A penhorabilidade dos bens de familia dofiador locaticio



A Penhorabilidade do Bem de Família do Fiador Locatício

                      

                                                                                               

                                                                                         Teoflanes Carlos Vilela Júnior *

                                                                                             Vinícius Alves de Oliveira

                                                                                Vilbrair dos Reis Domingos Júnior

                                                                                       Viviane Rodrigues dos Santos

 

 

Resumo

 

Este estudo interdisciplinar tem como objetivo analisar a possibilidade jurídica ou a proibição desta, de penhorar o bem de família daquele que é fiador no contrato de locação. Por meio de pesquisa bibliográfica, analisaremos os institutos da penhora, do bem de família e do contrato de locação, bem como sua aplicação pelos magistrados e tribunais na formação da jurisprudência sobre o tema. A importância de tal trabalho se justifica pela presença de várias instituições clássicas do Direito na controvérsia, especialmente o do Bem de Família, instituto esse que tem o escopo de proteger o bem necessário à subsistência da entidade familiar, célula maior de toda sociedade.

 

 

 

PALAVRAS-CHAVE: Penhora, Bem de Família, Fiador, Contrato de Locação.

 

 

1. INTRODUÇÃO.

 

 

O presente artigo se fita na tentativa de responder se é inconstitucional o inciso VII, do artigo 3º, da lei 8.009/90. Nem mesmo o recente posicionamento do STF, em apertada votação, espancou a celeuma em torno do assunto. Por não gozar de força vinculante obrigatória, a decisão não é unanimidade nas instâncias inferiores, notadamente nos Tribunais de Justiça dos Estados de Goiás e Minas Gerais, implicando em divergência jurisprudencial e doutrinária. Nessa direção, o objetivo geral do estudo é verificar os fundamentos de tal divergência sobre a referida norma.

A relevância deste estudo justifica-se em função da análise, centrada em moderna doutrina e recente jurisprudência, sobre a possibilidade da penhorabilidade ou não do bem de família do fiador locatício. A justificativa social/econômica desse estudo reside na presença do instituto do Bem de Família nesta controvérsia, instituto esse que tem o escopo de proteger o bem necessário à subsistência da entidade familiar, célula mater de toda sociedade.

__________________

* Artigo desenvolvido pelos alunos do 8º Período do Curso de Direito do ILES-ULBRA como etapa final do projeto interdisciplinar

 

 

 

2. BEM DE FAMÍLIA, PENHORA E FIADOR LOCATÍCIO.

 

 

Apesar de não suscitar divergência por serem conceitos basilares, cabe aqui repassar os prolegômenos que envolvem a questão.

Segundo Limongi FRANÇA¹, Bem de Família é "o imóvel urbano ou rural, destinado pelo chefe de família, ou com o consentimento deste mediante escritura pública, a servir como domicílio da sociedade doméstica, com a cláusula de impenhorabilidade".

Maria Helena DINIZ (2007), enfatizando a finalidade do bem de família, o define como "um instituto originário dos Estados Unidos, que tem por escopo assegurar um lar à família ou meios para o seu sustento, pondo-a ao abrigo de penhoras por débitos posteriores à instituição, salvo as que provierem de tributos relativos ao prédio, ou de despesas condominiais”.

VENOSA nos ensina que o Bem de Família é uma forma de tornar o bem como coisa fora do comércio, uma porção de bens que a lei resguarda com os característicos de inalienabilidade e impenhorabilidade, em benefício da constituição e permanência de uma moradia para o corpo familiar.

O objeto do bem de família é um imóvel, "um prédio", rural ou urbano, onde a família fixa sua residência, ficando a salvo de possíveis e eventuais credores. O presente estatuto civil acentua que o bem de família consistirá em "prédio residencial urbano ou rural, com suas pertenças e acessórios, destinando-se em ambos os casos a domicílio familiar, e poderá abranger valores mobiliários, cuja renda será aplicada na conservação do imóvel e no sustento da família. (VENOSA, 2008, pág. 379)

 

Aliás, afirma ROGUIN (1997, apud MONTEIRO, 2007) que a impenhorabilidade é o próprio nervo do instituto. O principal feito do ato é isentar de penhora o prédio destinado a ser o lar da família. Tal inalienabilidade, contudo, é apenas acidental. Pode ser removida, desde que haja anuência dos interessados e dos seus representantes legais.

