ICMS e Guerra Fiscal: A resolução nº 13 do senado federal



Bruno Ladeira Junqueira

ICMS e Guerra Fiscal: A Resolução nº 13 do Senado Federal 

1.       Introdução

Não é novidade que os Estados da Federação, ao arrepio dos ditames constitucionais de cooperação e convivência harmônica, travam homérica batalha pelo produto da arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, o ICMS.

Espanta-nos, entretanto, o fato de os Estados utilizarem, neste prélio, de expedientes sorrateiros e vedados pelo ordenamento jurídico, tais como concessão de créditos presumidos e benefícios unilaterais.

É possível que o presente contexto de arrecadação do ICMS reflita a verdadeira situação de insegurança do contribuinte, que se vê desamparado em meio aos ataques e retaliações perpetrados pelos Estados-Membros.

Assim, se o Judiciário não foi inteiramente capaz de serenar a sede arrecadatória destes entes federativos, tenta, agora, o Legislativo intervir na conjuntura do ICMS, ao menos no que toca aos produtos importados, com a publicação da Resolução nº. 13, de 2012.

2.       A Guerra Fiscal dos Portos e a Resolução nº. 13

Fato é que uma das grandes vertentes da guerra fiscal do ICMS tem sido a disputa pelo imposto incidente nas operações de importação.

Isto porque, na medida em que os Estados importadores sejam aqueles que possuam instalações portuárias, e, portanto, beneficiados pela natureza, tem entendido a jurisprudência pátria que o ICMS incidente na operação de Importação caberá ao Estado em que estiver localizado o destinatário jurídico da mercadoria, assim, entendido, o efetivo importador[1].

Ou seja, ainda que a Importação seja realizada pelo Estado do Espírito Santo, o imposto será devido para o local do estabelecimento do importador, por exemplo, em Minas Gerais.

Paralelamente a esta questão, os Estados portuários, em combate privado entre si, a chamada “guerra fiscal dos portos”, concedem benefícios para que os importadores utilizem-se de suas instalações para nacionalizar a mercadoria e, posteriormente, comercializá-la mediante operações interestaduais.

É comum, nesta esteira, que os Estados portuários concedam, concomitantemente, a possibilidade de diferimento do ICMS-Importação e crédito presumido para reduzir a carga tributária incidente na posterior operação de venda interestadual.

Recentemente, o Senado Federal, exercendo a competência prevista no artigo 155, §2º, IV, da Constituição Federal, publicou a Resolução nº 13, de 2012, que, em breves linhas, unifica, em 4%, a alíquota incidente nas operações interestaduais com mercadorias importadas.

Significa dizer que o importador ao comercializar a mercadoria a partir do Estado portuário, seja ele qual for, deverá recolher o ICMS com base numa alíquota de 4%.

Vale ressaltar, portanto, que a alteração promovida em nada muda o ICMS-Importação, que continua devido ao Estado em que estiver localizado o destinatário jurídico da mercadoria, ou noutras palavras, o efetivo importador.

O objetivo da Resolução é, portanto, eliminar os benefícios (créditos presumidos) concedidos pelos Estados portuários aos importadores neles estabelecidos.

Cabe dizer, todavia, que a alteração surtirá efeito para duas classes de produtos, quais sejam, aqueles que não tenham sido submetidos a processo de industrialização (inciso I, artigo 1º, da Resolução 13) e aqueles que ainda que submetidos a qualquer processo de transformação, beneficiamento, montagem, acondicionamento, reacondicionamento, renovação ou recondicionamento, resultem em mercadorias ou bens com Conteúdo de Importação superior a 40% (inciso II, artigo 1º, da Resolução 13, de 2012).

Antes de tecer qualquer comentário, insta ressaltar que por “Conteúdo de Importação” deve-se entender o quociente entre o valor da parcela importada do exterior e o valor total da operação de saída interestadual da mercadoria ou bem (§2º, artigo 1º, da Resolução 13, de 2012).

Esclarece, ainda, a Resolução, acertadamente, que o disposto na Resolução não se aplica aos bens que não possuam similar nacional, a serem discriminados em tabela publicada pela Camex (Conselho de Ministros da Câmara de Comércio Exterior).

Entretanto, como será demonstrado, a manobra do Senado Federal, ainda que dotada de validade formal, posto que aprovada conforme os ditames da Constituição, estabelece tratamento anti-isonômico repudiado pela Constituição, em verdadeiro contra-senso,  na medida em que, teoricamente, a unificação da alíquota deveria ser encarada como medida de equiparação e, portanto, isonômica.

