Para fatos e costumes



Não disposto ao hoje, permito-me pensar no ontem – modo de passar o tempo –, quando no centro da cidade de Londrina, decidi por apreciar aquele tão frenético marasmo a que chamaram: expressão do progresso. Corpo meu – que, como toda carne, há de se fartar, razão do esforço – compele-me à procura, até onde vista alcança, de qualquer banco que me logo possa a fadiga descansar. Coloquei-me a caminhar em direção àquele único então desocupado. Vulto veio. Olhei. Parou e também olhou. Sentei-me. Velho rotineiro continuou a correr por entre o povo: corpos de lítico espírito mais que monumentos cuja suntuosidade, memorando-lhes o nome, cita-nos a vaidade dos mortais. Não era caso de chamar a polícia, nem era ladrão. Apenas um velho, uma rotina e um delírio de que caminhado se aproveita mais do tempo.

Quanto mais próximo ao horizonte daquela tarde o Sol dispunha-se, mais rápido aquele senhor se propunha caminhar. Mãos no bolso; às vezes as colocava na barriga, como que querendo protegê-la da cabeçada de alguma criança desatenta pelo calçadão. Suor escorrendo pelo pescoço como quem de auxiliar de pedreiro peleja com a vida. Tropeça no pé do guarda. Não coloca, antes, mete na boca e fuma aquele cigarro ainda não aceso. Tropeça em si; arrebenta o chinelo enquanto cai. De raiva, rola por sobre as flores; dá pirraça de menino; perde uma importância que o senhor do reciclável terá por achado – as mãos daquele furto levam ao bolso o jantar que a vida, sob as formas irracionais da fortuna, trouxe-lhe fácil: as almôndegas deixaram contentes teus oito filhos, dos quais dois são do incesto com a filha maior.

Conforme a tese de um tal Locke: espírito de homem feito de vício já não mais se educa. Antes, instituem-se leis; e por meio do exercício destas, os puni. Assim fez o guarda, quando, tomando pelo pescoço não aquele do reciclável, antes, o que destruía o jardim da praça pública, rezou a ordem e cumprimento da lei. Chutou de botina, bateu de porrete, chamou de fulano. Olhavam a cena os funcionários das lojas, a gravata do empresário indiferente. O motorista acidentado assistia calado; enquanto a mulher ao telefone público silencia o soluço do filho que chorava teu medo. Também ali via o pedestre sobre a faixa vazia – é em razão deste o acidente daquele motorista de há pouco. O marxista gritava; o filósofo, este menos via por mais pensar. Orava o teólogo, enquanto o capitalista aplaudia com a bíblia “vazia” – dentro há o “trízimo”.

O retrato da tia também via; aquele político estampado na primeira página do jornal – este parecia rir da toda a confusão –. Estupefatos comentam o ocorrido aquele homozigoto recessivo, os cavalos cansados do dia. A polícia que chega, o bebe que não veio. O cachorro no coito; do sorteio, a bola oito; e a costumeira infidelidade da mulher que hoje soubera fazer-se viúva. Só nada viu o passageiro do décimo primeiro, pois ocupava-se em colocar a mão na vulva da criança de quatro. O astronauta sentado na lua assistia a um programa de TV... e também ele viu tudo aquilo. Olhou para a vastidão sombria do Universo: “_ Ínfima humanidade! Esquecida em algum canto do cosmo, empenhou-se em fazer do mundo berço à nossa maldição”. Distante agora da Caixa de Pandora, pulou mais alto... e desapareceu... guiado por um cometa. Enfim.

Aqui no mundo, motorista ao lado, resolvi chamar a atenção – oportunismo à parte, cumprimentando-o, quem sabe uma carona –. Depois de ver e comentar, tomado de espanto, os indícios daquela cena extinta não por muito, deixou-me duas quadras de minha casa. Absorto, memorando a singular presença daquela pirraça em forma de homem, tropeço eu. De todos os males, faltou-me só o cigarro e a queda, que de chinelos também eu estava. Ora! Fim de tarde, mês de dezembro. Norte do Paraná ferve. Crime contra a pessoa humana: solstício de verão na região sul do mundo; e paletó para o momento em que o corpo padece a necessidade humana de alguma estúpida garantia de respeito. Enfim... costume por meio do qual espera-se a o homem compreender-se em posse de algum valor social: e para cada qual... um preço.