Por Penhora, entende-se a retirada de determinado objeto do patrimônio do devedor para satisfazer determinada obrigação, culminando na transferência forçada do bem a terceiro.

Em brilhante artigo, Simone Stabel DAUDT (2006) nos ensina que a penhora é ato executivo, fase inicial da expropriação, que consiste em retirar o objeto do patrimônio do devedor para satisfazer a obrigação, com posterior alienação do bem para conversão em dinheiro.

__________

¹ FRANÇA, 1999, apud RODRIGUES, 2007, pág 183.

 

Costuma-se dividir o procedimento de expropriação em três fases, quais sejam: a fase inicial da expropriação, a penhora; fase instrutória da expropriação, a alienação e a fase final da expropriação, o pagamento ao credor.

LIEBMAN (1946, apud DAUDT, 2006) define: “A penhora é o ato pelo qual o órgão judiciário submete a seu poder imediato determinados bens do executado, fixando sobre eles a destinação de servirem à satisfação do direito do exeqüente”.

Por fim, tem-se a figura do fiador locatício. É o fiador responsável pela segurança financeira da locação até o fim desta.

Sobre o instituto da fiança, VENOSA (2003) leciona que ela é uma espécie do gênero maior denominado caução. Tem por razão de ser dar segurança ao credor, sendo que o fiador garante pessoalmente, mas com seu patrimônio a satisfação do credor na hipótese do devedor não cumprir a obrigação.

RODRIGUES (2004) diz que Fiança é a forma jurídica através da qual uma pessoa se responsabiliza, perante o credor, pelo cumprimento de determinada obrigação assumida por outrem. Assim, o processo de execução poderá ser proposto contra o fiador, diretamente.

Outra característica da fiança é sua gratuidade, o fiador não recebe nenhuma remuneração em contrapartida à ajuda dada ao afiançado, naturalmente pessoa em quem deposita sua confiança. No entanto conforme assevera o ilustre doutrinador VENOSA, a gratuidade é da natureza da fiança e não de sua essência (2003, pág. 266).

 

 

 

3. LEGISLAÇÃO E JURISPRUDÊNCIA.

 

 

Em março de 1990 foi promulgada a lei n. 8.009, que trata do bem de família, e que retirou da esfera de ação da penhora, independentemente da vontade do indivíduo, o bem imóvel onde reside a entidade familiar. Esta mesma lei trouxe exceções a esta oponibilidade à penhora do bem de família, enumeradas em seu artigo 3º.

Tranqüilo era o entendimento e suas limitações até a chegada da lei 8.245/91 (Lei do Inquilinato), que por força de seu artigo 82, fez acrescer o inciso XII ao rol das exceções à impenhorabilidade do bem de família. Tal inciso retirou da órbita da proteção do bem de família, o bem único do fiador de contrato de locação.

Em fevereiro de 2000, como manifestação do poder derivado constituinte, foi promulgada a emenda constitucional 26, que ampliou a lista dos denominados direitos sociais, incluindo entre eles o direito social à moradia.

Surgiram então, dois distintos posicionamentos, na doutrina e jurisprudência; um que considera o inciso VII do artigo 3° da lei 8.009/90 inconstitucional por violar o direito à moradia, que passou a ser previsto na Constituição Federal, e outro, a favor da penhora, introduzida pela Lei n. 8.245/91.

Após grande debate acerca da possibilidade ou não da penhora, a matéria chegou ao Supremo Tribunal Federal, por intermédio do recurso extraordinário número 407.688, onde o pleno, em 08 de fevereiro de 2006, decidiu por sete votos a três pela constitucionalidade do inciso XII do artigo 3º da lei 8.009/90, ou seja, a favor da penhora do bem de família do fiador de contrato de locação. Posteriormente, manteve a decisão do plenário nos julgamentos dos Recursos Extraordinários 439.362 de 28 de março de 2006, 415.626 de 5 de setembro de 2006, 533.128 de 28 de outubro de 2008, 493.738 de 28 de outubro de 2008 e 509.594 também deste data. Pesa, ainda, esse entendimento nos julgamentos dos Agravos de Instrumento 576.544 de 7 de agosto de 2007, 663.278 de 20 de novembro de 2007 e 584.436 de 3 de fevereiro de 2009.

