 1º de Dezembro em Matosinhos. 

Referências:

ARAUJO, J.N.G. DE (2000). Angustia e temporalidade. São Paulo: Casa do Psicólogo. - Autora Nívea Regina Salviati –Angustia Existencial, 2003. (www.consciencia.org - disponível em 10 de janeiro de 2012)

ANGERAMI – Camon, V.A. Psicoterapia Existencial. São Paulo: Editora Pioneira,1998. – Autora Nívea Regina Salviati –Angustia Existencial, 2003. (www.consciencia.org - disponível em 10 de janeiro de 2012)

GUEDES, Rui. Obras Completas de Florbela Espanca. In: Cartas vol. V e VI. Ed.1ª. 1986. Ed. Dom Quixote. Lisboa-Portugal.

____________________________________________. In: Poesia vol.I e II Ed. 1ª. 1986. Ed. Dom Quixote. Lisboa – Portugal.

SARTRE, J.P. O Ser e o Nada: Ensaio de Ontologia fenomenológica. Tradução Paulo Perdigão. Petrópolis: Vozes, 2002, pg. 72).

KIERKEGAARD. Soren A. O Conceito de Angustia. Tradução de Álvaro Luiz Montenegro Valls. – Petrópolis, RJ: Vozes; 2011. (Coleção Vozes de Bolso).


Autor: Adriana Maria


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