Milagre de natal



Milagre de Natal

Maria Arabela Sampaio Campos 

 

Noite de natal. O clima frio transformava as calçadas cinzentas em belos tapetes de neve. As chaminés das casas denunciam as festividades natalinas cheias de alegria, união, esperança e fé; totalmente diferente do silêncio, da tristeza e da solidão em que se encontrava Sr. Noel por muito tempo, até aquele instante... Aspecto abatido, barba branca, aparentava ter uns sessenta anos. Mais uma vez cumpria um ritual diário: Estava diante da janela com o olhar distante, perdido em seus pensamentos, recordando momentos vividos ao lado de sua esposa e filhos, dois meninos e uma menina. Momentos felizes, que ficaram para trás após o acidente que os tirou do seu convívio e o transformou em um homem triste, alheio a todas as coisas a sua volta.

Vivia já a alguns anos das lembranças de um passado muito feliz, que foi interrompido por um trágico acidente que não saia de sua memória. Se não fosse a dedicação do casal que o assistia: D.Gertrudes sua governanta e Sr.Guilherme seu mordomo talvez já não estivesse mais ali, tamanha a sua tristeza e desgosto.

Perdido em seus pensamentos despertou ao ouvir risos de crianças que cantarolavam felizes alguns corinhos de natal há alguns metros dali. Por um momento achou que fosse sua imaginação, por reconhecer naquelas vozes, um momento vivido ao lado de seus filhos no último natal que haviam passado juntos.  Atento ao que ouvia, buscou com os olhos a direção das vozes e notou que três crianças envoltas em trapos, próximos a uma casa abandonada tentavam cobrir-se com papelão para protegerem-se do frio.  Seus olhos encheram-se de lágrimas, pois aquela cena o fez perceber o quanto estava alheio a todas as coisas ao seu redor e que apesar de ter parado no tempo, perdendo longos e belos anos de sua vida, tentando punir-se por algo que não teve culpa, e, que não poderia mudar, percebeu que a vida continuava a sua volta. Via agora o quanto tinha sido egoísta, pois aquela cena o fez perceber pessoas carentes de tudo, aparentemente pobres, maltrapilhas, mas cheias de vida e alegria. O que mais lhe chamou a atenção foi o fato de que mesmo naquela situação, a falta de tudo não as abatia, agiam como se nada lhes faltasse. Ao ver aquela imagem percebeu que algo estava mudando, pegou seu cachecol e foi ao encontro daquelas crianças.

- Que fazem aqui pequenas crianças? Onde estão seus pais?

- Desculpa moço, não vamos perturbar o senhor, nós já vamos sair daqui!

- Não estão me perturbando, não precisam fugir de mim, onde estão seus pais?

- Não temos ninguém. Só temos uns aos outros. Respondeu o mais velho.

- O que fazem na rua à uma hora dessas? Porque não estão em casa?

- Nós não temos casa não senhor, nossa casa é onde achamos abrigo. E o pai, nós não sabemos onde está não, desde que largou minha mãe quando Tico nasceu, ele nunca mais apareceu.

- E sua mãe?

- Nossa mãe, depois que fomos morar na rua, ficou muito doente e morreu de tosse “braba.”

- Vocês não têm ninguém? Vocês são muito pequenos para estar sozinhos, quem cuida de vocês?

- Uma senhora que morava junto com a gente em baixo da ponte cuidou da gente, mas queria ensinar “a nós coisa errada”, como a gente não fazia, ela batia na gente, e prometeu dar cada um de nós a uma família diferente, então “resolvemo” fugir, pois “prometemo” a mãe, ficar sempre junto, e assim é que agente é feliz. Não queremos ir pro abrigo não! Lá eles vão separar “nóis”

Bastante comovido com aquela resposta que ouvirá, Sr. Noel convida os para ir a sua casa.

-Que tal tomarmos um chocolate quente? Todos juntos...

Receosos com o que poderia lhes acontecer entreolharam-se com cumplicidade e rejeitaram o convite: - Brigado moço, nós já tamo de barriga cheia.

- Não tenham medo, não lhes farei nenhum mal, quero apenas a companhia de vocês para a noite de natal.

- Oba chocolate!!!  Responderam os mais novos intimando Leo a uma afirmativa.

Ao entrarem na casa de Sr. Noel ficaram deslumbrados com o que viam, olhavam em todas as direções como que encantados, passando as mãos por todos os móveis.

-Que casa linda!!! Parece um palácio.

-Vocês gostaram? Venham, sentem-se aqui junto a mim. Não, no chão não, sentem-se aqui no sofá! Qual o nome de vocês e quantos anos têm?

-Eu sou Leo tenho 10 anos, ela e Nina tem 7 anos, e ele é Tico e tem 5 anos.

-É linda a sua casa! Nunca vi uma casa assim!