Esta nova decisão afastou dois precedentes do próprio S.T.F. (R. Ext. 352.940/SP e R. Ext. 449.657/SP), ambos relatados pelo Senhor Ministro Carlos Velloso, já aposentado, e decididos no sentido de impedir a penhora do único imóvel do fiador da locação.

Antes do posicionamento da Corte Maior, o Superior Tribunal de Justiça entendia pela não recepção do inciso VII, do artigo 3º, da lei 8009/90, pelo artigo 6º, da Constituição Federal (R. Esp. 745.161/SP, R. Esp. 699.837/RS, R. Esp. 631.262/MG). Contudo, após o julgamento do Recurso Extraordinário 407.688, nas 34 vezes em que julgou o tema, acatou o precedente do Supremo, invertendo seu entendimento prévio.

O Tribunal do Rio Grande do Sul já entendia ser constitucional o Inciso VII (Ap. Cível 70011998259, de 11/07/05 e Ap. Cível 70008894677, de 23/06/04), não obstante a interpretação contrária do S.T. J. à época e nos 24 últimos pronunciamentos, desde fevereiro de 2006, manteve firme sua exegese.  Assim também como o Tribunal de São Paulo (Agravo de Instrumento 984204300, Ag. I. 950334500 e Ap. Cível 839008400).

Malgrado o posicionamento definitivo do Egrégio Tribunal, a uniformização da jurisprudência não ocorreu.

O Tribunal de Justiça Mineiro decidiu em ambas as direções. (Ap. Cível 20000004673054, Ap. Cível 10701061522788 e Ag. I. 10223970101117 a favor do direito de moradia; e Embargos de Terceiros 10145063190766 e Ap. Cível 10024060910973 a favor da penhorabilidade do bem).

Em nosso Estado, o Tribunal de Justiça também decidiu recentemente em ambas direções, como aponta as duas ementas, de junho de 2007 e abril de 2008.

 

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS A EXECUÇÃO. CONTRATO LOCATÍCIO. FIADOR. BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE. I - O art. 6, 'caput' da Carta Magna, com a redação dada pela EC 26/00, elevou a moradia como direito social do cidadão, tornando impenhorável imóvel residencial único do casal ou da entidade familiar, em execução por fiança prestada em contrato de locação, inobstante a ressalva do art. 3, inc. VIII, da lei n. 8.009/90 introduzida pelo art. 82 da lei n. 8.245/91, que excepcionou tal hipótese. II - Recurso de Apelação conhecido e provido.

DECISÃO: Acorda o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, em sessão pelos integrantes da 3ª Turma Julgadora da 2º Câmara Cível, por maioria de votos, em conhecer da Apelação e dar-lhe provimento, nos termos do voto do Des. Alan Sebastião de Sena Conceição designado Redator do Acórdão. Divergiu da douta maioria o insigne Des. Zacarias Neves Coelho, que conhecia e provia em parte a Apelação.

(Julgamento do Processo 200603346159, Relator Des. Zacarias Neves Coelho, Recurso 104451-6/188, Apelação Cível, Fonte D.J. 99 de 30/05/2008, Acórdão 10/04/2008).

 

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO. PENHORA DE IMÓVEL DO FIADOR. POSSIBILIDADE. Embora entre o locatário e locador exista um liame obrigacional concernente ao pacto locatício, àquele que oferta fiança para o primeiro, o faz com base em contrato outro, de fiança. Assim, não há que se falar em ofensa a isonomia de tratamento entre as duas situações, que diferem, naturalmente, em sua essência. Como o Bem de Família está inserido dentre os direitos patrimoniais do individuo, este pode dele dispor, inclusive com a renúncia a favor de terceiro. Renunciando o benefício em questão, o fiador maior e capaz, não pode se esquivar de quitar um débito que foi gerado por negócio jurídico que somente se aperfeiçoou pela sua intromissão como garante. Conforme entendimento dominante no Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, a penhora sobre o Bem de Família do fiador de contrato de locação se apresenta perfeitamente viável, por não ter sido considerada inconstitucional, em face do que dispõe o artigo 6, da Constituição Federal, a norma que autoriza a constrição, inserida no artigo 32, da lei 8.009/90, acrescentado pelo artigo 82 da lei 8.245/91. Agravo provido.

