Cultura e identidade nos italo-descendentes



CULTURA E IDENTIDADE NOS ITALO-DESCENDENTES

 

 

1. Delimitação do Tema e Problemática

 

 

Na região oeste do Paraná, muito recentemente colonizada (de forma geral, não mais do que cinqüenta anos), encontramos diversas formas de expressão cultural e identitária, geralmente trazidas pelos colonizadores gaúchos. Contudo, estes gaúchos, hoje paranaenses, diferem bastante entre si, na medida em que são descendentes de distintos povos europeus: são descendentes de alemães, italianos e poloneses, entre outros.

Embora possamos certamente afirmar que são todos brasileiros, sejam gaúchos ou paranaenses de nascimento, percebe-se que, no dia-a-dia, suas expressões culturais são bastante diferenciadas, fazendo com que todos ao seu redor possam identificá-los, não como brasileiros, mas como “alemães”,  “italianos” e “polacos”, ou seja, demonstrando claramente as identidades diferenciadas dos descendentes destes povos. Ao mesmo tempo, não se pode negar que muitas das atividades e expressões destas mesmas pessoas são compartilhadas, como o trabalho, a educação, e as atividades políticas, o que leva à questão: afinal, quem são essas pessoas? O que elas têm em comum? O que elas têm de particular?

Uma das formas de realizar esta identificação, entre as famílias de imigrantes italianos, é através da História Oral. Para alguns autores, a História Oral é um moderno recurso utilizado na elaboração de documentos, arquivamento e estudos referentes à experiência social de pessoas e grupos e ainda afirma que ela é sempre uma história do tempo presente e também reconhecida como história viva. Um dos objetivos deste método de resgate histórico é a formação de documentos por meio de registros eletrônicos que poderão ser utilizados e analisados a fim de favorecer estudos de identidade e memória cultural.

Desta forma, ela não somente oferece uma mudança do conceito de história, mas, mais do que isso, garante um sentido social à vida de depoentes, entrevistados e leitores, como meio de possibilitá-los a entender a seqüência histórica e fazer se sentirem parte do contexto  onde estão inseridos.

Utilizando esta forma de levantamento histórico, pode ser realizado, de forma mais segura e abrangente, o resgate da identidade das famílias de imigrantes italianos entrevistados na cidade de Cascavel e os fatores de influência sócio-cultural onde estes estão inseridos.

 

 

1.1. JUSTIFICATIVA

 

A importância desse trabalho é reconhecer o valor da cultura italiana dentro das famílias descendentes, através da comparação entre as diferentes gerações, verificando a importância da cultura desde os avós até os netos.  Através dessa comparação, será identificado, se os netos valorizam a cultura, e mantêm a tradição como seus pais e avós.

Através desta pesquisa, poderemos entender como as três gerações se consideram, italiano ítalo-brasileiro ou brasileiro, como a cultura italiana influencia na construção da identidade de cada individuo, na sua formação, educação, no meio familiar e social.

 

 

1.2. OBJETIVOS

1.2.1. Objetivo Geral

-Identificar o impacto da cultura italiana na formação da identidade;

 

 

1.2.2. Objetivos Específicos

-Verificar como as diferentes gerações sentem o peso da cultura italiana;
-Averiguar as mudanças através do tempo no que se refere á cultura italiana;

-Identificar a influência da cultura trazida pelos imigrantes no grupo ao qual as famílias de imigrantes italianos pertencem;

 


2. Fundamentação Teórica ou Revisão de Literatura

 

 

2.1. CONSTRUÇÃO DA HISTORIA DOS ÍTALO-DESCENDENTES

 

 

            Segundo Zanini (2004), na década de 70, vários imigrantes italianos deixaram seu país e se dirigiram à cidade de Santa Maria no Rio Grande do Sul. Vieram italianos de diferentes localidades e culturas que procuravam estar sempre unidos de seus conterrâneos, onde davam inicio a uma espécie de identidade coletiva. Ao adquirir terras, trabalhavam em família, na agricultura, possuíam boa alimentação, enfim, seguiam seus costumes italianos dentro do território brasileiro.

            Tinham grande motivação e expectativas com relação à vida no Brasil, devido aos modelos bem sucedidos de conterrâneos que colonizaram o Estado, no ano de 1925. Esses imigrantes, por meio das pregações religiosas, conquistaram a imagem de heróis, trabalhadores, apegados à família e a fé.

Com a 2º Guerra mundial, devido ao Brasil se aliar contra a Itália, Japão e Alemanha, os italianos passaram a ser vistos como inimigos, sofrendo inúmeras perseguições. Com isso, as famílias viveram um período de aprendizagem de como se relacionar com o mundo, se unindo e adotando os valores de seus antepassados o que acaba se tornando sagrado para essas famílias.

