A exceção do contrato não cumprido e as concessionárias de serviço público



A EXCEÇÃO DO CONTRATO NÃO CUMPRIDO E AS CONCESSIONÁRIAS DE SERVIÇO PÚBLICO.

A exceptio no adimpleti contractus, ou exceção de contrato não cumprido, vem disposta no artigo 476 do CC/02 dizendo que: “Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir a do outro”. Significa que, nos contratos bilaterais, as duas partes têm direitos e deveres, ou seja, há uma relação de reciprocidade nas relações.

Não deve ser admitida em contratos unilaterais, pois não há contraprestação para uma das partes. Cada um deve ser credor e devedor do outro ao mesmo tempo, já que essa exceção se baseia na igualdade das relações contratuais; devendo ser simultâneo no instante de cumprimento, podendo até mesmo se presumir tal simultaneidade nos casos em que as partes não forem expressas.

A possível aplicação da exceção do contrato não cumprido em contrato sobre prestação de serviços públicos é bem instigante, já que vez ou outra nos deparamos com uma situação de tal natureza. Mais isso não quer dizer que o assunto seja de fácil solução, pois vários conceitos, dispositivos normativos e ponderações devem ser levados em consideração para que se diga se a exceptio no adimplet contractus pode ser invocada em contratos feitos entre concessionárias e particulares.

A verdadeira ideia da exceptio no adimpleti contractus nos contratos privados é fazer desse meio uma das armas de defesa processual do réu, para que com isso o mesmo possa fazer uma paralisação àinvestida do autor.

Desse modo, a exceptio é usada como um dos pontos fundamentais para a execução do processo que tem como base o código civil em seu artigo 477. Assim, desde então, a ideia inspiradora de tal regra é que a prestação de um contratante tem como causa e razão de ser a prestação do outro.

Uma das questões que a exceptio non adimpleti contratus nos traz nas relações contratuais é fazer com que possamos evitar um enriquecimento indevido do autor frente ao réu; trabalhando de maneira ágil para fazer um equilíbrio das prestações entre as partes do contrato. Segundo Sílvio Rodrigues, um dos efeitos dessa exceção é a “paralisação da ação do autor, ante a alegação do réu de não haver recebido a contraprestação devida. Não se debatendo o mérito do direito arguido, nem o excipiente nega a obrigação, apenas contesta sua exigibilidade, em face de não haver o excepto adimplido o contrato.

Os contratos que envolvem a Administração Pública têm aspectos próprios, por estarem intrinsecamente ligados ao interesse da coletividade. Dentro desses contratos há cláusulas específicas e extremamente vantajosas para o Estado, que possibilitam, por exemplo, a rescisão do contrato e a alteração unilateral do mesmo; são as chamadas cláusulas exorbitantes. Também são regidos por princípios como o da supremacia do interesse público, da mutabilidade, da continuidade do serviço público, da segurança jurídica, entre outros.

De acordo com o princípio da continuidade do serviço público, que tem como sua fundamentação o artigo 22 do CDC (Lei 8.078/90), no caso de fornecimento de energia elétrica, o corte pode ser efetuado, desde que o consumidor seja previamente cientificado.

Tal princípio foi de extrema relevância para as discussões em relação ao inadimplemento de um contrato, devido ao empobrecimento indevido, no qual o fornecedor prestava serviços ao consumidor, sem que fosse devidamente cumprido o contrato. A discussão era feita pelas autoridades que tinham como ponto de fundamentação a questão em que se coloca o constrangimento e a ameaça , que estava sendo infligida pela concessionária.

No caso da falta de pagamento de energia elétrica referente a uma escola, hospital ou até mesmo a iluminação de ruas públicas no qual o município se encontra como devedor, não podemos fazer uso da exceção que faz com que a concessionária não forneça mais energia, assim fazendo com que toda uma coletividade venha a sofrer com esse procedimento tomado. Desse modo, a única coisa a ser feita para que a satisfação do crédito seja cumprida é através da via convencional ou de negociações. A todo o momento que houver conflito e nos encontrarmos diante de uma exceção de contrato não cumprido devemos analisar a subordinação do interesse da coletividade. (REINALDO FILHO, 2004)

O princípio da continuidade do serviço público com referencia aos contratos administrativos, assevera que o serviço público não pode parar desse modo fazendo com que a inaplicabilidade da exceptio non adimplente contractus seja aceita. Devido a tal princípio, o particular não poderá interromper a execução do contrato, fincado como meio de solucionar tal problema a iniciativa do particular requerer administrativamente ou juridicamente a rescisão do contato e pagamento de perdas e danos, não podendo parar a execução do contrato até que seja proferida ordem da autoridade competente para tal procedimento, podendo arcar com os riscos da conseqüência do inadimplemento. (PIETRO, 2006)

Tomando por base os princípios da Administração Pública, em particular o da continuidade do serviço público, que se pode a restrição de oposição da exceptio non adimpleti contractus – exceção de contrato não cumprido – nas relações entre esta e empresas particulares, que prestam servidos a mesma. Por outro lado, considerando princípios como o da proporcionalidade e questões como a preservação da qualidade e ficacia do serviço, a exceção é, não só cabível, como precisa. Assim coloca a 2º Turma do STJ: “Se a empresa deixa de ser, devida e tempestivamente, ressarcida dos custos inerentes às suas atividades, não há como fazer com que os serviços permaneçam sendo prestados com o mesmo padrão de qualidade” (STJ – 2ª. Turma, Resp. 302620-SP, rel. p/ o acórdão Min. João Otávio de Noronha, j. 11.11.03, DJ 16.04.04)

Já no que concerne aos contratos entre empresas concessionárias e particulares, há grandes divergências doutrinárias e jurisprudenciais na aplicação dessa exceção. No STJ, o entendimento mais aceito era o da impossibilidade do uso da exceção do contrato não cumprido nesse tipo de relação contratual; no entanto, há pouco tempo, esse debate tem se aflorado com maior ênfase, dando ensejo a posicionamentos bem divergentes dentro e fora dos tribunais.

