A Mecanicidade Da Lei E A Eficácia Da Justiça



Analisar a Justiça é por vezes de extrema complexidade, avalia-la através da legalidade, explícita pelas normas jurídicas é por certo um erro ou pelo menos em boa parte dos casos um equívoco.

De fato há uma intensa evolução social que, hodiernamente, avança a passos largos e abruptos. Sendo de grande inviabilidade que a lei acompanhe tal acelerada mudança, concordando-se que prioritariamente seja a lei uma forma de assegurar estabilidade e uniformidade de direitos de uma sociedade, a coluna vertebral da sociedade.

Aqui faz-se importante esclarecer que são características das normas jurídicas: generalidade, atingindo-se o maior número de pessoas, sendo o mais ampla possível, não tomando feições específicas diante de fatos que prevê-se ocorrer no futuro; imperatividade, exprimindo taxativamente determinada ordem a ser obedecida por todos; bilateralidade, contrapondo interesses de duas ou mais pessoas, na divisão de papéis dentro de uma relação jurídica; coercibilidade, a tutela estatal de coação, devendo ser tomada diante do não cumprimento da ordem designada; alteridade, ao fato do ato jurídico estar intrincado à intersubjetividade das relações entre as partes, ao realizar qualquer ato deve-se atenção a conseqüência deste socialmente, atribuindo posição socialmente relevante entre as partes; heteronomia, sendo o comando normativo imposto exclusivamente pelo Estado. Assim, conclui-se que a preencher tais requisitos além de concomitantemente ser composta por certo comando e respectiva sanção, necessita a Lei ter embasamento teórico e prático para assim ser denominada e reconhecida.

Seria de extrema irresponsabilidade alterações instantâneas na legislação, sendo tudo uma questão de adaptação progressiva e constante de cada peça de um instigante jogo de xadrez, onde um passo em falso pode botar em xeque toda uma tentativa de se vencer a lide. Daí surge essa sensação constante de falha ou disparate legislativo. Por certo diversas são as lacunas e omissões existentes na legislação, advindos de eventual erro do próprio legislador, despercebido durante a técnica legislativa, ou por simples defasagem na atualização legislatória.

Fato é que em juízo, diante de um caso prático e real essa possível defasagem da lei absurda-se, não só por si mesma como pelo intrínseco e maleável teatro forense[i] que se desenrola em tal crucial momento. E cabe ao magistrado, hoje cada vez mais voltado a jusfilosofia e a uma análise hermenêutica dos fatos explícitos e consequentemente a tudo aquilo que o permeia, nortearos caminhos investigativos, a abertura de pronunciamento dos litigantes, o colhimento de provas, e da forma mais clara e serene sentenciar da forma que ele próprio julgar ponderado a ocasião.

Não é, portanto, pura questão de indiligente literalização da lei, como assim se fundou a Escola da Exegese no século XIX, e ainda alarma os remanescentes da escola interpretativa que julga ser o juiz meramente uma máquina minuciosa de decisões moldadas pela crua letra da lei. Sem a menor chance e oportunidade de anexar qualquer que seja a ressalva em relação ao caso concreto. Se baseando puramente no legalismo, na intensa identificação entre Lei e Direito, sendo essa irrefutável fonte deste, resultando as sentenças de um silogismo resultando num silogismo lfusso, na intensa funsquer que sejaincontestável. Essa visão pragmática rejeita, assim, a constitucionalização do Direito, bem como aplicações de cunho consuetudinário, pois firmam na Lei-Estado os únicos detentores de legitimidade na concretização legal.

Consolida-se então a idéia exegética da total abrangência da Lei em qualquer situação. Não devendo o operador do Direito ultrapassar de forma alguma o limite imposto pelo legislador na feitura da lei.

No entanto, o que se percebe desde a escola pós-positivista é uma maior importância ao culminante papel do juiz, sendo um instrumento de interpretação da lei de forma que ela seja aplicável, dada à contextualização do caso à expressa sociedade. È dar meios para que funcione a lide em favor dela própria, não em discrepância àquilo que fora cultivado no seio social até ser letrada em lei.

É importante, de até certo ponto, ter essa idéia positivista em mente, não para nela permanecer, mas sim tirar as falhas dela própria, transmutando-a nessa interpretação pós-positivista, ou indo além, refundindo a ética e a moral, num giro epistemológico do Direito fazer uma simbiose perfeita entre a norma estagnativa e os irrefutáveis princípios jusnaturalistas. Suprimindo-se assim a legalidade em detrimento da Justiça, constitucionalizando os meandros judiciários e consequentemente estendendo tais incursões para além da sentença, alcançando a malha social, através de uma compreensão plena do trabalho ético e compromissado com a sociedade, e também assim, deliberadamente, refletindo na esfera legislativa.

A humanidade de forma geral se mostra cada vez mais propensa a tomar partido, a enseja-se socialmente. É uma visão milenarmente nova em que a sociedade enxerga seus vícios e tem vergonha deles. Tendendo cada vez mais a dignificação humana, ao reconhecimento de seu valor e importância nos liames sociais. Gnoseologicamente alcança-se então uma radiografia daquilo que configurará a realidade legislativa futura a cada dia.

Relembrando as conhecidas e reconhecidas atrocidades do passado jurídico, perpassamos por inúmeras e utópicas formas de julgamento e penalizações todos devidamente legais, cada uma seguindo as premissas próprias de seu tempo e de seus legisladores.

Analisando pormenoramente a história do crime na sociedade é visível que a crueldade de certa forma se mostra intimamente ligada ao instinto humano, tratado aqui da forma mais ampla concebível. Caso contrário os crimes não seriam cometidos, ainda que sem motivos para tal, seja por um instinto de sobrevivência apuradamente instigado pela insegurança que se sente às ruas ou pela corrupção política que domina o mundo. Não cabe nessa instância analisar psicologicamente qualquer que seja a motivação de dado crime, isso sempre irá caber às encenações dos tribunais, porém os crimes ainda que não ocorra por vontade consciente, virá pela própria fase caótica que assola os homens, revelando-os agudamente pérfidos. E por vezes os fatos são escondidos pelas máscaras que a lei impõe, o que é a punição do sistema prisional que não uma disfarçada forma de exercer poder sobre a liberdade do outro. E assim, por esses e outros meios a Justiça vai se exercendo sem ser efetivamente justa como por vezes fazemos nossos convenientes julgamentos.

Salienta-se a tendência atual do reconhecimento, cada vez mais crescente, dessa realidade por parte da própria sociedade, que vai por si mesma conjugando convencionalmente aquilo que parece bom para sua convivência e paralelamente extirpando seus preconceitos. Esse caminho sociológico será assim seguido ainda que a distância pelos mecanismos da legalidade, vestindo as ações humanas em concordância ou não com aquilo que se convencionou o legislador num passado nem sempre tão distante.

Importante esclarecer que sociológico e juridicamente desencadeiam-se variadas vertentes dessa máquina social, que não precisa ser curada, mas sim aperfeiçoada e visualizada tendenciosamente zetética.

Finalmente essa concomitância entre sociedade e lei

vivifica uma situação perene e que de fato não necessita de solução, mas de entendimento e aplicação práticos. Só dessa forma a legalidade estará o mais adjacente possível à Justiça.

Justiça não é lei imposta, é ponderação!




Autor: SUE ELLEN SALES


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