Um semblante de tristeza voltou à face de Sr. Noel que por um instante havia esquecido a sua dor. Agora via a semelhança que havia entre aquelas crianças e seus filhos ao morrerem.

-Toda essa beleza um dia teve sentido pra mim, hoje não tem mais...

-O que o Senhor quer dizer?

-O senhor tem filhos?

-Fica quieta Nina! Retrucou Leo. 

Com ar tristonho tentando disfarçar a sua emoção, Sr. Noel pergunta as crianças:

- Quem vai querer chocolate quente com bolo de nozes? D. Gertrudes, por favor!  Sirva as crianças com bastante bolo e um chocolate bem quentinho.

-Oba!!!! Responderam todos.

 Agora alimentados os sinais de cansaço eram evidentes, só queriam descansar. Nina sonolenta havia se ajeitado no sofá e olhando pra Sr. Noel perguntou:

- Moço, o senhor conta uma estória de papai Noel pra mim? Eu tô com sono, conta, conta, por favor!... Em noite de natal minha mãe sempre contava estórias de papai Noel pra gente dormir. E disse que um dia papai Noel ia realizar todos os nossos sonhos.  Que não era pra gente perder a esperança nunca! Pois papai do céu estava só escutando os pedidos pra depois de atender as pessoas mais sofridas, atender os nossos pedidos também, ela disse que a fila era grande, muito grande!  Mais um dia, ia chegar a nossa vez. Acho que por isso hoje eu sonhei com o papai Noel, ele era muito bonzinho, e tinha nas mãos um monte de presente pra nós. Ele nos abraçava e nos dava comida. Ah!  O senhor não é o papai Noel é? Porque trouxe agente aqui e está nos dando comida? Isso não é um sonho não né? Belisca aqui Tico pra ver se “tamo” sonhando...

-Se for um sonho eu não quero acordar!

- Fiquem quietos! Calem a boca!  Ordenou Léo.

Voltado inteiramente para o que a menina dizia, perguntou Sr Noel:

- Você sonhou com papai Noel? O que você pediria a ele se ele estivesse aqui agora?

- Eu... eu não queria nada não moço, nós só queria que Deus devolvesse a mamãe pra cuidar da gente, sentimos muita falta dela, nós não temos mais casa, comida, brinquedo, não temos mais nada, só temos um ao outro, mais o que mais faz falta é a mamãe...

- É, eu quero a mamãe!!! Choramingou tico.

- Nós tamo com muita saudade dela. Pede pra papai do céu mandar ela de volta moço pede?! Ele deve ter muita gente com Ele lá em cima, e nós só tinha ela...

Muito emocionado Sr. Noel vê naquelas palavras os seus desejos contidos e sem saber o que dizer, faz um leve afago na cabeça de Nina e enxugando as lágrimas que escorriam em seu rosto, lhe envolveu em um caloroso abraço.

- E você Tico, qual o seu maior sonho?

Com o olhar que parecia mais duas estrelas respondeu:

- Eu quero a mamãe, mas também quero um monte de brinquedo! Carrinho, “bicicreta”,  bola, pião...

- Tico, Que coisa feia!!! Ralhou Leo.

- E você Leo? O que você pediria a Papai Noel?

- Sabe moço, sinto muita saudade da nossa vida na roça, quando nossa avó ainda era viva, lá a gente foi feliz, participava de tudo: das festas de largo, do carnaval, do bumba meu boi, do são João, da páscoa, do natal. “Nós participava” de tudo, e tinha até roupa nova, era muito bom, mas, o que mais sentimos saudade é da mamãe, sei que esse tempo não volta mais, assim como a mamãe também não vai voltar, sei que ela morreu. Eles ainda não entendem, mas eu entendo o sofrimento deles. O que eu quero agora é crescer e trabalhar pra dar aos meus irmãos uma casa, comida, roupa e não deixar ninguém afastar agente.

Aquelas palavras tocaram fundo ao coração de Sr.Noel que sem conseguir conter as lágrimas, os abraçou demoradamente. Após aquele singular instante, percebeu que sua vida não era mais a mesma. Com o coração cheio de alegria percebeu o grande presente que Deus estava lhe dando.

         - D. Gertrudes, por favor! Tome todas as providências. Após o banho acomode-os nos quartos das crianças e deixe-os descansar.

- E, por favor, deixe Dr. Kleber a par de tudo que aconteceu e diga lhe que quero vê-lo para tomar algumas providências. O que estou sentindo nesse instante não tem preço! Deus trouxe de volta a alegria ao meu coração e a esta casa.

A algazarra, as risadas, cada comentário feito pelas crianças, soavam como cânticos aos ouvidos de Sr. Noel, que se encontrava em estado de graça, e deixava transparecer que iniciava ali uma nova fase de sua vida.

   

 

 

 

 

 

Maria Arabela Sampaio Campos

Dezembro de 2007.

 

 

 


Autor: Maria Arabela Sampaio Campos


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