Pai, o herói



Mais um dia de trabalho que havia se acabado, tomar um banho e se arrumar para voltar para casa, esse era o momento mais difícil, isso porque estávamos em guerra civil, quando imaginávamos que terminaria com a ajuda das forças internacionais, começou tudo de novo. Minha maior preocupação estava em minha esposa, a sua proteção era de vital importância. Agora tinha que fazer a jornada perigosa de voltar para casa.

Eu, Borislav, Dragomir, Gorki, Lubomir e Radomil estávamos voltando quando vimos grande tumulto vindo em nossa direção, com pessoas correndo e barulho de tiros, um olhou para o outro e sem dizermos nada saímos correndo entrando por uma rua lateral, achamos uma caçamba de lixo e não tivemos dúvidas, todos os seis pulam para dentro fechando a tampa, e lá junto com o grande mau cheiro, ouvimos uma grande gritaria e muitos tiros, ficamos muito apreensivos, mas bem quietinhos. Quando a gritaria e os tiros ficaram mais longe, sentimos a necessidade de sair para ver como estava a situação, então, Borislav que era o mais corajoso levantou bem de vagar a tampa e só com os olhos para fora, observou que dava para sair:

-              Já foram, vamos sair daqui, que estou quase vomitando com esse cheiro insuportável.

Era insuportável mesmo, mas já estávamos todos impregnados com o cheiro. Mas o mal cheiro era dos problemas o menor, o que faríamos agora para voltar para casa? Saímos dessa rua lateral e o caminho que fazíamos sempre, era muito perigo, então decidimos mudar a rota, mas Dragomir questionou:

-              Esse caminho da para o condomínio dos ricos, que não tem como passar, e ai vamos ter que voltar para caminho que nós fazemos sempre, e que é perigoso.

-              Temos só dois caminhos, vamos por esse e quando chegarmos lá pensamos em algo. – disse Borislav.

Fizemos isso, caminhamos até a entrada do condomínio dos ricos, e para nossa surpresa o portão estava completamente aberto e sem guarda nenhum, e agora atravessaríamos por ele?

-              Vamos por ele mesmos. – ordena Borislav.

-              Você esta louco, se nos pegam ai dentro vamos ser fuzilados. – fala indignado Gorki.

-              Então vai pelo nosso caminho e é morto sem fuzilamento. – retruca Borislav.

-              Se você quer morrer eu não, vamos esperar mais pouco e ver se melhora. – sugere Gorki.

-              Eu não vou esperar nada, estou preocupado com minha mulher, se pelo condomínio parece estar mais calmo é por ele que eu vou. – exclamei.

-              Concordo, vamos embora. – Apoiou Borislav.

E todos inclusive o próprio Gorki veio com a gente, enquanto caminhávamos podíamos ver a grande destruição, as casas foram arrombadas, algumas pegando fogo, e corpos pela rua, achamos estranho por que parecia que o exercito que cuidava desse bairro havia saído, não havia sinal de luta, e as pessoas mortas só eram moradores ou talvez empregados. Ver aquelas pessoas mortas dava uma sensação de desespero, angustia e grande medo, eu imaginava que poderia ser um de nós ali mortos, ou a nossa família. Em um bairro que as pessoas eram melhor de vida, tinham dinheiro, tinham a proteção do exercito aconteceu aquilo ficava imaginando em nosso bairro pobre que não tinha proteção alguma, o que teria acontecido.

Andávamos sem dizermos uma palavra, nos nossos rostos a imagem do horror, da revolta, da angustia e o pior da aflição de não saber o que tinha acontecido com a nossa família. As nossas passadas eram de cautela, para não encontrar nenhuma surpresa pela frente, mas na realidade queríamos correr para chegar o mais rápido possível em nossas casas. A cada caminhada o horror ia aumentando, não haviam poupado nem as mulheres, não tínhamos coragem de realmente ver se estavam mortas, mas de repente algo aconteceu, o choro de uma criança e um grito agonizante de uma mulher pedindo socorro:

-              Socoooorro, por .............favor ........... aaaajudem, oooo meu filho.

