Momento de saudade



 

Momento de saudade

Maria Arabela Sampaio Campos 

Chove lá fora, aqui dentro a nostalgia de algo que não sei a que veio, faz disparar esse velho coração, anunciando um momento de beleza tão singular... O cheiro de chuva e os pingos na janela me embriagam num misto de alegria e saudade que me faz recordar de distantes momentos, tão presentes...

Assim como o canto da sereia atrai o pescador e o leva para o fundo do mar, aos poucos me vejo indo em direção ao sótão, repleto de recordações de um tempo áureo cheio de encantos, fantasias e emoções que ainda povoam minha vida, mas não voltam jamais... Movida pela sedução que é mais forte que eu, subo a escada em passos vagarosos, degrau a degrau, iluminados vez por outra pelo cintilar dos relâmpagos. Após tantos anos de expectativas e tentativas vãs, acho que estou pronta para abrir aquele baú que tantas vezes o vi e divaguei... E deixar sair de lá de dentro tudo que faz relembrar o meu velho, inesquecível amigo e saudoso avô. Um verdadeiro bazar de emoções, com seus segredos, suas lembranças e seus sonhos interrompidos por um processo natural da vida, que a meu ver sorrateiramente levou não só um corpo doente e cansado, mas uma mente fértil, brilhante, serelepe de criança ávida por viver... E me deixar levar pelas relíquias desprovidas de riquezas materiais, mas como valorosas pérolas que brindaram esse momento, com a recordação do belíssimo azul de seus olhos, as cãs mais alvas que já vi, a doçura de suas sábias palavras e o seu silêncio por vezes tão oportunos... Os conselhos muitas vezes não escutados, os “causos” tão excêntricos e engraçados que só ele sabia contar... Quanta mansidão! Quanta sabedoria! Oh! Quanta saudade!...

Minhas pernas insistem em me levar ao sótão, coração aos pulos, pernas a balançar, abro a porta e embevecida diante daquele espaço outrora tão visitado por mim, meu avô e meus irmãos, ouço a sua voz a me chamar, as risadas estridentes de meus irmãos a brincar, a sua cadeira de balanço, agora tão empoeirada, com todos nós ali ao seu redor a ouvir atenciosos e em absoluto silêncio as suas encantadoras histórias, (histórias com “h” porque embora algumas fossem fábulas, para nós eram todas verdadeiras, - e ai de quem contestasse!) O choro que por tanto tempo ficou preso na garganta, jorrava de forma incontrolável, fazendo-se voz para um coração inconformado e tão cheio de saudades...  Agora, diante daquele valioso tesouro, a covardia me deixou com a mão solta no ar...

 

 

Arabela Sampaio Campos -  04/11/2009


Autor: Maria Arabela Sampaio Campos


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