DECISÃO: Acordam os integrantes da 3ª Turma Julgadora, em sessão da 4º Câmara Cível, a unanimidade de votos, em conhecer do agravo e provê-lo, nos termos do voto do relator.

(Julgamento do Processo 200700920093, Relator Des. Carlos Escher, Recurso 54760-0/180, Agravo de instrumento, Fonte D.J. 15041 de 13/07/2007, Acórdão 21/06/2007).

 

     No sentido da penhora há o Acórdão no julgamento do Agravo de Instrumento 72394018, do dia 28/04/2009 e contra a penhora há os Acórdãos no julgamento das Apelações Cíveis 200702994825 e 200603346159, respectivamente dos dias 24/06/2008 e 10/04/2008.

 

 

 

3.1. RECURSO EXTRAORDINÁRIO 407.688.

 

            No dia 8 de fevereiro de 2006, o Plenário da mais Alta Corte do País julgou o Recurso Extraordinário interposto contra acórdão do antigo Segundo Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo, que negou provimento a agravo de instrumento interposto pelo recorrente, Sr. Michel Jacques Perón. O Relator foi o Ilustríssimo  Senhor Ministro César Peluso, que votou pela admissibilidade da penhora do Bem de Família, sendo acompanhado pelos Senhores Ministros Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Sepúlveda Pertence, Nelson Jobim e pela Ilustríssima Ministra Ellen Gracie. Foram vencidos os senhores Ministros Eros Grau, Carlos Brito e Celso de Mello.

È imperioso aqui analisar os votos das maiores autoridades do Ordenamento Pátrio sobre a matéria. Cada voto revela argumentos relevantes e precisos, baseados em sofisticado entendimento da Constituição, que serão de grande valia para a nossa pretendida análise do caso.

O Relator Ministro César Peluso, em sua explicação, argumentou que a regra constitucional enuncia direito social, que, não obstante suscetível de qualificar-se como direito subjetivo, enquanto compõe o espaço existencial da pessoa humana, independentemente da sua justiciabilidade e exeqüibilidade imediatas, sua dimensão objetiva supõe provisão legal de prestações aos cidadãos, donde entrar na classe dos chamados direitos a prestações, dependentes da atividade mediadora dos poderes públicos. Isto significa que, em teoria, são várias, se não ilimitadas, as modalidades ou formas pelas quais o Estado pode, definindo-lhe o objeto ou o conteúdo das prestações possíveis, concretizar condições materiais de exercício do direito social à moradia.

Relembrou que um dos fatores mais agudos de retração e de dificuldades de acesso do mercado de locação predial está, por parte dos candidatos a locatários, na falta absoluta, na insuficiência ou na onerosidade de garantias contratuais licitamente exigíveis pelos proprietários ou possuidores de imóveis de aluguel. Para acudir a essa distorção, facilitando celebração dos contratos e com isso realizando, num dos seus múltiplos modos de positivação e de realização histórica, o direito social de moradia, é a própria ratio legis da exceção prevista no art. 3º, inc. VII, da Lei nº 8.009, de 1990.

O Senhor Ministro Eros Grau divergiu do voto do relator por entender que tal situação fere o princípio da isonomia. Entendeu que a impenhorabilidade do imóvel residencial instrumenta a proteção do indivíduo e de sua família quanto a necessidades materiais, de sorte a prover sua subsistência. Enquanto instrumento a garantir a subsistência individual e familiar, a propriedade consiste em direito individual e cumpre função individual, como tal é garantida pela generalidade das Constituições de nosso tempo, a essa propriedade, aliás, não é imputável função social. Argumenta que se o benefício da impenhorabilidade viesse a ser ressalvado quanto ao fiador em uma relação de locação, poderíamos chegar a uma situação absurda. De que o locatário que não cumprisse a obrigação de pagar aluguéis, com o fito de poupar para pagar prestações devidas em razão de aquisição de casa própria, gozaria da proteção da impenhorabilidade. Gozaria dela mesmo em caso de execução procedida pelo fiador cujo imóvel resultou penhorado por conta do inadimplemento das suas obrigações, dele, locatário.