Não conseguíamos nem olhar um para a cara do outro, suspiramos e continuamos andando, não tínhamos nada haver com aquilo, tínhamos a nossa família para cuidar, e não podíamos arriscar a nossa vida para salvar alguém que não conhecíamos. Mas, de novo o choro e um grito mais angustiante:

-              Socorro, por fa.....vor  aju.........dem ooo me.............................u fi....................lho, soooooocoooocoooooorroooooooooooo. – Esse grito parecia o grito de alguém preste a morrer, e grito não era para socorre-la, mas sim o filho que estava chorando.

Uma grande sensação tomou conta de mim, algo dizia que eu não era covarde, como podia deixar alguém morrer, uma mulher que não gritava pela sua vida, mas pela vida do filho, ou seja, uma mãe desesperada. Como eu podia não sentir nada ao ouvir o choro de uma criança e saber que ela seria morta sem chance de se defender. E se fosse a minha mãe, meu filho ou a minha mulher. Olhei para Borislav, e sem dizermos nada, mudamos o caminho para dentro daquela casa, os outros ficaram meio perplexos, mas também nos seguiram. E ai, quando entramos, vimos algo chocante, a mulher sendo estrangulada por um homem três vezes o seu tamanho e um outro homem segurando uma criança pelas pernas de cabeça para baixo, eu e Borislav tínhamos uma arma apontamos para os homens e ele grita:

-              Deixem ela em paz.

-              Fica na sua, isso não é da sua conta, então saia daqui e fique quietinho. – responde o estrangulador.

-              Não se bate em mulher.- grita Borislav.

-              Não – neste momento ele soltou um murro no rosto da mulher e deu gargalhadas – o que vo.........

Borislav nem deixou ele completar a frase e deu um chute que lhe acertou na sua cabeça, caindo em cima dele desferindo vários socos com um o ódio sem igual, achou um enfeite de ferro e bateu em sua cabeça até que ele desmaiou. Eu e os outros fomos para cima daquele que estava com a criança, peguei o garoto e os outros bateram até que ele também estivesse desmaiado. Quando olhei para Borislav, ele ainda estava batendo no homem, joguei a criança nos braços de Gorki e gritei para ele:

-          Para, para ele já esta desmaiado. – Na realidade ele já estava morto.

Tive que pegar ele e puxei de cima do homem, mas parecia que a raiva dele era incontrolável, e não conseguia fazer ele parar de bater, então gritei para os outros, que ajudaram a tira-lo de cima do homem morto, com muito custo conseguimos acalma-lo. Ele começou a chorar e a dizer:

-          Como alguém pode bater em uma mulher indefesa desse jeito?

-              Calma, Borislav eles são sem coração e não tem sentimento por ninguém. – tentei consola-lo.

 O que faríamos agora, eram homens do governo, era uma força que foi criada para causar arruaças e colocar a culpa nos insurgentes:

-              Vamos ver como esta a mulher e a criança? – examinando a mulher, que estava muito machucada, o seu rosto totalmente desfigurado por causa das pancadas que havia recebido constatei -  ela esta morta.

-              E a criança? – grita Lubomir.

-              Ela esta muito assustada, tem uns ferimentos, mas parece estar bem. – disse Gorki.

Nós nos desesperamos com um grande temor de nossas famílias sofrerem a conseqüências do que nós fizemos:

-              Estamos mortos, e nossas famílias destruídas, vão nos caçar com toda a força do exercito. - Disse Dragomir desesperado.

-              Não somos covardes, não podíamos deixar eles matarem essa mulher e essa criança. – disse Borislav.

-              Não deveríamos nem ter entrado. – disse Lubomir.

-              Mas você foi o primeiro a seguir Borislav e Amino? Questionou Dragomir.

-              Foi instinto, vontade de ajudar. -  Respondeu Lubomir.

-              Pessoal, não somos covardes, como poderíamos ouvir uma criança chorando e mulher gritando por socorro e ficarmos indiferentes? Temos caráter, dignidade e honra. - Falei.

-              Poderia ser a nossa esposa e filho, eles não tem consideração por ninguém, são uns sanguinários. – disse Borislav, chutando um dos homens.

-              Calma!Calma! – falei tentando tranqüiliza-los.

-              Agimos como homens, e agora o que vamos fazer? Um deles vai acordar e ai, o que será de nossa vida? – disse Dragomir.

-              Primeiro, vamos amarra-lo, para que ao acordar não reaja. - Disse Borislav.

Amarramos  o homem, e ficamos pensando o que iriamos fazer.

Dragomir se desespera:

-              Vamos ficar aqui esperando a guarda chegar e nos matar?