            Colbari (1997), ressalta que, várias pesquisas demonstram o legado cultural e político dos imigrantes italianos, como a dedicação exemplar ao trabalho, espírito de família, religiosidade e comunitarismo, evidenciando os modos de vida  desses antepassados, que permanecem até os dias de hoje, em seus descendentes.

            Assmar, (2000) acrescenta que por meio das premissas sócio culturais, construídas ao longo do tempo, são os principais valores, como o de serem uma raça pura, religiosa e unida, que se tornam sagrados e incontestáveis e que irão ter importante papel na construção da identidade.

 

2.2. IDENTIDADE

 

De acordo com Ciampa (2004) a primeira forma de identificação da identidade é o nome próprio, o qual nos é dado pelo primeiro grupo social do qual fazemos parte, a família. O primeiro nome nos diferencia, enquanto o sobrenome nos iguala aos nossos familiares. O sobrenome remete a outros iguais do mesmo grupo familiar, sendo assim, a pluralidade humana tem o duplo aspecto da igualdade e da diferença. (STREY, 1998).

A primeira noção de identidade é diferença e igualdade, que ocorre através dos sucessivos grupos sociais dos quais fazemos parte, pelo reconhecimento recíproco dos indivíduos de determinado grupo, que existe objetivamente, com sua história, tradições, normas e interesses, das relações travadas entre seus integrantes e com o meio onde vivem e atuam, trabalham, pensam e sentem (CIAMPA, 2004; SILVA, 2000).

Pluralidade implica também em unicidade, pois o individuo vai se igualando por totalidades conforme os vários grupos em que se insere, sem pressupor homogeneização. Ou seja, ao mesmo tempo em que se representa semelhante ao outro a partir da pertença a grupos, percebe sua unicidade a partir de sua diferença (STREY, 1998).

Embora eu seja uma totalidade, em cada momento manifesta-se parte de mim, como desdobramento das inúmeras determinações a que estou sujeito.(CIAMPA, 2004). Assim, as diversas configurações de identidade estão ligadas às diversas configurações de ordem social, e do contexto histórico e social no qual o homem vive que decorrem essas determinações.

Silva (2000) acrescenta que a identidade agrega reivindicações baseadas na natureza, no caso de versões da identidade étnica, na “raça” e nas relações de parentesco. Ela também está vinculada a condições sociais, materiais e simbólicas.

É através dos significados produzidos pelas representações que damos sentido à nossa experiência e ao que somos e ao que podemos nos tornar. Representação deve aqui ser entendida como um processo cultural que estabelece identidades individuais e coletivas. A cultura molda a identidade ao dar sentido à experiência e ao tornar possível optar por um modo específico de subjetividade (SILVA, 2000).

Strey (1998) complementa que estudar as representações sociais é buscar conhecer o modo de como um grupo humano constrói um conjunto de saberes que expressam a identidade de um grupo social, as representações formadas sobre uma diversidade de objetos, próximos e remotos e, principalmente, o conjunto dos códigos culturais que definem em determinado momento histórico as regras de uma comunidade.

As posições que assumimos e com as quais nos identificamos constituem nossa identidade. A subjetividade inclui as dimensões inconscientes do eu, implicando em contradições. Ela envolve nossos sentimentos e pensamentos mais pessoais, e a compreensão que temos de nosso eu (SILVA, 2000). Esses sentimentos estão envolvidos no processo de produção da identidade e do investimento pessoal que fazemos em posições específicas de identidade. A dimensão psíquica, juntamente com a simbólica e a social, contribui para a formação e manutenção da identidade. (CIAMPA, 2004; SILVA, 2000)

Deste modo a identidade é conseqüência das relações que se dão, anteriormente, assim como é uma condição das mesmas. A identidade, ou o “eu” é construído através da conversação de gestos nos grupo sociais, e supõe um eu que decide sobre o curso das ações e um “me” ou “mim” que envolve auto-estima e imagem de si próprio. (STREY, 1998)

Segundo Ciampa (2004), ao responder a pergunta “quem sou eu” temos uma representação da identidade. O autor ainda salienta que, se estabelecermos uma distinção entre o objeto de nossa representação e a sua representação, o resultado é que ambos se apresentam como fenômenos sociais, como objetos sem características de permanência, dependentes um do outro.