Quanto a afirmação do caráter pragmático do artigo 6º, da Constituição Federal, afirma que é certo que o legislador está vinculado pelos seus preceitos, ou seja, que os textos da Constituição são dotados de eficácia normativa vinculante. Alega ser ultrapassada a expressão “normas programáticas” por apresentar vícios ideológicos perniciosos. Citou o Acórdão de 29 de janeiro de 1969, do Tribunal Constitucional República Federal Alemã, que ensina que quando a teoria de normas constitucionais programáticas pretende que na ausência de lei expressamente reguladora da norma esta não tenha eficácia, desenvolve-se uma estratégia mal expressada de não vigência, visto que, a fim de justificar uma orientação política legislativa (que levou à omissão do Legislativo) vulnera-se a hierarquia máxima normativa da Constituição. Porque bastaria a omissão do Poder Legislativo para que o preceito constitucional fosse retirado de vigência.  

Quanto ao argumento de que a impenhorabilidade causará forte impacto no mercado das locações imobiliárias, o Ministro Eros Grau disse que caberá as políticas públicas

 

 

resolver a questão.

O Senhor Ministro Joaquim Barbosa entendeu que a questão centrava-se no embate entre dois direitos fundamentais, o direito a moradia e o direito a liberdade de obrigar-se contratualmente. Entendeu tratar-se de relação privada e de que a decisão de prestar fiança é expressão do direito à livre contratação que o cidadão faz por espontânea vontade e, que deve prevalecer no sopesamento dos dois direitos fundamentais. Se decide contratar, que encare os ônus. Nesse sentido negou provimento ao recurso.

O Senhor Ministro Carlos Britto, divergindo do Relator, entendeu que a Constituição ao dizer que a moradia é um direito social (artigo 6º), uma necessidade social básica (artigo 7º) e uma política pública (artigo 23º), a transforma em direito indisponível, não potestativo, não podendo sofrer penhora por contrato de fiação, não podendo decair. Argüiu, ainda, que o artigo 226, dita que a família é uma entidade merecedora de proteção especial, e que tal adjetivo não foi utilizado atoa, tendo um apreço especialíssimo, resguardando, portanto, o imóvel que é bem da família.

O Senhor Ministro Gilmar Mendes acatou o posicionamento do Relator, repetindo os apontamentos feitos pelo Ministro Joaquim Barbosa.

Assim também o fez a Senhora Ministra Ellen Gracie, ressaltando que a Constituição busca o amplo acesso à moradia, o qual pressupõe as condições necessárias à sua obtenção, seja no regime de propriedade, seja no regime de locação.

O Senhor Ministro Marco Aurélio entendeu que o artigo 6º, da C.F., dá o mesmo tratamento ao direito de moradia e o direito ao trabalho, e que este último é mais relevante que o primeiro, pois é fonte de subsistência, e mesmo este está submetido a normas programáticas. Aludiu que a menção a moradia contida no dispositivo não encerra a proteção da propriedade. Votou no sentido da constitucionalidade do artigo 3º, da lei 8009-90.

O Senhor Ministro Celso de Mello entendeu que o direito a moradia é direito de segunda geração, relembrando que também é proclamado por declarações internacionais que o país subscreveu. Ressaltou a necessidade de defesa do patrimônio mínimo, da dignidade da pessoa humana, que são exigências ético-jurídicas e um dos objetivos fundamentais do Estado Social Brasileiro (Artigo 3º, Inciso I, C..F.). Relembrou, também, a situação absurda em alguns casos, de não ser possível o direito de regresso do fiador contra o devedor principal, por este só possuir o Bem de Família, que é impenhorável. Divergiu do voto do relator embasado no entendimento do ataque ao princípio da isonomia.

O Senhor Ministro Sepúlveda Pertence acompanhou o Relator ao entender que o problema de dar efetividade ao direito à moradia deve ser enfrentado através de prestações positivas do Estado e, também, na chamada eficácia horizontal,  nas relações privadas. Entendeu que a impenhorabilidade dificulta tal procedimento.

Por fim, o Senhor Ministro Nelson Jobim, com muito pragmatismo, relembrou o julgamento sobre a inconstitucionalidade de norma que limitava o salário-maternidade, onde o Tribunal decidiu contra, certo de que outra decisão inviabilizaria o mercado de trabalho da mulher, porque os empregadores não contratariam mulheres grávidas. Lembrou ainda da lei 1.300, de 1964, que acabou inviabilizando o crescimento imobiliário do período. Com esse entendimento, acompanhou o voto do Relator.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS.

