Brasil da copa do mundo fifa de 2014: a construção de um país globalizado



Resumo: Com base em teorias identitárias e em conceitos de globalização, foi feita uma análise acerca da “globalização” brasileira no vídeo[1] promocional da Copa do Mundo FIFA de 2014 - “Brazil is calling you” (“O Brasil está te chamando”) através do estudo de alguns elementos presentes no roteiro do produto. 

Palavras-chave: Brasil. Identidade. Globalização.

Introdução

            Durante a cerimônia de encerramento da Copa do Mundo FIFA de 2010, foi exibido um vídeo para vários países do mundo ao mesmo tempo. O vídeo promocional teve o objetivo de oficializar o início da divulgação da Copa do Mundo de 2014, que acontecerá em território brasileiro.

Com o slogan “Brazil is calling you” (“O Brasil está te chamando”), o vídeo, com cerca de um minuto de duração, faz parte de uma campanha que convida o mundo a vir para o país participar do evento, que é considerado um dos eventos de maior divulgação do planeta. Com uma edição rápida e imagens de belezas naturais e símbolos arquitetônicos, o vídeo tem a intenção de despertar a curiosidade do mundo em relação ao Brasil. Entretanto, a ausência de manifestações e características culturais que são peculiares do país, chama a atenção dos próprios brasileiros e, engrandece as análises sobre o processo de globalização, incluindo a recorrente discussão quanto a existência da tão difundida identidade nacional.

 Com linguagem universal e algumas adequações para ser compreendido em vários países do mundo, o vídeo mostra um país em que pessoas de qualquer parte do globo podem viver sem grandes problemas de adaptação. Mas será que é tão simples assim?

O uso da língua inglesa nos diálogos e na frase final, além da presença pouco significativa do povo brasileiro no roteiro, esconde parte da riqueza cultural e vende a imagem de um Brasil que se encontra em níveis avançados de globalização, o que, na prática, ainda não foi completamente alcançado.

Por conta disso, nos próximos tópicos discutiremos alguns conceitos de globalização e suas influências na “brasilidade”, tanto no vídeo quando na realidade vivida no país.

 

Copa do Mundo e Globalização

            A Copa do mundo, por ser uma competição em que países de diferentes culturas e continentes disputam com um objetivo em comum e em que as regras e procedimentos são iguais para todos, pode ser considerada um dos exemplos mais completos do processo de globalização. Certamente, cultura e costumes se confundem e as diferenças se dissipam em tudo que o evento acarreta em termos de avanços socioeconômicos. Espaço e tempo são rompidos na medida em que todos os jogos são transmitidos para vários países em tempo real. Além disso, existe a participação “online” de torcedores. Com isso, a Copa do Mundo representa a quebra total de espaços, pois não há mais a necessidade de que os participantes estejam em sua “terra natal” para se encontrar objetos, comidas e manifestações artísticas de lá. Segundo Anthony Giddens,

A Globalização pode assim ser definida como a intensificação das relações sociais em escala mundial, que ligam localidades distantes de tal maneira que acontecimentos locais são modelados por eventos ocorrendo a muitas e muitas milhas de distância e vice-versa (GUIDDENS, p. 69-70, 1991).

 

            Dessa forma, é justificado o enquadramento da Copa do Mundo na escala global. É certo que, independente do local sede, a Copa será pauta de jornais, revistas, programas de TV e de rádio em vários países, bem como, cada um deles terá sua programação local baseada nesse evento, com organização de promoções, debates, etc.                    

Porém, a característica ainda mais “global” de uma Copa do Mundo é que, geralmente, existe o convívio diário e pacífico de atletas vindos de várias partes do mundo, independente do local da sede. Isso se deve a uma organização estratégica e globalizada: placas em Inglês, venda de mercadorias multinacionais, entre outros aspectos. Sedo assim, a sede da copa do mundo constitui-se um lugar, que podemos nomear de “multicultural”. Para Souza, Silva e Costa, “O preço da manutenção das diferenças seria a desterritorialização das mesmas, a perda do lugar cultural (visível para a maioria das pessoas), em benefício de um lugar “multicultural” (invisível para essa mesma maioria).” (SOUZA, SILVA E COSTA, p. 24, 2009). A Copa do Mundo é responsável por quebrar as relações territoriais dos atletas, deixando-os adaptados ao evento, seja qual for o país em que eles estejam. Sobre o conceito de desterritorialização, Renato Ortiz afirma que:  

As relações sociais já não se limitam mais aos indivíduos que vivem no contexto desta ou daquela cultura, elas se apresentam cada vez mais como “desterritorializadas”, isto é, como realidades mundializadas. Contrariamente ao argumento antropológico que fixava a cultura num lugar geograficamente definido, ou às premissas nacionais que enraizavam as pessoas no solo fixo de um território, temos agora um “desencaixe” das relações sociais em nível planetário (Ortiz, p. 79, 1996).

           

Tal fato justifica a facilidade do evento de reunir várias culturas em um único lugar, onde o futebol é o único “território” em questão e permite construção de redes de relacionamento entre os competidores o que facilita as interações e permite melhor convivência.

