Reserva destruída



 

Reserva destruída

Depois de violentos combates com madeireiros e jagunços de fazendeiros muitos foram dizimados, levando-os a formar uma só tribo. Eram cem ao todo, contando apenas os adultos, criança era coisa rara por conta das correrias, mas tinha algumas. Tinham sua língua, seus costumes, suas crenças. O Cacique, índio já velho de olhar taciturno, era chamado por todos de Grande Pai. Numa das muitas andanças que empreendera um jacaré-açu arrancou as duas pernas de Grande Pai. O velho Cacique travou luta encarniçada contra a morte e só não viajou para o vale dos grandes espíritos graças aos fervorosos pedidos a Tupã e aos milagrosos remédios da mata. Os noventas e nove índios restantes queriam a toda prova doar suas pernas ao Grande Pai, num gesto emocionante que retratava toda a grandiosidade daquela estranha zoologia humana.

Os janeiros se passavam e o valoroso Cacique pouco a pouco se recuperava, resistindo bravamente àquela titânica luta contra a morte. De vez em quando falava altivo que o jacaré conseguira arrancar as suas pernas, mas não a sua personalidade, o seu espírito valente, o que aumentava a admiração e o respeito que todos sentiam por ele.

Finalmente as tempestades cessaram dando vazão a melhores momentos. Grande Pai, quase curado, agora era chamado pelos madeireiros e fazendeiros de “meio índio”. Com o auxílio de uma finíssima rola de pau d’árco amarrada aos ombros por envira Grande Pai se deslocava por toda a aldeia, parecendo brotar do profundo coração da terra.

Tudo voltava a ser calmo e harmonioso naquele reino. A pipira, a jaçanã, o curió, a paca, a cutia, o queixada, a nambu, os periquitos, os papagaios, as araras, a macacada e os sanhaçus, em vozes diversas, saudavam diariamente àqueles bravos combatentes das selvas, heroicos filhos das matas que lhes serviram de berço.

Imposições do destino forçaram meus pais a vir morar na grande cidade, atendendo necessidade dos filhos em idade de escola. Muitos janeiros se passaram... Ontem, transitando por uma movimentada avenida da grande cidade encontrei tuberculosos e esmolando dois sobreviventes da saudosa tribo que deixei vivendo feliz às margens do Rio Chandless, onde hoje se ergue mais uma grande fazenda.

 

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Autor: Francisco Antônio Saraiva De Farias


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