 

 

            Ante o exposto, fica clara a divergência ainda presente sobre a constitucionalidade do Inciso VII, do artigo 3º, da lei 8.009, de 1990.

            Antes do julgamento do Recurso Extraordinário 407.688, o entendimento dominante era o da não-recepção do referido inciso pela Carta Magna. Havia, inclusive, precedente nesse sentido no S.T.F. (R. Ext. 352.940/SP e R. Ext. 449.657/SP, ambos conduzidos pelo Senhor Ex-Ministro Carlos Velloso).

            Porém, como visto, o julgamento não uniformizou a jurisprudência nem esgotou a controvérsia.

            E o motivo, por óbvio, decorre da natureza dos argumentos. Trata-se de direitos fundamentais. Trata-se do direito de moradia garantido constitucionalmente contra o fomento do mercado de locações de aluguéis, do direito de vida digna contra o direito de se contrair livremente um contrato, trata-se em último lugar do princípio da isonomia.

Além dos argumentos já citados neste trabalho, da jurisprudência ordinária, dos doutrinadores e dos Ministros do Excelso Pretório, cabe ainda, memorar VENOSA quando levanta a possível inconstitucionalidade da lei 8.009, com dúvida na sinceridade dos propósitos sociais da lei, que não distingue a moradia humilde e tosca do palacete luxuoso. Segundo o autor, “(...) em um primeiro enfoque, parece que a lei incentiva o calote e a fraude. De fato, permite-se que com facilidade suas disposições sejam utilizadas fraudulentamente.” (VENOSA, 2008, pág 385.)

Compartilham desse entendimento, os professores PABLO STOLZE e PAMPLONHA FILHO (2003). Em sua obra indagam que, na sua essência, a fiança é contrato meramente acessório e à luz do Direito Civil Constitucional – pois não há outra forma de pensar modernamente o Direito Civil – parece forçoso que o dispositivo de lei viola o princípio da isonomia, insculpido no artigo 5º, da C.F., uma vez que trata de forma desigual locatário e fiador, embora as obrigações de ambos tenham a mesma causa jurídica, o contrato de locação.

Parece-nos, sem nenhuma intenção de esgotar o tema e suas possibilidades, tratar-se do embate entre uma questão de justiça e uma questão de mercado.

Ou opta-se pela defesa daquele que é fiador e pode ver sua única moradia ser-lhe injustamente retirada ou preconiza-se a economia do país, protegendo o comércio interno e seu crescimento, priorizando o mercado de locações; mercado esse, muitas vezes, injusto. Livre concorrência e justiça são dois conceitos que não coexistem.

 

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

 

 

DAUDT, Simone Stabel. Aspectos da Penhora. Disponível em: http://www.tex.pro.br/wwwroot/01de2004/aspectosdapenhorasimone.htm#_Toc70742564. Acesso em 20 de maio de 2009.

 

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Volume 3. 23ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

 

FORTES, Nadabe Cardoso De Oliveira (Coord.). Manual de Metodologia Cientifica: uma orientação para acadêmicos. 2ª ed. Itumbiara, GO. 2004.

 

LEITE, Josué Ledra. Penhorabilidade do bem de família do fiador locatício. Disponível em <http://www.oab-sc.org.br/setores/comissoes/jovemadv/revista/josue23602.pdf>. Acesso em 23 mar. de 2009.

 

MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. Volume 5. 35ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

 

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Volume 4. 30ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

 

STOLZE, Pablo Gagliano; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: Parte Geral. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

 

VENOSA, Sílvio De Salvo. Direito Civil: Direito de Família. 8ª ed. São Paulo: Atlas, 2008.

 

VENOSA, Sílvio De Salvo. Direito Civil: Parte Geral. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2003.

 

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, Senado Federal, Centro Gráfico, 1988.

 

BRASIL. Decreto-Lei nº 10406, 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Diário Oficial da União, 11 de janeiro de 2002.

 

BRASIL. Decreto-Lei nº 8009, 29 de março de 1990. Dispõe sobre a Impenhorabilidade do Bem de Família. Diário Oficial da União, 29 de março de 1990.

 

BRASIL. Decreto-Lei nº 8245, 18 de outubro de 1991. Lei do Inquilinato. Diário Oficial da União, 21 de outubro de 1991.

 

 

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