Merkel, a China e nós



por Romeo Orlandi*

O coro contra Angela Merkel arrisca tornar-se desafinado. Muitas, demasiadas gargantas cantam a mesma canção: o motivo é válido, mas não é uma voz comum. Prevalece o mesmo refrão que se transforma num mantra: o crescimento é melhor do que rigor, Keynes é mais útil que Friedman, Washington é mais à esquerda que Berlim. É tudo verdade, mas é previsível, fácil, cómodo. Ângela Merkel não é a dona de casa obstinada que é retratada, o exemplo de uma obtusidade alemã que não se dobra a novos cenários. Pelo contrário, representa os interesses que têm a dignidade das ideias que os sustentam. Muito provávelmente estes são errados, ineficazes e contraproducentes.
A Chanceler merece as críticas que lhe são dirigidas. A sua visão rígida, deixa-a sozinha, em minoria até no seu país. Não é o terror de Weimer que a inspira, quando um moralismo é conjugado com a desconfiança. Raciocina como contador, enquanto o mundo tem necessidade de visão. Um país tão grande não deve confinar em iludir os próprios méritos, desconsiderando as fraquezas dos outros. A Kanzlerin parece não compreender que o bem da Europa - incluindo a Grécia - é a Alemanha, que um país virtuoso não pode resistir sem salvar os vizinhos que naufragam. Não pode entrincheirar-se na diversidade, enquanto os bancos alemães, as empresas, os investidores precisam de um mundo não apenas regrado, mas também em marcha. Onde iriam acabar de outra forma os seus bens e o seu capital?
No entanto, não há apenas rigor na política de Merkel. Nem todas as críticas que a atingem são justificadas. Antes de mais ter uma economia saudável é um mérito, não uma fonte de inveja. Enquanto a produção se encontra perturbada no Oriente, a Alemanha continua a ser um grande país manufatureiro. A China torna-se no primeiro exportador do mundo, mas Berlim continua a expedir produtos de qualidade em relação a Pequim.
O Dragão invade o mundo com suas mercadorias, mas a Alemanha gaba-se de um superávit comercial com a China. Contemporaneamente, a Volkswagen produz mais automóveis em Xangai do que em Stuttgart. A fórmula é aparentemente simples: basta produzir melhor da China. Estão para trás décadas de política industrial, onde as grandes empresas se modernizaram e acumularam lucros. Foram úteis as reformas no mercado de trabalho, com a participação de empregadores e dos sindicatos, sob a direção de um governo sério e eficiente. Beneficiaram de financiamento para a investigação, a transferência inteligente de produtos na Europa Oriental, a consolidação de um regime democrático. Tudo isto, é obviamente mérito da Alemanha e não de Ângela Merkel. Noutros países da Europa a política industrial foi cancelada, a educação penalizado, a contabilidade viciada. A economia crescia com o débito público e o talão imobiliário, o populismo afirmava-se raiando o fascismo. Alemanha deve ajudar esta Europa? Sim, se não o fizesse seria egoísta e suicida. Tem esta Europa o direito de pedir ajuda à Alemanha? Nem sempre e somente sob certas condições. Alemanha propõe um imposto sobre transferências financeiras, que deve atingir o mundo anglo-saxão e um dos fundamentos do liberalismo. A esfera política poderia assumir uma séria responsabilidade, desafiando a omnipotência dos mercados e dando oxigénio para os cofres dos estados. Contudo a proposta estagna.
Berlim propõe um reforço das instituições europeias às quais cederá parcelas da soberania nacional. "Mais Europa" seria um antídoto possível para o topo inconclusivo que causa a arquitetura atual. A Grécia foi condenada por si só, pela visão míope de Merkel que a sacrificou nas eleições regionais do seu país, pelas covardes instituições europeias. Bruxelas poderia ter um papel mais forte, sem ser bloqueada por interesses nacionais. São estas últimas a suspender qualquer progresso. Seria necessário redistribuir o peso, mas qualquer mudança daria espaço a Berlim subtraindo-o a Paris e Londres.
Este é o verdadeiro âmago: a resistência anglo-francesa de reconhecer que o conflito terminou há quase 70 anos atrás e que um interminável pós guerra parece chegar ao fim. Nós pedimos - justamente - para a Alemanha assumir maiores responsabilidades, mas sem conferir os poderes que a sua dimensão justifica. O país é economicamente necessário, mas ainda não foram concedidos os instrumentos políticos, institucionais e obviamente militares que seriam necessários para intervir. Invoca generosidade para fugir da emergência, não para rever os mecanismos a que a emergência conduziu. Neste contexto, a miopia da Chanceler encontra argumentos para a sua defesa, mas que não a absolvem. Ela insiste em não entender que o rigor não é antagónico ao desenvolvimento, mas apenas a sua premissa. Ela transformou-se num totem de segunda mão, mas seria melhor usá-lo como um trampolim. Precisamos torná-la mais maleável, sem no entanto lamentar a inflação, o débito público, a finança criativa.

 *Presidente do Comité Científico de Osservatorio Asia

14 de Junho de 2012


Autor: Osservatorio Asia


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