Discutindo os institutos da falência e da recuperação judicial



1 Breve histórico

Primeiramente, importante se faz, aludir à história dos institutos jurídicos ora abordados, considerando que a recuperação de empresas exequíveis e a falência das inexequíveis resultam de um longo processo temporal relacionando as ciências jurídicas e o sistema de produção determinante das atividades econômicas e empresariais.

Por isso, segundo Fazzio Júnior (2010, p. 616), encetar uma viagem retrospectiva do direito concursal implica reconhecer a ocorrência de quatro fases distintas, onde predominam, respectivamente: - o direito concursal como regulador da execução dos bens do devedor; - a judicialização da execução concursal; - o caráter preventivo do estado de liquidação; e a recuperação da empresa em crise.

Ainda segundo o autor supramencionado, no direito romano arcaico, a execução incidia sobre a pessoa do devedor, do que é exemplo significativo a manus injectio, que autorizava ao credor manter o devedor em cárcere privado ou escravizá-lo. Desse instituto draconiano, o regime executório passou para o sistema da constrição patrimonial com a lei Paetelia Papiria, que admitia a execução forçada das condenações em dinheiro por meio da venditio bonorum.

Por outro lado, deve-se destacar também que, foi no direito romano tardio que nasceram as primeiras normas que orientavam a administração da massa. Nesta fase está a gênese da assembleia de credores, a classificação dos créditos, a renovação dos atos fraudulentos do devedor, e em especial a regra da par conditio omnium creditorum.

 Deve-se considerar deveras importante, o discorrido por Fazzio Júnior, mas também discutidos outros renomados autores, que o “instituto da falência vem dos estatutos das corporações medievais, restringindo o caráter privado da execução, embora isso não signifique a emancipação física do devedor. É certo que num estatuto da cidade de Verona (Itália), no início do século XIII, foram esboçados as primeiras regras que vieram a constituir essa execução patrimonial especial.

Com base no parágrafo anterior, e discorrido pelo mesmo autor, a regulação do concurso creditício até a idade média: não era privativa dos mercadores; tinha caráter penal; passou gradualmente da execução pessoal à constrição patrimonial; e trouxe ao mundo jurídico as primeiras acordanças da liquidação.

Por fim, deve-se lembrar das Ordenações Filipinas no século XVII e do Alvará Real de Lisboa em 1756, este estabeleceu um processo peculiar para os negociantes falidos, aquelas tratavam das quebras dos mercadores.

 2 Conceito

Falência, nada mais é, que um processo de execução coletiva contra o devedor insolvente. De acordo com Coelho (2009, p. 288) a falência é a execução concursal do devedor comerciante. Para Zanoti, falência é a constatação jurídica de inviabilidade da empresa que enfrenta dificuldades profundas e permanentes de fluxo de caixa.

 

Para melhor detalhar, pode-se dizer que a falência engloba o recolhimento dos bens da pessoa jurídica falida para o juízo universal da falência.

Segundo Mamede (2010, p. 212), falência é o procedimento pelo qual se declara a insolvência empresarial e se dá solução a mesma, liquidando o patrimônio ativo e saldando, nos limites da força deste, o patrimônio passivo do falido.

A decretação de falência está voltada para a venda forçada, determinada pelo juízo competente, com o intuito de pagar proporcionalmente os direitos dos credores.

Pode-se dizer, e isso é latente na doutrina brasileira, inclusive Fábio Ulhoa Coelho, que o processo de falência possui três momentos/fases. O primeiro é o pedido de falência, compreendido por alguns autores, como etapa pré-falencial, esse momento inicia-se na petição inicial, concluindo-se com a sentença declaratória de falência. O segundo momento, é a fase falencial de fato, pois esta fase tem início com a sentença declaratória da falência, concluindo-se com o encerramento da falência, esta fase é importante por que tem como objetivo dá conhecimento judicial do ativo e passivo do devedor, buscando ainda, a realização do ativo apurado, e o pagamento do passivo admitido.

O terceiro e último momento, é a reabilitação, essa fase tem a ver com a declaração da extinção das responsabilidades civis do devedor falido.