É cediço que, com vistas ao desenvolvimento regional de algumas partes do país, o Senado Federal constituiu uma diferença entre as alíquotas de ICMS a serem aplicadas nas operações interestaduais, de acordo com o Estado de destino da mercadoria (Resolução 22, de 1989).

Assim, quando a mercadoria for destinada a Estados do Norte, Nordeste, Centro-Oeste e ao Espírito Santo, com saída dos Estados do Sul ou Sudeste, a alíquota interestadual a ser aplicada é de 7%.

Nesta diagramação, com base no artigo 155, §2º, VIII, quando o destinatário da mercadoria for contribuinte do imposto, caberá ao Estado de destino a diferença entre a alíquota interna e a interestadual. Assim, na operação citada acima, os Estados do Sul e Sudeste ficariam com 7% e os do Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Espírito Santo ficariam com a diferença que, via de regra, é de 11% (18-11%).

Tal diretriz é autorizada pelo inciso VII, do artigo 170, da Constituição, que proclama o princípio da justiça social em face da redução das desigualdades regionais e sociais.

Todavia, o novel dispositivo regulamentador, aprovado pelo Senado, derrubou por completo a tentativa de equilibrar, via alíquotas diferenciadas, as diferenças regionais, ao menos no que toca aos produtos importados.

Isto porque na sistemática prevista na Resolução nº. 13, de 2012, os Estados das Regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste e o Espírito Santo, quando realizarem a importação de mercadorias, estarão sujeitos, na operação interestadual subseqüente, a arrecadar 4% do imposto devido.

Considerando que os principais portos se encontram em Estados destas Regiões, com a aplicação do artigo 155, §2º, VIII, em conjunto com a Resolução em comento, ocorreria uma inversão na distribuição do produto tributário da venda. Ou seja, os Estados do Norte, Nordeste e o Espírito Santo fariam jus a 4% do imposto, enquanto, os Estados de destino, que, geralmente, estarão localizados no Sul e Sudeste, arrecadariam 14% (18-4%) do ICMS envolvido na operação.

Ora, é a mais clara subversão do intuito Constitucional, consagrado no supracitado inciso VII, do artigo 170, em prol dos Estados mais desenvolvidos, razão pela qual não é de se espantar o intenso lobby do Estado de São Paulo para aprovação da medida.

Outra questão premente, que parece não ter sido observada pelo Senado Federal, é o fato de ter a Resolução estabelecido tratamento distinto, também, entre os produtos, em função de sua origem.

Ocorre que a Resolução acabou, em certos casos, por dar tratamento favorável aos produtos importados, conquanto tenha estabelecido alíquota inferior àquela praticada nas operações com produtos nacionais.

Sem dúvida que, para o consumidor final, a carga tributária continuará a mesma, entretanto, quando se tratar de mercadorias importadas, o alienante, em operação interestadual, recolherá, apenas, 4% sobre o valor do negócio jurídico, estando o restante na responsabilidade do adquirente.

Não bastassem os questionamentos jurídicos, vislumbramos, da mesma forma, inúmeros obstáculos procedimentais para aplicação da norma em questão.

Isto porque não existe, verdadeiramente, nos Estados, um controle para identificar a origem ou procedência da mercadoria, noutro giro, é difícil aferir se uma mercadoria foi importada ou não. Assim, os Estados deverão atualizar as práticas de controle com o fito de evitar eventuais simulações quanto à origem do produto, com vistas à obtenção de tratamento tributário mais favorável.

3.       Conclusão

Pelo exposto, entendemos que a  Resolução nº.13, publicada pelo Senado Federal, ainda que tenha resolvido parcialmente a problemática da chamada “guerra fiscal dos portos” criou sistemática de tributação repudiada pela Constituição Federal,  privilegiando os Estados mais desenvolvidos, ao arrepio do princípio do desenvolvimento regional e social.

Ademais, atabalhoadamente, criou distinção entre os produtos nacionais e importados, na medida em que alterou, para os últimos, a distribuição das receitas entre os Estados.

É, portanto, matéria que deverá ser submetida à apreciação do Poder Judiciário, com vistas à inafastável declaração de inconstitucionalidade da Resolução, pelos argumentos já expostos.

Neste caso, destarte, o Poder Legislativo ao tentar resolver o problema da guerra fiscal acabou por criar outro de dimensões ainda mais significativas, com importantes reflexos constitucionais.

[1] STJ; Resp. 941.930/BA.

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Autor: Bruno Ladeira Junqueira


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