Chegando em casa, por desalento ainda entro; na porta, deixo fora as chaves que levei comigo, fecho e com aquelas da gaveta de meu escritório ei de trancá-la. Amanhã é certo que terei de comprar novos trincos e fechaduras. Quando na noite de ontem havia isto acontecido, ouvi o ladrão tomar para si as chaves minhas. Entrou, bebeu leite quente. Dançou como funk meus new ages. Levou o que bem quis: dois pares de meias, o controle remoto e meu Mathias Aires. Não mais esperto do que me pareceu demasiadamente atrevido, desejou evitar o perigo do muro: saiu pelo portão e cumprimentou o vigilante do bairro em sua moto que mais perturba por garantir o tranquilo sono destes homens assustados do mal que fazem a si. Porque sempre pareceu mais cômodo custear vigilantes que punir representantes desta falsa democracia.

E a culpa daquele roubo seria do vigilante se não fosse, ao menos em parte, minha. Que me lembrei de comprar bicho. Pensei, convicto: cachorro bravo! Mas levei leitão rosado. Justifico-me: não obstante eu achá-lo gracioso, porco assustado também faz barulho e não mata ninguém. Mas o meu calou-se. Bicho também tem traumas. Admitamos: em pais onde até o tábido se come, que suíno há de invocar a atenção humana? Cachorro só late onde não há chinês, tailandês, coreano… arrisco meu assaltante, que até rato comeu para sobreviver à nossa imortal indiferença. Solução? Termo a Humanidade; começar de novo! Contudo: sem corromper-se o homem por sua avareza; e que saibamos encontrar um meio tão eficaz quanto o modo atual de vida para continuarmos a exercer nossas capacidades intelectuais e físicas de produção.

Mas que o façamos isentos do risco da escravidão de uma existência vazia em meio à presença fria de cada ser quase humano que passa por mim em uma tarde entediante de domingo – dia dado ao cultivo de novas amizades e fortalecimento das já existentes. Mas festas de confraternização é quase luxo; e a maioria prefere andar vazio –. Caro leitor... por favor: nós temos prostituição e tráfico de mulheres, adolescentes e crianças! Como falar de amor ao próximo para uma sociedade que, aos poucos – pela pressa e urgência de dar mais atenção aos papéis por sobre a mesa que ao humilde “bom dia!” do filho – não apenas insiste em não mais saber amar, sobretudo: faz do amor que se traz no peito uma sensação estranha à alma!? Enfim. Acho mesmo que estou ficando velho... e o tempo que me surge aduz seres nos quais já não mais me reconheço.

E não muito raro vejo ofício converter-se em obrigação: assumir como seu – e quase que exclusivamente seu – o mal todos. Muitos adoecem, gastam com remédios quase todo o do mês. Perdem o gosto pelo ofício: um processo de interiorização de uma culpa coletiva; sobretudo daqueles que nos governam por nos representar... quando, na maioria do casos, roubam o fôlego material deste país à custa da miséria, da dor, da angústia e da perda, da fome e da morte da maioria do seu povo, que sustenta e faz parecer vivo este maldito sistema que, como um demônio e absurda voracidade, se alimenta de cada um de nós... derivando-nos da modesta aparição da morte o pálido descanso da vida. Como se das vestes sobre a pele dependesse a dignidade do meu nome. E do bronze sobre a carne o respeito à minha dor. Enfim...

 

Autor: David Guarniery

Idade: 26 anos

Início: 02:32

Término: 03:00

Temo Gasto: 28 minutos

Dia: Sábado

Data 05 de março de 2012

Classificação: Crônica Lírico-Filosófica

Obra: Metáforas da Liberdade

In Memoriam:

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Brasil/ Paraná/ Cambé


Autor: David Guarniery


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Líder E O Grêmio Estudantil

Professor De Filosofia