Antes de adentrar à recuperação judicial, é importante dizer que o processo judiciário de falência deve, necessariamente, atender aos princípios da celeridade e da economia processual, sendo este posicionamento de entendimento geral na doutrina brasileira, destaca-se: Fábio Ulhoa Coelho, Waldo Fazzio Júnior, Gladston Mamede.

A recuperação judicial, para Zanoti, é uma das alternativas de que dispõe a empresa para superar as razões que culminaram com a sua crise econômico-financeira. O processo de recuperação judicial é coordenado pelo Poder Judiciário, como forma de preservar a unidade produtiva, a geração de empregos, os direitos dos credores, o incremento das atividades econômicas, o bem-estar da sociedade e a sua função social. Vale dizer que a visão de Zanoti está completamente baseada na lei de falência e recuperação judicial.

Fazzio Júnior (2010, p. 153-154), deixa claro que não é intenção do legislador burocratizar a recuperação empresarial, mas garantir que ela seja transparente, lícita e economicamente eficaz, sem prejuízo dos direitos sociais individuais que extrapolam a esfera dos interesses envolvidos.

A recuperação judicial é importante instituto de estudos e análises do direito empresarial brasileiro, não deixando de esquecer, claro, que essa temática é fonte de pesquisas de diversos doutrinadores.

Na visão de Mamede (2010, p. 119) a recuperação judicial é instituto, medida e procedimento que se refere apenas em favor de empresas, ou seja, que somente pode ser requerida por empresários ou sociedades empresárias.

A recuperação extrajudicial é, segundo Zanoti, o momento que a empresa insolvente convoca os seus credores para assembleia extraordinária e fornece-lhes peças contábeis e financeiras que tenham o condão de revelar a sua condição de insolvência momentânea. A empresa apresenta-lhes um plano de recuperação que tenha por objeto a restauração de sua capacidade econômico-financeira de continuar produzindo ou vendendo bens e serviços, que se aprovado é encaminhado ao Poder Judiciário. A este compete tão somente a tarefa de homologar os acordos que forem entabulados entre o devedor com parte ou a totalidade dos credores.

  3 Finalidade

 Conforme a lei nº 11.101 de 9 de fevereiro de 2005 que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, em seu artigo 47 tem o seguinte: a recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

No artigo 48, que também trata de recuperação judicial, o texto diz que poderá requerer recuperação judicial o devedor que, no momento do pedido, exerça regularmente suas atividades há mais de 2 (dois) anos e que atenda aos seguintes requisitos, cumulativamente: não ser falido e, se o foi, estejam declaradas extintas, por sentença transitada em julgado, as responsabilidades daí decorrentes; não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial; não ter, há menos de 8 (oito) anos, obtido concessão de recuperação judicial com base no plano especial de que trata a seção v deste capítulo; não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes previstos nesta Lei.

Importante de se faz lembrar, ainda de acordo com a lei supracitada, que a recuperação judicial também poderá ser requerida pelo cônjuge sobrevivente, herdeiros do devedor, inventariante ou sócio remanescente. É bom lembrar, que a recuperação judicial é inaplicável aos titulares de créditos tributários, trabalhistas ou decorrentes de acidente de trabalho.

Antes de falar de falência, chama-se a atenção para o instituto da recuperação extrajudicial, pois este instituto, visa que o devedor, antes de adentrar ao processo de recuperação judicial, faça uma tentativa de recuperação diretamente com seus credores, afim de solucionar todas as demandas por eles levantadas no âmbito desse negócio extrajudicial. Isso significa dizer, que o devedor deve está de acordo com os requisitos da lei para propor e negociar o plano de recuperação extrajudicial junto aos seus credores. O plano não pode contemplar o pagamento antecipado de dívidas nem tratamento desfavorável aos credores que a ele não estejam sujeitos.

O artigo 75 da lei de falência e recuperação judicial, é claro ao dizer que a falência, ao promover o afastamento do devedor de suas atividades, visa a preservar e otimizar a utilização produtiva dos bens, ativos e recursos produtivos, inclusive os intangíveis, da empresa.