Não se pode isolar os elementos biológicos, psicológicos e sociais, que podem caracterizar um indivíduo e a representação desse indivíduo como uma duplicação mental ou simbólica, representante de sua identidade. Há uma interpenetração dos dois aspectos, de modo que a individualidade dada pressupõe um processo ulterior de representação que participa da constituição do representado. (CIAMPA, 2004)

Ciampa (2004) exemplifica a questão com o nascituro, que antes de nascer é representado como filho e essa representação prévia o constitui como “filho”, membro de uma família. Essa representação será assimilada pelo indivíduo, de modo que seu processo interno de representação é incorporado na sua objetividade social como membro daquela família.

Segundo Reis (2000), a representação é o lócus da estruturação da vida psíquica do indivíduo. A participação familiar age no exercício da subordinação ideológica, pois está presente desde o princípio da vida e é marcada por componentes emocionais estruturantes da personalidade dos indivíduos. “A família é o lugar onde se forma a estrutura psiquica e onde a experencia se caracteriza, em primeiro lugar por padrões emocionais” (Mark Pôster apud REIS,2004)

Segundo Strey (1998) o homem concreto se constitui a partir de um suporte biológico que lhe dá condições gerais de possibilidades e condições particulares de realidade. As características humanas historicamente desenvolvidas se encontram objetivadas nas relações sociais que cada individuo encontra, como formas históricas de individualidade, apropriadas através da mediação do outro.

O ser humano traz consigo determinados comportamentos inatos ligados a sua estrutura biológica. No entanto, no decorrer de seu desenvolvimento, é moldado pela atividade cultural daqueles com os quais se relaciona. Cada individuo, ao nascer, encontra um sistema social criado através de gerações e que é assimilado através das inter-relações sociais (STREY, 1998).

O contexto sócio-histórico resultante da ação humana que volta a se interiorizar modificado, num constante processo de articulação do individual e do social. Neste contexto em que o individuo vive que decorrem as possibilidades e impossibilidades, os modos e alternativas de sua identidade. (STREY, 1998) A identidade se configura como determinante, pois o individuo tem papel ativo na construção deste contexto, a partir de sua inserção e na sua apropriação. Assim, é possível compreender a identidade pessoal como ao mesmo tempo identidade social.

Os papéis sociais caracterizam a identidade do outro e o lugar no grupo social; O personagem enquanto representa um papel social, representa uma identidade coletiva a ele associada, construída e mediada através das relações sociais (STREY, 1998; LANE, 2004).

 

 

2.3. CULTURA, INDIVÍDUO E ATIVIDADE

 

O termo cultura pode ser definido como um conjunto de hábitos, instrumentos e objetos, tipos de relações interpessoais, regras sociais e instituições em um dado grupo (STREY, 1998). a tradição cultural se faz através de ações e interpretações das práticas cotidianas que são transmitidas através da história de um grupo.

De acordo com Strey (1998), a ação dos novos membros não é passiva mas participativa nas tarefas do grupo. Os novatos procuram se inserir e ter um papel na rede de atividades. A prática da cultura não se reduz a uma dimensão abstrata ou ao estudo de variáveis independentes. É necessário entender os processos no contexto da atividade grupal.

O autor ainda ressalta outro enfoque, envolvendo a relação individuo-cultura, a cultura na mente ou na narrativa dos atores culturais. Essa proposta supõe um conjunto de interpretações, ou as narrativas das atividades do sujeito no cotidiano, isto é, descrições sobre modos de pensar e agir que incluem ações, situações e intenções. Pode-se imaginar esse processo como uma descrição autobiográfica de vários atores.

Strey (1998) propõe a cultura na pessoa, considerada como agente intencional em atividade prática no seu grupo. O individuo cria e seleciona percursos de ação, podendo aceitar ou não a interferência de outrem. As relações interpessoais não revelam só comportamentos sem significado, mas intenções e ironias sobre a própria intenção, através de gestos significativos.

As pessoas se constituem em um sistema cultural dado previamente, formando uma rede de inter-relações, mas são sujeitos ativos e não constituídos passivamente pelo meio. Não são constituídos automaticamente pelo processo narrativo cultural estabelecido. Os sujeitos tomam posições fazendo novas interpretações: recebendo e construindo criativamente e coletivamente um processo cultural em determinada época cultural histórica (STREY, 1998).

O ser humano assimila a narrativa de sua cultura, que supõe uma diversidade de diálogos que incluem conformidade, contradição e discordância. Como salienta Strey (1998), viver em grupo já é difícil, mas o mais problemático é tentar conviver com grupos que têm diferentes normas de relações e de poderes.

