EU NÃO SOROCA!



“De médico e louco todo mundo tem um pouco”. Essa frase eu ouvi hoje de uma senhora que estava num carro junto ao meu no estacionamento de um supermercado.

Cansada demais para descer e enfrentar uma possível fila, fiquei dentro do carro esperando minha filha voltar das compras, lembrando-me de uma aula que tive de Teoria da Literatura pela manhã, ministrada pelo professor Aleilton Fonseca que interpretou de forma singular o conto de Guimarães Rosa “Soroco, sua mãe, e sua filha”. Fiquei pensando como Soroco havia se comportado enquanto estava sob a responsabilidade de uma situação. Lembrei de mim. Êpa! Calma aí! Não soroca! Talvez aquela senhora ao meu lado não tivesse essa certeza a meu respeito, mas são desconfianças infundadas lhe garanto. O que a fez ter essa dúvida, foi apenas a minha reação ao lembrar um episódio muito engraçado que aconteceu comigo há algum tempo, e, que me fez disparar na risada; foi o bastante para que aquela curiosa senhora, erregalasse os olhos e não parasse de olhar pra mim. Fiz de conta que não a vi e voltei aos meus divertidos pensamentos e a gargalhar ao lembrar a reação de minha colega que ouviu atenta o meu relato, e, debulhando-se em risos disse-me que aquele episódio daria um engraçado conto. Não sei se estava rindo da reação de minha colega ou do episódio. Senti que mais uma vez estava sendo observada, mas quando olhei, ela havia sumido como num passe de mágica. Não dei “ligança”, agora sim, ria por três motivos... Foi quando alguém chegou junto ao seu carro e ela cheia de medo, levantou-se cochichando algo ao seu ouvido, para logo após em voz alta dizer: “enfim, de médico e louco todo mundo tem um pouco”. E partir sem me dar se quer uma chance de justificar o meu “surto”.  Continuei ali, já pondo em prática a sugestão de minha colega; comecei a me situar no tempo. Esse episódio engraçado a que me refiro, já tinha mais ou menos 17 anos, nesse período eu assumia a função de encarregada de uma loja de departamentos. Lá pelas 11h30min recebi uma ligação de minha casa, era minha secretária, muito nervosa, atropelando as palavras, dizendo-me que minha filha havia colocado algo que ela não sabia o que era dentro do nariz.  Não tive tempo para questionar, reclamar ou lamentar; em questão de segundos imaginei a cena e passei a agir. Como não poderia sair da loja em horário de revezamento de turma, liguei em vão para meu esposo que gerenciava outra loja da mesma rede, o ramal estava ocupado e celular era coisa rara, só para os mais abonados. Corri ao escritório e consegui que um colega me substituísse por 1hora.

Nesses momentos de desespero, tudo acontece... Acho que perdi uns 300 segundos procurando um taxi, decidi ir a pé, acho que percorri aqueles 3 km de distância em pouquíssimos e longos minutos. Encontrei minha filha aos prantos. Tentando mantê-la calma eu a coloquei no colo e disse: - calma minha filha! Não vou deixar nascer em seu nariz um pé de feijão! A qual soluçando respondeu-me: feijão não! Um pé de canudo! Fiquei surpresa, pois não era uma semente como é mais comum entre as crianças, ela tinha posto dentro do nariz um pedaço pequeno, porém grosso de canudo, aqueles de suco. Com uma pinça esterilizada no fogo por mim mesma, pedi para olhar como estava a narina,  apenas olhar, e numa questão de segundos, irresponsavelmente ou não, prendi o canudo com a pinça e o arranquei, o que provocou um sangramento rápido; só aí me dei conta de que poderia ter causado um problema maior. Dei-lhe um banho e a alimentei. Vendo que o nariz voltava ao tamanho normal, disse que à noite conversaríamos sobre o ocorrido, e decidi voltar à loja. O ponto de ônibus estava vazio, possivelmente o ônibus daquele horário já havia passado. Subi a pé a Avenida Maria Quitéria, agora um pouco mais calma, entretida com meus pensamentos, mas com pressa para liberar meu colega para o almoço. Ia andando por entre as árvores, entre as duas vias, cabisbaixa, pernas rápidas, quando ouvi alguns gritos ao longe, gritos que não dei muita importância até perceber que eram comigo. Olhei para aquelas pessoas desesperadas e percebi que apontavam para um homem alto, magro, com cabelos grandes e assanhados, vestido em trapos sujos, provavelmente com distúrbios mentais, que estava vindo em minha direção com um paralelepípedo na mão, pronto para açoitá-lo em mim. Deveria estar há uns 10 metros de distância e vindo a passos largos, quando olhei, percebi que não tinha muito a fazer, pois àquela distância ele conseguiria facilmente me atingir. Olhei ao meu redor e com uma reação inusitada, mesmo ouvindo gritos de corre!! Sai daí!!  Abaixei e peguei um paralelepípedo que estava junto a mim e corri em sua direção, o que fez com que ele, surpreso com a minha inesperada reação, largasse a pedra e saísse correndo aos berros: socorro! socorro! Ela é doida! Corre ela é doida!.

Passado o susto notei que havia se formado um alvoroço ao meu redor, alguns me elogiavam, outros me criticavam, foi quando percebi que um rapaz que se encontrava defronte ao ocorrido, estava rolando no chão de tanto rir. Sorrateiramente, saí de fininho e segui meu caminho...

Termino atestando por experiência própria a veracidade da frase que hoje ouvi: “de médico e louco todo mundo tem um pouco”, mas com uma relevante certeza: não soroca!!!

Dez. 2009


Autor: Maria Arabela Sampaio Campos


Artigos Relacionados


Olhos Negros...

Ele

Maquiagem Pikachu

Os Alienados Do Celular

O Mistério De Um Pássaro

Dormindo No Domingo

Fábrica De Motivações