Práticas De Leitura Na Educação Infantil



Leitura - Leitor

Cada um lê a partir do que seus pés pisam e seus olhos vêm.

(Leonardo Boff).

Neste primeiro capítulo apresentaremos o conceito de leitura e do ato de ler, a partir de alguns estudiosos sobre o assunto como Tfouni (1995), Barbosa (1994), Coelho (2000), Martins (1990), Jolibert (1994), Freire (1982), dentre outros. Nesta perspectiva discutiremos sobre leitura, leitor e pré-leitor, foco de interesse específico deste trabalho.

Mas o que seria leitura? Para Martins (1990), a leitura é uma experiência pessoal, a qual não depende somente da decodificação de símbolos gráficos, mas de todo o contexto ligado à história de vida de cada indivíduo, para que este possa relacionar seus conceitos prévios com o conteúdo do texto, e desta forma construir o sentido.

Na sociedade letrada em que vivemos, a leitura é parte integrante do indivíduo, é também um dos meios de comunicação. Através dela pode-se buscar autonomia, criticidade e acesso ao conhecimento. "Quando lemos, estamos refletindo, pensando, estamos contra ou a favor de algo, realizamos comentários, expomos e trocamos nossas opiniões, nos posicionamos e exercemos nossa cidadania". (SILVA, JOVER E GUIMARÃES,1998 p.10).

O sujeito que não tem oportunidade de aprender a ler, certamente será excluído dessa sociedade, ou melhor, não terá a mesma participação que aqueles que têm essa oportunidade. Segundo Tfouni: "A inserção em uma sociedade letrada não garante formas iguais de participação. O acesso ao conhecimento também não está livremente à disposição de todos". (TFOUNI, 1995, p. 97).

Sem o domínio da leitura fica mais difícil o indivíduo se tornar um cidadão ativo e autônomo dentro da própria sociedade em que vive. Barbosa (1994) discute que a escrita se tornou um obstáculo para que o indivíduo obtenha uma efetiva participação na sociedade, saber ler, é uma utilidade do cotidiano.

Observemos com isto, que não basta a inserção de pessoas na sociedade letrada para se obter uma efetiva participação sobre a mesma e para ter acesso ao conhecimento, ou seja, isto se torna mais fácil aos que têm oportunidade de ler e fazer uso da leitura.

Neste sentido, a leitura é uma condição básica para que o indivíduo compreenda o mundo em que vive, as pessoas e as coisas que o rodeiam. (COELHO, 2000).

Antigamente a leitura era vista apenas como um ato de decodificar os sinais, portanto, leitor era somente o alfabetizado. Nos dias atuais em que vivemos, essa concepção segue por uma outra vertente, isto é, o leitor não é mais somente aquele indivíduo alfabetizado. Barbosa vem nos chamar a atenção para isso quando diz: "Mas o mundo mudou, desfazendo aquelas identificações: ler não é mais decodificar e o leitor não é mais o alfabetizado".(BARBOSA, 1994, p. 88).

Contudo, a leitura está envolvida em aspectos que vão além da letra símbolo decifrada, ou seja, está relacionada no sentido dado ao objeto lido, ao leitor que se torna sujeito de sua própria leitura, à realidade, ao imaginário, à fantasia.

A leitura realmente passa a ter sentido quando lemos a realidade, a partir de nossos interesses e necessidades, para nos transformar e transformar o mundo. Para Jolibert (1994), esses "escritos reais" de que estamos falando, pode ser o nome de uma rua, um livro, um cartaz, uma embalagem, um jornal, um planfeto, entre outros objetos de leitura.

Podemos observar como mencionado, que o ato de ler não se refere apenas a textos escritos, mas também a outras formas de leitura, como por exemplo, de uma música, uma peça teatral, uma obra de arte etc. E mesmo os textos escritos, a pura decodificação das palavras não é sinônimo de que está ocorrendo uma leitura efetiva, pois como já vimos, ler implica atribuir sentido ao texto, fazer relações com o contexto, compreender o mundo que nos cerca. Geraldi complementa reflexões importantesacerca disso:

Ler não é decifrar, como num jogo de adivinhações, o sentido de um texto. É, a partir do texto, ser capaz de atribuir-lhe significado, conseguir relacioná-lo a todos os outros textos significativos para cada um, reconhecer nele o tipo de leitura que seu autor pretendia e, dono da própria vontade, entregar-se a esta leitura, ou rebelar-se contra ela, propondo outra não prevista. (GERALDI. Apud. LAJOLO, 1982ab, p.50).