Ao se estudar a vida social de populações de diferentes faixas etárias, é impossível ignorar os aspectos biológicos específicos das diferentes fases da vida, como é o caso da infância, da adolescência, da vida adulta e da velhice. Os valores culturais afetam a aquisição de conhecimentos e habilidades. Apesar do sujeito ser concebido como um produto da história e da cultura, é também um ser intencional e criativo, em constante transformação, e que, coletivamente, pode mudar o próprio processo cultural que o constitui. (STREY, 1998)

O autor complementa ainda, que, em países como o Brasil, existem inúmeras variações culturais. No entanto, existem valores, preferências e maneiras de comunicação que são comuns e perpassam as diferenças culturais internas.

 

 

2.4. FAMÍLIA

 

De acordo com Reis (2004), a importância da família no nível das relações sociais e no nível da vida emocional de seus membros não pode ser negada. É na família, mediadora entre o indivíduo e a sociedade, que aprendemos a perceber o mundo e a nos situarmos nele. É a formadora da nossa primeira identidade social. É o primeiro “nós”.

É impossível entender o grupo familiar sem considerá-la dentro da complexa trama social e histórica que o envolve. A família é uma instituição criada pelos homens em relação, para responder as necessidades sociais, sendo assim, possui uma representação que é socialmente elaborada e que orienta a conduta de seus membros (REIS, 2004).

A família constitui-se em torno de uma necessidade material, ou seja, a reprodução. Além disso, a família exerce uma função ideológica, já que ela promove sua própria reprodução social. É nela que os indivíduos são educados para que venham a continuar biológica e socialmente a estrutura familiar. Ela também ensina a seus membros como se comportar fora das relações familiares em toda e qualquer situação, sendo assim, formadora do cidadão. A família é o espaço social onde as gerações de defrontam mútua e diretamente, e onde os sexos definem seus papeis e relações de poder. (REIS, 2004)

 

 

2.5. HISTÓRIA ORAL: CONCEITOS E DEFINIÇÕES POSSÍVEIS

 

Segundo (Meihy, 2000), um dos objetivos da história oral é a formação de documentos por meio de registros eletrônicos que poderão ser utilizados e analisados a fim de favorecer estudos de identidade e memória cultural. Esta é uma prática de apreensão de narrativas realizadas através de meios eletrônicos visando recolher testemunhos, promover análises de processos sociais do presente e facilitar o conhecimento do meio imediato.

A História Oral respeita as diferenças e facilita a compreensão das identidades e dos processos de suas construções narrativas. Nela, todos os personagens são históricos e o cotidiano e os grandes fatos ganham equiparação ao passo em que se unem para garantir a lógica da vida coletiva. Ela ainda é necessária pelo fato de se fundamentar no direito da participação social e assim, liga-se ao direito da cidadania. Em qualquer segmento da vida social, seja ela individual ou em grupos, despontam diversas investidas que se completam com registros de experiências familiares, institucionais, de indivíduos comuns ou célebres.

Existe ainda um outro ponto de destaque dentro da discussão sobre a história oral é a sua validade científica. Essa discussão pode ser aliviada ao passo que o processo criativo atuar desde a concepção do projeto até sua elaboração. A objetividade neste tipo de atividade é a mesma que é cobrada de um documento escrito, pois limitações idênticas permeiam a produção de documentos oficiais e é preciso ter sempre claro o que buscar nas entrevistas, se é informação ou impressão dos indivíduos sobre eventos do passado.

 

 

2.6 MEMÓRIA E IDENTIDADE: PERSPECTIVAS PARA A HISTÓRIA

 

São elementos participantes na memória e na identidade: o movimento como estrutura simbólica da cultura, o tempo como força de corrosão e o espaço como local da experiência de rememorização. Então, o processo de conscientização da experiência através da rememorização apresenta-se como ponto-chave da contemporaneidade, do que pode-se chamar de identidade.

Entretanto a cultura caracteriza-se por experiências consistentes, construídas no tempo passado facilmente localizável, possui contextualidade e é possível sua atualização histórica e sua consistência é maior que a da lembrança. Os elementos que constituem a cultura podem ser coletivos ou individuais, tem capacidade de criar canais de comunicação para a consciência histórica e cultural, já que pode abranger de forma total do passado num determinado corte temporal.

A cultura está ligada de forma estreita às tradições familiares e grupos com suas principais características. Representa, nesse nível, a possibilidade de socialização, garantindo assim, a continuidade e identidade daquelas tradições. Assume ainda a memória as funções de diferenciação e integração, controle político-ideológico e de identificação cultural. Dentro da metodização, estão expostas as possibilidades de a cultura ser fonte de experiência, de sentido, de comunicação, de continuidade/ruptura, de identidade (Diehl, 2002). 