 

A representação do Brasil no vídeo e as identidades postas em questão

            “Brasil is calling you” (“O Brasil está te chamando”) – é essa frase que termina o vídeo promocional que apresenta o Brasil e convida o mundo a vim visitá-lo. O vídeo utilizou de recursos de propaganda bastante eficientes, assim como uma linguagem própria, voltada para atrair grande quantidade de pessoas e despertar a curiosidade. Mas será que os brasileiros se identificaram com o ele?

A não valorização de manifestações e costumes típicos do país (como as “peladas na praia”, as festas de carnaval, as festas de São João, o chimarrão, o açaí, o acarajé etc.) levanta discussões acerca da famosa identidade nacional brasileira.

O que dizer então da identidade nacional brasileira, que podemos chamar, de forma simplificada, de brasilidade?Trata-se de um processo particular de afirmação de uma identidade. [...] No Brasil, o que vemos é a dramatização cotidiana da tensão entre a unidade de uma nação e de uma região/estado, como uma dinâmica de estranhamento e reconhecimento, de distanciamento e aproximação (MOURA, p. 84, 2005).

           

            Essa tensão é proveniente da grande diversidade do país e de sua extensão territorial, que proporciona a existência de diferentes manifestações culturais. No vídeo promocional, essas características regionais que constroem a imagem do país aparecem reduzidas as belezas e símbolos arquitetônicos famosos, o que esconde a sua “brasilidade”.

Existe, por outro lado, a ênfase na idéia de que há uma cultura do “tudo em todos os lugares”, ou seja, a idéia de que atualmente podemos encontrar tudo que precisamos em todas as partes do mundo e isso já seria parte da formação identitátia atual de todos os países. Para Hall,

Quanto mais a vida social se torna mediada pelo mercado global de estilos, lugares e imagens, pelas viagens internacionais, pelas imagens da mídia e pelos sistemas de comunicação globalmente interligados, mais as identidades se tornam desvinculadas desalojadas de tempos, lugares, histórias e tradições específicos e parecem flutuar livremente (HALL, p. 75, 1999).

           

            De acordo com a colocação de Hall, podemos afirmar, portanto, que além de ser uma estratégia para atender aos aspectos globais do evento e seu grande e diverso público, a maneira como o vídeo faz a representação do Brasil pode ser considerada um retrato da realidade, já que

 

Os fluxos culturais, entre as nações, e o consumismo global criam possibilidades de “identidades partilhadas” – como consumidores para os mesmos bens, “clientes” para os mesmos serviços, “públicos” para as mesmas mensagens e imagens – entre pessoas que estão bastante distantes uma das outras no espaço e no tempo (HALL, p. 74, 1999).

 

             Dessa maneira, a brasilidade continuaria existindo, porém o processo de globalização está admitindo que essas “identidades partilhadas” permitam uma variedade de representações e identificações do Brasil.

 

 O Brasil sede da Copa – um país global? - Considerações Finais

            Assim como foi discutido anteriormente, qualquer que seja a sede de uma Copa do Mundo FIFA, o território (espaço de características comuns e próprias para quem o ocupa) sempre será o futebol e não o lugar – as raízes dos atletas e apreciadores estão no esporte em si e não nas características culturais dos países envolvidos. Por conta disso, tanto o vídeo como toda a campanha que apresenta o Brasil ao mundo, utilizam de uma linguagem globalizada para se adequarem a essa tendência a “desterritorialização”. Contudo, a identidade nacional brasileira, assim como todas as suas características econômicas, sociais, culturais e religiosas sempre estarão presentes e não devem ser desconsideradas.

            O mundo Globalizado existe, porém somente para uma minoria, que detêm das novas tecnologias e possui conhecimento e capacidade de interpretação adequada para a grande quantidade de informações que recebemos atualmente. Além disso, Grande parte da população mundial não possui acesso aos avanços tecnológicos e vive uma realidade bem distante da que é proposta em eventos como a Copa do Mundo de Futebol.

            E esse mundo sem avanços tecnológicos também pode ser encontrado no Brasil, assim como o não domínio da língua inglesa pela maior parte dos brasileiros. Portanto, ao sediar e promover um evento da grandeza como a Copa do Mundo FIFA, o Brasil pode ser compreendido como um país globalizado, entretanto, sua identidade e suas limitações não podem deixar de ser consideradas.

            Em suma, o vídeo que promove o Brasil para a Copa do Mundo de 2014 não deixa de passar uma realidade, porém, passa de forma limitada. O reconhecimento dos brasileiros pelos vizitantes acontecerá apenas ao chegarem no país, pois, não houve uma apresentação prévia das suas principais características, o que pode gerar uma reação contrária da prentendida: a não valorização do país por conta do desconhecimento de suas peculiaridades.


[1]  Vídeo encontrado em http://www.youtube.com/watch?v=pSwANq8gRS8 

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Autor: Nínive Leão Silva Araújo Borges


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