Os princípios de celeridade e de economia processual, devem, necessariamente, está presentes no processo de falência.

 4 Características

Quanto à falência: aplica-se somente ao devedor comerciante; quem decreta é o juiz; depende do devedor ou do pedido de um ou mais credores, o juiz tem que ser provocado conforme o princípio da inércia do judiciário; compreende todo o patrimônio disponível do devedor (ativo e passivo); todas as ações e execuções individuais dos credores contra o devedor são suspensas; instaura-se um juízo universal ao qual devem concorrer todos os credores (comerciais e cíveis - juízo singular quando cada credor aciona em juízo para receber o débito).

Resume-se: requerimento de falência; decretação judicial; arrecadação do ativo; habilitação dos credores; verificação e classificação dos créditos; liquidação do ativo; pagamento do passivo; encerramento.

Quanto à recuperação extrajudicial: sujeitos aos efeitos estão somente os credores que concordarem com o plano e recuperação; os demais credores terão o papel de fiscais; a adesão ao plano de recuperação extrajudicial é facultativo; os não aderentes não se sujeitam aos efeitos do plano; o empresário que pretende pedir a recuperação extrajudicial deve estar em plena atividade há mais de dois anos, estando escrito, claro, no Registro de Empresas; pela impossibilidade de negociação, não podem integrar o plano de recuperação extrajudicial créditos de natureza tributária, pois isso seria possível somente através de lei; no mesmo sentido, os créditos derivados da legislação trabalhista como a relação empregatícia de acidente de trabalho, salários, férias e indenizações por rescisão do contrato de trabalho, etc; os proprietários fiduciários, arrendadores mercantis, vendedores ou promitentes vendedores de imóveis por contrato irrevogável e vendedor titular de reserva de domínio não se submetem aos efeitos da recuperação extrajudicial, contudo, não estão impedidos de renegociarem.

Quanto à recuperação judicial, recorre-se novamente ao artigo 48, que ao tratar do assunto em voga, diz que poderá requerer recuperação judicial o devedor que, no momento do pedido, exerça regularmente suas atividades há mais de 2 (dois) anos e que atenda aos seguintes requisitos, cumulativamente: não ser falido e, se o foi, estejam declaradas extintas, por sentença transitada em julgado, as responsabilidades daí decorrentes; não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial; não ter, há menos de 8 (oito) anos, obtido concessão de recuperação judicial...; não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes previstos nesta Lei.

5 Considerações finais

Necessário é, que, o processo de recuperação judicial seja conhecido pelo Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins, e este conhecimento deve ser feito através de comunicado do juízo competente. Nesse caso, é responsabilidade da Junta Comercial tomar nota do prontuário e do cadastro, não podendo a empresa cancelar o seu registro.

Segundo o artigo 69 da lei 11.101/2005, deverá ser acrescida, ao final do nome empresarial, a expressão “em Recuperação Judicial”, para que fique claro a todos, credores, devedores, clientes, fornecedores, etc., o momento que a empresa atravessa.

Quanto à decretação de falência, o juízo competente deve comunicar ao Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins. Outra coisa importante no processo de falência, é que nenhum ato pode ser arquivado sem expressa autorização judicial.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm

Acesso em: 16/05/2012

COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial. São Paulo: Saraiva, 2009.

FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas.

São Paulo: Atlas, 2005.

 FAZZIO JUNIOR, Waldo. Manual de direito comercial. São Paulo: Atlas, 2010.

 MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: falência e recuperação judicial de empresas. São Paulo: Atlas, 2010.

 ZANOTI, Luiz Antonio Ramalho; ZANOTI, André Luiz Depes. A preservação da empresa sob o enfoque da nova lei de falência e de recuperação de empresas. In: Hórus – Revista de Humanidades e Ciências Sociais Aplicadas, da Faculdade Estácio de Sá.

 CONSULTA SUPLEMENTAR

 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988).

Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm

Acesso em: 12/05/2012

_______. Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil.

Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm

Acesso em: 12/05/2012

_______. Lei 5.869 de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil.

Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5869.htm

Acesso em: 12/05/2012


Autor: Ney Silva


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