 


3. METODO

 

3.1. PARTICIPANTES

 

Foram entrevistadas 12 pessoas de descendência Italiana pertencentes a três gerações: primeira, avós, segunda geração: pais, e a terceira geração abrange os filhos. As idades da primeira geração variam entre 67 e 87 anos,;da segunda geração entre 38 e 49 anos; e da terceira geração entre 16 e 24 anos. Duas destas famílias eram compostas por 3 mulheres cada uma, sendo que as outras duas famílias eram compostas por 3 homens cada. Todos os participantes residem na cidade de Cascavel, Paraná e foram escolhidos por conveniência.

3.2. INSTRUMENTOS

 

Para a realização da entrevista utilizou-se um questionário semi-estruturado contendo 22 questões. Tais questões tinham por objetivo verificar se a cultura italiana foi transmitida de uma geração para outra. Para isso, as questões abrangeram os seguintes temas: educação, religião, a importância da cultura na vida de cada um, alimentação, os vínculos com a família, o questionário a ser analisado no Apêndice.

Outro instrumento utilizado foi o gravador.



3.3. PROCEDIMENTOS E COLETA DE DADOS

 

Primeiramente foram elaboradas as perguntas dos questionários. Em um segundo momento foi decidido quem seria os participantes. Cada pesquisador, no caso dois, ficou responsável pela entrevista de duas famílias. Os questionários foram aplicados individualmente em ordem decrescente da primeira para a terceira geração, primeiramente avós, depois pais e por fim os filhos.
Para cada participante foi explicado qual era o objetivo das perguntas, que focalizava na descendência italiana. O participante foi enfatizado que sua participação seria voluntária e a entrevista gravada.

 

3.4. PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE DE DADOS

 

As entrevistas foram transcritas, e realizavam um esboço de “analise de conteúdo” Segundo BARDIN (2004, P.36), “a análise de conteudo é uma correspondência entre as estruturas semânticas ou lingüísticas e as estruturas psicológicas ou sociológicas ( por exemplo: condutas, ideológicas e atitude) dos enunciados”. Agrupando os principais recorrentes na entrevista, primeiro por geração e segundo por família.

 

 

 

4. RESULTADOS E ANÁLISE

 

 

 

Por meio das entrevistas realizadas, foram feitas análises de comparação, evidenciando as diferenças percebidas entre as gerações, ressaltando as características mais comuns encontradas nas famílias em geral, identificando, principalmente a identidade e a cultura, no meio familiar e social.

 

 

4.1. GRUPO FAMILIAR

 

Nota-se uma grande contradição por parte das gerações, pois, da mesma maneira que os avós se consideram “gente boa”, seus filhos e netos apontam, nos mesmos, características como racismo, machismo e nervosismo.

Reis (2004) afirma que é na família que os indivíduos são educados para que venham a continuar biológica e socialmente a estrutura familiar. Assim pode-se notar a diferença, nos momentos em que os avós relatam a educação rigorosa recebida por seus pais. Desde pequenos, tinham que ter responsabilidades, trabalhar, e cuidar dos irmãos mais novos. Em uma geração onde o respeito pelos mais velhos prevalecia, acompanhado pelo “medo” que possuíam dos pais, medo que se torna evidente quando citam “nós é que tínhamos que ter cuidado com eles”, ou seja, o respeito era conquistado através do medo imposto pelos mais velhos.

Tinham de obedecer às ordens ditadas pelos pais, que mandavam só uma vez. Os filhos reconheciam, apenas no olhar, que não deviam esperar pela segunda ordem. Quando os mesmos não obedeciam, ou não faziam o que havia sido mandado de imediato, eram castigados “a custa de varadas”, ou seja, apanhavam para aprender. Esse era o modo de educar, os filhos naquela época, eram submissos, abaixavam a cabeça e acatavam tudo o que os pais diziam, sem questionar. Desse modo a família é o espaço social onde as gerações se defrontam mútua e diretamente, e onde os sexos definem seus papéis e relações de poder (REIS, 2004).

Essa educação foi transmitida para os filhos ainda que de modo amenizado, pois tinham os filhos suas responsabilidades, mas mantinham uma relação um pouco mais amigável com os pais. É destacado que as características rígidas permaneceram mais nas mulheres, que tratavam as filhas com mais autoridade. Já os homens se mostram mais carinhosos e atenciosos.