Tive uma idéia:

-              Se deixarmos esse homem vivo, ele vai atrás de nós e vai nos matar, e pior vão matar toda a nossa família. Sei que não somos assassinos, mas temos que proteger as nossas mulheres e filhos.

Gorki grita completamente indignado:

-              Vocês esta louco, eu não vou matar ninguém.

Tento fazer meus amigos raciocinar, respiro fundo:

-              Somos homens de bem, trabalhamos muito para sustentar a nossa família, e com certeza, não queríamos chegar em casa e ver nossa mulher morta junto com os nossos filhos. O que fizemos, não fizemos por que queríamos fazer, só agimos para ajudar alguém que precisava de ajuda, e não podíamos nos omitir. Essa mulher e o garoto não optaram em fazer mal a ninguém, estes homens sim, e com uma crueldade de dar ódio, sem misericórdia e amor. Cada um tem a sua escolha, quem planta colhe, escolheram viver na violência vão ter que morrer na violência, infelizmente quem vai ter que aplicar isso, vai ser nós.

Lubomir questiona:

-              E a nossa consciência perante Deus?

Borislav refuta:

-              E a nossa consciência perante Ele se não tivéssemos ajudado. Estaria melhor? Dormiria tranqüilo? Colocaria a cabeça no travesseiro sem ouvir o choro dessa criança e essa mulher pedindo socorro?

Lubomir responde:

-              Não.

-              Então, vamos agir ou não. Vamos esperar que a guarda chegue e nos mate? – questiona Dragomir praticamente concordando com o ato.

-              Vamos levar o corpo da mulher para fora, não vai dar para enterra-la deixamos ela no jardim em frente e vamos colocar fogo na casa, tem muitas casas que foram incendiadas e essa vai ser só mais uma.

-              E os homens? – questiona Borislav.

-              Vamos leva-los para a cozinha coloquem perto do fogão.

-              O que vamos fazer? – questiona Radomil.

-              Vamos abrir o gás e deixa-lo sair, peguem aquelas garrafas de bebidas e pedaços de pano. – ordenei.

-              E quanto ao garoto, também vamos deixa-lo lá fora. – diz Radomil.

-              Não, essa hora pai já deve estar morto, se deixarmos do lado de fora vai morrer, ou vai ser vendido ou vai para um reformatório. Vou leva-lo para minha casa. – disse.

O soldado acorda e olha para nós e começa a nos fazer ameaças horríveis:

-              Vocês vão morrer, quando nós sairmos daqui vamos achar vocês e vamos matar suas mulheres e pendura-los nos postes seus desgraçados.

Quando viu que estava na cozinha, perto do fogão e que tínhamos aberto o gás. Percebeu o que iríamos fazer, mudou de lobo voraz para ovelha dócil.

-              Por favor, não nos matem, não vamos fazer nada com vocês. -  Diz ele.

-              Você promete que não vai nos oportunar e nem nossa família? – questiona Radomil.

-              Claro que não, deixaremos vocês em paz. - Diz ele.

Pulo na frente de Radomil e olho em seus olhos e digo:

-              Não acredite nele, assim que sair daqui vai nos matar. Vamos embora.

Saímos da casa e colocamos o corpo da mulher no jardim, ensopei os panos com a bebida e coloquei nas bocas das garrafas, respirei fundo, acendi e joguei pela janela na cozinha. Foi uma grande explosão, toda a casa foi incendiada. Esse ato iria mudar a nossa vida, daquele momento em diante nunca mais teríamos a paz que tanto almejávamos.

Nós pegamos as armas daqueles homens caso precisássemos e saímos correndo com grande medo de alguém ter nos vistos. Quando estávamos saindo por uma das ruas Borislav percebe que vem uma patrulha da força internacional, ele grita para mudarmos de caminho, e saímos correndo pela outra rua. Neste momento a força internacional começa a nos perseguir, sentimos que é nosso fim, mas de repente eles voltam, e nos deixa fugir.

Nós continuamos o nosso caminho muito apreensivos desviando dos caminhos perigosos, quando conseguimos observar o nosso bairro a um sentimento de alivio parece que esta tudo bem. Mas, como vamos explicar aquela criança? Como os outros vão reagir ao contarmos o que fizemos?

 

próximo texto: Pai, o desepero


Autor: Antoni Di Vanella


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