Ao ler um texto, é importante que o leitor o compreenda e faça a relação com seu contexto. Desta forma, o ato de ler se torna um processo de interlocução entre leitor/autor com mediação do texto (GERALDI).

Segundo Freire (1982, p. 12) "A compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção das relações entre o texto e o contexto".

A prática de leitura efetiva consiste nesta relação do texto com o contexto, em significados.

O RCNEI (1998) também nos mostra que a leitura não é a pura decifração das palavras, como já citado, mas é um processo em que o leitor constrói o significado do que está lendo.

É importante ressaltar que também podemos considerar a leitura como algo mágico, pois ela nos faz viajar em nossa imaginação. Segundo Silva, Jover e Guimarães "Ler é uma grande viagem, uma aventura do espírito, algo que nos faz ir além". (SILVA, JOVER e GUIMARÃES, 1998, p. 10)

Levando em consideração que ler é dar sentido ao texto e estabelecer relações dele com o contexto, nos atentaremos para um fator importante, o conhecimento prévio do leitor.

Em palestra sobre "o que é necessário para formar bons leitores na escola", Nóbrega (2006) afirma que cada leitor reconstrói para si o texto que lê, cada leitor traduz o texto ao seu tempo. Para que o leitor atribua significado à um texto, é necessário que faça uso daquilo que trás consigo como conhecimento prévio do que está lendo através de relações estabelecidas com o mesmo. Desta forma, cada leitor construirá um significado próprio a um determinado texto.

Neste sentido, Barbosa também enfatiza:

Um leitor, ao entrar em contato com o texto, constrói uma hipótese sobre o que vai encontrar na leitura desta. Um leitor não é completamente ignorante sobre o que irá ler. A leitura pressupõe a elaboração de um saber prévio, que fornece dados para o leitor levantar hipóteses sobre o que vai ler. (BARBOSA, 1994, p.117).

Como vimos, para atribuir sentido a um texto o leitor faz uso daquilo que já conhece. Levando isto em consideração, ler não pode ser um ato mecanicista o qual não permita que o sujeito estabeleça relações e atribua sua própria interpretação, construa seu próprio sentido. Daí a importância fundamental no âmbito educacional de se considerar e partir sempre do que o aluno já sabe.

De acordo com Orlandi:

Assim, os testes e provas servem também a mostrar que não existe o leitor que se visa, que este será moldado pela instituição em que se inserir. É o que acontece na escola quando se ignora que o leitor real tem uma história e um posicionamento frente a outras leituras. (ORLANDI, 1998, p.33).

Contudo, um leitor, pode ser condicionado ou interativo, ou seja, o primeiro lêmecanicamente estabelecendo relação entre a grafia e ao som da mesma. Já o segundo é aquele, que como já mencionamos se intera com o texto, fazendo relações com o contexto e atribuindo-lhe significados. (ORLANDI, 1998).

Barbosa diz: "Diante de um novo objeto, a criança se mobiliza, estabelecendo uma relação entre o seu acervo de conhecimentos - a estrutura cognitiva - e o novo estímulo a ser aprendido". (BARBOSA, 1994, p.71)

Ora, com esses princípios de leitura, podemos então entender o texto não como obtendo um só sentido para todos aqueles que o lêm, isto é, ele irá produzir vários significados a partir do contexto e a relação com o seu leitor. Isso significa, que um determinado texto poderá ter sentido diferente de um leitor para outro, pois cada indivíduo tem experiências, histórias de vida e conhecimentos prévios diferentes. Segundo Orlandi, "Não analisamos o sentido do texto, mas como o texto produz sentidos".(ORLANDI, 1998, p.11).