No entanto, a grande diferença está mesmo na educação recebida pelos netos. Que mudou ao longo dos anos, mudança radical, comparada ao tempo dos avós. Hoje, os pais são protetores e liberais, mantém um diálogo aberto, muito companheirismo e amizade, tanto pais e filhos como avos e netos. Ou seja, com o tempo, até os mais velhos mudaram seu jeito de ser. Antigamente eram mais fechados, hoje são amigos de seus filhos e netos, assumindo até mesmo o papel de protetores. Percebe-se aí uma mudança na identidade, tanto por parte dos avós, quanto para os pais, que passam a assumir uma nova postura. No decorrer de seu desenvolvimento, os comportamentos do ser humano são moldados pela atividade cultural daqueles com os quais se relaciona (STREY, 1998).

            Os mais velhos ressaltam os pontos negativos na educação moderna, pois do mesmo modo que melhorou em relação à amizade e dialogo entre pais, filhos e netos, essa educação “liberal” prejudicou a criação e desenvolvimento das crianças. A maioria já não tem respeito pelos mais velhos e nem se quer obedecem.  No entanto, os avós colocam a culpa em seus filhos, por não imporem os devidos limites, ou ate mesmo por não terem tempo para os filhos, acabam dando essa atenção por meio de presentes. Isto é muito diferente dos tempos dos pais e avos, que mesmo os pais não tendo tempo de dar atenção para os filhos, jamais teriam uma atitude como essa. A característica marcante, naquele tempo era a autoridade, que vinha em primeiro lugar.

            Tanto os avós quanto os pais, reconhecem que antigamente havia mais dificuldades, que tinham que trabalhar e cuidar dos irmãos mais novos, não havia tecnologia, e tudo era muito mais difícil. O estudo era mais valorizado, quem estudava até a quinta serie, era considerado culto, e podia ser professor. Hoje o estudo é mais acessível, mas ter o segundo grau completo significa muito pouco comparado à antigamente. Relatam, também, que mesmo com todas essas dificuldades, aquela época era mais calma, boa de viver, não havia essa correria cotidiana que existe na atualidade.

 

 

 

 

4.2. ATIVIDADE

 

A cultura italiana é preservada em todas as famílias, mas, quem sempre seguiu a tradição foram os avos, desde pequenos. Segundo Stray (1998), a tradição cultural se faz através de ações e interpretações nas práticas cotidianas que são transmitidas através da história de um grupo. A maioria dos idosos entrevistados são filhos de imigrantes que vieram da Itália, ou mesmo netos de imigrantes. Portanto, tiveram um convívio com pais e avós italianos, ouvindo músicas, vendo danças e até mesmo aprendendo a linguagem, seguindo a religião católica de seus antepassados, que permanece, na atualidade, seguida por praticamente todos seus descendentes..

Zanini (2004), afirma que os italianos trabalhavam em família, na agricultura, e possuíam boa alimentação. Isso pode ser percebido, diante do trabalho no tempo dos avós. O trabalho no campo era muito valorizado, plantavam a uva e produziam o vinho. Criavam gado, plantavam praticamente todos seus alimentos, produziam suas comidas típicas e iam aos bailes, que começavam e acabavam cedo.

Quando criança, não tinham muito tempo para atividades de lazer, mas das poucas destacam o estilingue, armas de espoleta, caçar passarinho. As meninas confeccionavam suas bonecas feitas de espiga de milho, abusavam da imaginação.

Os filhos tinham um lazer muito semelhante ao dos pais, onde brincavam sempre em contato com a natureza, colhendo as frutas, subindo nas árvores, confeccionando as bonecas. Já as brincadeiras dos netos são completamente diferentes das dos pais e avós. Poucos tiveram a infância ligada à natureza, somente um dos entrevistados. Tiveram a infância voltada a era da tecnologia, computador e vídeo-game, as bonecas já não são de milho nem de pano e sim as famosas barbies, para as quais confeccionavam, no máximo, as roupinhas.

Hoje a tecnologia está presente na vida de todos, inclusive na dos mais velhos, que adoram a televisão. Mas os idosos também gostam de fazer caminhadas, jogos musica, dança. O lazer das gerações hoje é semelhante, a grande maioria tem os mesmos gostos, tanto pela internet quanto para os passeios e viagens.

Strey (1998) diz que ao se estudar a vida social de populações de diferentes faixas etárias é impossível ignorar os aspectos biológicos específicos das diferentes fases da vida, como é o caso da infância, da adolescência, da vida adulta e da velhice.  Os pais e avós quando jovens tinham de trabalhar, hoje todos os netos, mesmo os maiores de vinte anos, estão estudando, e apenas um trabalha, mas estuda também. O estudo era escasso no tempo dos mais velhos, portanto se ocupavam do trabalho na lavoura ou na tarefa de cuidar dos irmãos menores. Os meios de transporte aquele tempo, consistia em andar a pé ou a cavalo para ir à escola, ou qualquer outro lugar.