Da interpretação dos artigos do CDC, o princípio da continuidade teria outro significado, qual seja, o de que serviço deve ser contínuo sim, desde que as obrigações forem cumpridas pelas duas partes de forma satisfatória. Ou seja, a empresa terá o direito de cortar o fornecimento dos serviços como água, energia e telefone, desde que o usuário, desde que informado de sua inadimplência, não cumprir sua obrigação.

No entanto, parece de entendimento corolário dos dispositivos do Código de Defesa do Consumidor, a inoponibilidade da exceção por parte da empresa prestadora de serviços. Parte-se, então, da impossibilidade de quebrar a continuidade do serviço, que é considerado essencial aos usuários; e, ainda, da expressa proibição de qualquer tipo de constrangimento ao consumidor para que seja efetuado o pagamento devido. No estado do Ceará, o deputado Chico Lopes pôs à votação o seguinte projeto de lei:

 

PROJETO DE LEI Nº 88/2003:

“Veda o corte no fornecimento dos serviços públicos essenciais por atraso no pagamento das tarifas”

A Assembleia Legislativa do Estado do Ceará decreta:

Art. 1º - Fica vedado o corte no fornecimento dos servidos públicos essenciais por atraso no pagamento dos valores devidos pelo usuário às empresas concessionárias dos serviços.

Parágrafo único – A vedação prevista no caput deste artigo não impede que as empresas concessionárias dos serviços adotem as medidas jurídicas previstas em lei para garantir o recebimento dos valores devidos.

Art. 2º - a presente Lei será regulamentada pelo Poder Executivo.

Art. 3º - Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

 

Tendo por base esse projeto, teve a argumentação que se colaciona:

 

A população do nosso estado assim como a do restante do nosso país vem passando por graves problemas financeiros e sociais, o que vem ocasionando atraso no pagamento de contas de água, luz e telefone de milhares de cearenses. O corte no fornecimento destes serviços, além de contribuir para o agravamento dos problemas sociais existentes, caracteriza-se como uma ilegalidade de acordo com os artigos 22 e 42 do Código de Defesa do Consumidor, que prevêem respectivamente a continuidade na prestação dos serviços públicos essenciais e a garantia de que o consumidor inadimplente não será exposto ao ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.

 

 

Como já se viu em reportagem veiculada pela TV GLOBO, uma senhora faleceu por sua energia ter sido cortada por inadimplemento. Ela estava muito doente e usava um aparelho cedido por um hospital, o qual não pôde mais funcionar após o corte do serviço; por 204 reais, a senhora perdeu a vida. A hipótese de enfatizar o interesse individual em detrimento de toda a coletividade, se mostra falho, já que não é o caso de se prestar o serviço gratuitamente, mas sim de buscar, pela via judicial, que parece ser mais plausível para a solução da questão.

No que se refere à exceção de um contrato não cumprido, podemos nos referir ao mesmo como fonte de justificativa, o acordo de vontade entre as partes para que as mesmas cheguem a finalizar uma prestação prometida. Essa instrumentalidade do contrato é usada como um dos meios úteis a compelir o devedor de pagar seu débito.

Contudo, de acordo com o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 22: “Os órgãos públicos, por si ou por suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quando essenciais, contínuos”, conclui-se que agindo de modo contrário, age-se ilegalmente, podendo responder por danos morais ou materiais causados ao consumidor, independente de culpa.

A Constituição Federal não elenca quais seriam os serviços essenciais, mas podemos entender como essenciais aqueles dispostos no artigo 10 da Lei 7.783/89, tais como: “I – tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis; II – assistência médica e hospitalar; III – distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos, dentre outras de fundamental importância para a satisfação das necessidades humanas”. Portanto, não se poderia invocar a exceção do contrato não cumprido por parte da concessionária quando os serviços que ela presta são essenciais, pois ela estaria compelindo o consumidor a adimplir com sua obrigação de maneira desproporcional, dando tratamento degradante e desumano a este, fragilizando a sua dignidade.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIGRÁFICAS

 

INSTITUTO DOS MAGISTRADOS DE PERNAMBUCO. Disponível em: . Acesso em 14 mai. 2012.

 

 

PROJETO DE LEI Nº 88/2003. Disponível em: . Acesso em 15 mai. 2012.

 

 

PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Direito Administrativo. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2006.

 

 

REINALDO FILHO, Demócrito. Ações Judiciais para impedir o corte do fornecimento de energia elétrica. Jus navigandi, Teresina, ano 8, n. 309, 12 mai 2004. Disponível em: . Acesso em: 12 mai. 2012.

 

 

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Dos contratos e das Declarações Unilaterais  de Vontade. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.


Autor: Nélio Antônio Brito Filho


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