No entanto, o estágio de leitura em que o leitor se encontra, tem muita influência em seus conhecimentos prévios e no sentido que construirá no texto. Quanto a esses estágios de leitura, Coelho (2000) nos cita cinco, são eles:

üPré-leitor, o qual abrange duas fases:

- Primeira infância (dos 15/17 meses aos 3 anos)

- Segunda infância (a partir dos 2/3 anos);

üO leitor iniciante (a partir dos 6/7 anos);

üO leitor - em - processo (a partir dos 8/9 anos);

üO leitor fluente (a partir dos 10/11 anos);

üO leitor crítico (a partir dos 12/13 anos).

Pré-Leitor

Falaremos agora sobre uma categoria de leitor a qual citamos a cima. Apresentaremos de maneira especial, o pré leitor.

Martins (1990), nos traz uma reflexão importante acerca desta categoria, a autora diz que quando aprendemos a ler, significa que estamos aprendendo também a ler e dar significado ao mundo e a nós em quando sujeitos individuais, e isso, fazemos antes de sermos ensinados por alguém.

Para situarmos o pré-leitor, falaremos brevemente sobre seu histórico, isto é, como foi reconhecida e valorizada essa categoria.

A partir do século XVIII, segundo Teberosky e Colomer (2003), foi instituída a idéia de uma literatura específica para as crianças, pois neste período as mesmas começaram a ser valorizadas e consideradas em um estágio diferente dos adultos. Essa idéia da infância com interesses e necessidades próprias, levou ainda no século XVIII, a criação de livros específicos à esse segmento de faixa etária

Coelho (2000), complementadizendo que no século XX, a psicologia experimental revela que o desenvolvimento tem diferentes estágios desde a infância até adolescência, e que cada estágio corresponde a uma idade. Desta forma, a noção de "criança" muda, valorizando então a literatura infantil como um processo significativo no desenvolvimento das mentes infantis.

Como vimos anteriormente, a leitura não precede somente da decodificação de símbolos, pois existe outras formas de leitura que não esta. Levando isso em consideração, antes mesmo que as crianças aprendam a decodificação dos códigos, é possível a iniciação das mesma às práticas de leitura, desta forma, quando aprender as letras, já terão contato com o verdadeiro sentido de ler, ou seja, poderão ir além das palavras escritas. Sobre isso Jolibert (1994, p. 15) nos chama a atenção: "É lendo de verdade, desde o início, que alguém se torna leitor e não aprendendo primeiro a ler".

"'Ler de verdade" , como diz o autor citado, significa saber dar sentido ao texto, imaginá-lo e relacioná-lo com situações já vividas, ou seja, ir além das palavras escritas.

Martins (1990) também destaca algo relevante ao que estamos discutindo, para a autora existe uma pré-existência do leitor á descoberta dos significados das palavras, ou seja, quando começamos a organizar nossos conhecimentos adquiridos a partir de diversas situações que se configuram na realidade, quando começamos um processo de estabelecimento de relações entre as experiências e a tentativa de resolver problemas que nos são apresentados, estamos procedendo leituras que nos dão habilidades básicas de ler tudo e qualquer coisa.

A criança, ou seja, o pré-leitor, poderá iniciar a leitura a partir de seu contexto, pois é através dele, que a aprendizagem da leitura se torna mais efetiva. Segundo Martins (1990, p. 15):"Certamente aprendemos a ler a partir do nosso contexto pessoal. E temos que valorizá-lo para ir além dele."

O pré-leitor, freqüentador da Educação Infantil, segundo coelho (2000), está na fase de reconhecer o mundo que a cerca através da afetividade e do tato. Sendo assim, diante de qualquer objeto o primeiro impulso da criança é "pegar". Nesta fase, a criança também começa a nomear tudo o que está à sua volta.

Coelho (2000), também diz que na pré-escola e em casa, é fundamental a presença do adulto para a orientação da brincadeira com o livro. A criança começa a descobrir o mundo concreto e o mundo da linguagem através do livro.

Observemos através do que acabamos de apresentar, que a leitura infantil, é muito importante para o desenvolvimento nesta faixa etária. Porém, como já vimos há outras formas de leitura além da literária, as quais também têm a mesma importância, como por exemplo, a leitura de um objeto de uma imagem, de uma música dentre outras que contribuem para formação do pré-leitor.


Autor: Carolina Possebon


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