Todos valorizam a cultura italiana com orgulho, considerando importante tanto na educação quanto na alimentação. Mas poucos são os que se vêem como italianos, pois todos nasceram, cresceram e vivem no Brasil, assim se consideram mais brasileiros do que italianos.

 

 

 

4.3. RELAÇÕES SOCIAIS

 

Um outro ponto interessante é que os descendentes de origem italiana antigamente produziam seus alimentos e compartilhavam com os vizinhos. Mantendo, assim um convívio social cotidiano. Já era certo costume, se unir junto da vizinhança e comer juntos. Zanini (2004) afirma que os italianos procuravam estar sempre unidos com seus conterrâneos, onde davam inicio a uma espécie de identidade coletiva.

A alimentação se tornou uma característica muito marcante, que predomina até nos dias de hoje. Os diversos pratos vindos da Itália são muito apreciados nas famílias. Os desentendes seguem grande parte da alimentação, se reúnem com os mais velhos para fazer os pratos, e até mesmo quando saem para comer fora, acabam optando por restaurantes italianos.

Nos tempos dos avós, eram eles mesmos que faziam os alimentos, utilizando o fogão à lenha. Tudo que era trazido da roça, cultivada por eles mesmos, assim produziam o famoso brodo, polenta, omelete, macarronada, queijo, salame, tortei, lazanha entre outros.  Era tudo produzido por eles, desde a farinha para fazer o pão, até a uva utilizada na produção do vinho. Criavam gado, galinhas, e porcos, e sempre que matavam algum animal, reuniam-se com os vizinhos para festejar.

Colbari (1997) afirma que várias pesquisas demonstram o legado cultural e político dos imigrantes italianos. Dedicação exemplar ao trabalho, espírito de família, religiosidade e comunitarismo permanece ainda hoje, em seus descendentes, que se consideram um povo muito unido e ressaltam que na atualidade, as pessoas estão ficando cada vez mais individualistas. Antes, todos se preocupavam com o próximo, e procuravam ajudar. Acreditam que hoje, houveram diversas mudanças de valores, e que hà muito egoísmo em todos os sentidos.

De acordo com (Strey, 1998) a tradição cultural se faz através de ações e interpretações nas práticas cotidianas que são transmitidas através da história de um grupo. Como já foi mencionada, a religião também, sempre foi muito valorizada, nas famílias entrevistadas. A religião foi seguida pelos italianos, desde seus antepassados que viviam na Itália, e hoje, a maioria freqüenta e participa de atividades religiosas.

Exetua-se apenas de um membro de uma família, que não seguiu o catolicismo, pois morou afastado família por muito tempo, possivelmente não tendo muito convívio familiar, não sofrendo influências na escolha da religião. Observa-se, também, que a religiosidade se faz mais importante na vida dos mais velhos, que se entusiasmam mais ao falar da vida religiosa.

Dentre as grandes mudanças ocorridas ao longo das gerações, está também o namoro, antigamente era uma decisão muito seria e quando acontecia, tinha de ser na presença dos pais. Não era permitido beijo e, quando um namoro era rompido, a moça dificilmente encontrava outro partido, pois esse fato estragava sua reputação.

 

 

 

 

 

4.4. OUTRAS CARACTERÍSTICAS

 

Zanini (2004) afirma que os piorneiros italianos conquistaram imagem de heróis, trabalhadores, apegados à família e a fé. Com base em nossas entrevistas, pode-se identificar que os membros das famílias de origem italiana consideram-se uma raça pura, inteligente, religiosa, unida e verdadeira. Dentre as principais características relatadas, dizem que falam alto, gesticulando, são agitados e sinceros.

Uma outra comparação está nos gostos musicais, que variaram ao longo dos anos. No tempo dos avós, o que predominava no momento era o sertanejo E como ídolos notáveis em basicamente todos os jovens da época se destaca Tunico e Tinoco. Com o tempo foram substituídos pela tão famosa música eletrônica dos dias de hoje.

Outra questão importante a ser mencionada é o fato de praticamente todos terem seguido a profissão dos pais, ou seja, a família teve influência até mesmo nas escolhas profissionais. Na família nº1, o filho seguiu a carreira de engenharia agrícola, relacionada à agricultura, trabalho do pai que também seguiu a carreira de fotografo, mas seu desejo era engenharia civil, seguida pelo filho, que na verdade gosta da agricultura como o avô. Na família nº2, a avó sonhava em ser professora e sua filha seguiu a carreira de professora. Na família nº4, o filho seguiu a carreira de dentista, como o pai.

 

 

 

5. CONCLUSÂO

 

Ao término deste trabalho, foi possível concluir que o objetivo maior foi alcançado. Por meio das entrevistas realizadas e analisadas, pode-se verificar o importante papel que a cultura italiana tem na construção da identidade de cada indivíduo. Assim, a cultura italiana, juntamente com o meio familiar, tem grande contribuição na formação dessa identidade.

A família, sendo a primeira base de identificação e contato social de cada pessoa, é responsável pela primeira noção de identidade. O indivíduo sofre influência do ambiente familiar no seu modo de ser, de acordo com a educação recebida pelos pais. Essa educação é moldada ao longo do tempo, juntamente com atividade cultural. Cada indivíduo possui suas características pessoais, com semelhanças e diferenças entre seus familiares ou gerações, o que o torna único em seu jeito de ser, influencia e é influenciado pela cultura.

Essa cultura é transmitida, dentro da história familiar de cada grupo. Desenvolve-se, e ao mesmo tempo em que é modificada, é também preservada e seguida pelas gerações.  Pode-se observar grandes mudanças do decorrer das gerações, sendo na educação, nos costumes, atividades, relacionamentos, e lazer. No entanto, nota-se que muita coisa da cultura ainda predomina dentro dessas famílias, como a religiosidade, as comidas típicas, costumes, e principalmente a imagem de que o italiano é um povo unido, religioso e trabalhador.

Nota-se, também, que mesmo idealizando a origem italiana, e seguindo muito da cultura, a grande maioria dos membros das famílias entrevistadas, se vêem como brasileiros ou ítalo-brasileiros, pois nasceram e foram criados no Brasil. Embora sintam orgulho de suas origens, tiveram influência da cultura brasileira em seu desenvolvimento, realizando uma fusão entre as diferentes culturas, dando origem a uma nova identidade.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

 

ASSMAR, Eveline Maria Leal et al . Premissas histórico-socioculturais sobre a família brasileira em função do sexo e da idade. Psicologia: Reflexão e Critica.  Porto Alegre,  v. 13,  n. 1,  2000. Disponível em:

. Acesso em: 23  Outubro  2006 às 18:30 horas

 

BARDIN, Laurence: Análise de Conteúdo. Lisboa/Portugal (2004).

 

COLBARI, Antonia. Familismo e Ética do Trabalho: O Legado dos Imigrantes Italianos para a Cultura Brasileira. Revista brasileira de história.,  São Paulo,  v. 17,  n. 34,  1997.  Disponível em:

. Acesso em: 23 de Outubro de 2006 às 19 horas.

 

DIEHL, Astor Antônio. Memória e Identidade: perspectiva para a história. In: Usos de Memórias: politica, educação e identidade. João Carlos Tedesco (org). Passo Fundo: UPF, 2002.

 

LANE, S. T. M.; GODO, W. (orgs): Psicologia social: o homem em movimento. São Paulo, SP: Brasiliense, 2001.

 

MEIHY,J. C. S. B. Manual de História Oral. 3. ed. São Paulo: Loyola, 2000.

 

SILVA, T. T. da (org): Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.

 

STREY, M. N.: ET ALs: Psicologia social contemporânea: livro texto. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998.

 


ANEXOS


ANEXO A

Roteiro da entrevista semi-estruturada

 

Nome:

Idade:

Estado civil:

Geração (se é pai, avo ou filho):

 

- Caracterize a cultura italiana, o jeito italiano.

- Onde você foi criado?

- Seus pais, eram conservadores, tradicionalistas? (valorizavam muito a cultura italiana)

- Como é sua relação com seus pais? (tiveram muito cuidado com você, ou não)

- O que você gostava de fazer quando criança, da cultura italiana?

- Suas escolhas profissionais têm haver com as de seu pai?

- Qual é sua religião? (a mesma seguida por seus pais)

- Qual a importância da cultura italiana na sua vida hoje?

- Você se vê como? (italiano, brasileiro, ou ítalo-brasileiro)

- Quais as diferenças da sua época para a de hoje?

- E as diferenças na relação pai-filho?

- O quanto é importante pra você essa relação?

- Você se acha (psicologicamente) parecido ou diferente com seus pais/ avos?

- Quais são as grandes diferenças?

- Gosta de ser descendeste italiano? Por que?

- E a alimentação italiana predomina em sua família?

- Quais os principais elos (vínculos) familiares entre vocês?

- O que te torna diferente, único?

- Quando jovem, quais seus ídolos?

- Qual seu lazer? O que mais gosta de fazer?

- E trabalho?

- Fale um pouco mais sobre seu relacionamento com seu pai/ filho/ avô.

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Autor: Samanta Meira Almeida


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