Conciliar, Na Prática Jurídica Atual, é Ilegal



CONCILIAR, NA PRÁTICA JURÍDICA ATUAL, é ILEGAL.

Mariana Pretel e PRETEL*

INTRODUÇÃO

O presente estudo procura analisar os aspectos atuais pertinentes à Audiência de Preliminar ou de Tentativa de Conciliação (artigo 331 do Código de Processo Civil), em especial, relevando-se que os acordos realizados, na maioria das vezes, visam apenas a "desafogar" o poder judiciário e não a satisfazer os interesses envolvidos no litígio, gerando, no mais das vezes, um outro (ou mais) conflitos.

BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A AUDIÊNCIA DO ARTIGO 331, CPC

Determina o artigo 331 do Código de Processo Civil que, em sede de direitos que admitam transação, o juiz designará audiência preliminar, a se realizar no prazo de 30 (trinta) dias, na qual, deverão comparecer as partes ou seus procuradores com poderes para transigir.

Trata-se, em suma, de uma audiência com o objetivo primordial de tentar a composição amigável das partes, sendo que, não ocorrendo, será o feito preparado para a fase instrutória, com a fixação dos pontos controvertidos, a decisão das questões processuais pendentes e a determinação das provas a serem produzidas, além da designação da audiência de instrução e julgamento.

São pressupostos para a sua realização que sejam os direitos transigíveis e que o juiz constate a inexistência de circunstância que evidencie a improbabilidade da obtenção da transação.

CONCEITO DE CONCILIAÇÃO. A CONCILIAÇÃO NA PRÁTICA JURÍDICA ATUAL

Segundo o Aurélio, a conciliação consiste no ato ou efeito de se conciliar, na harmonização dos litigantes.

E, segundo De Plácido e Silva (1993, p. 487), entende-se "o ato pelo qual duas ou mais pessoas desavindas a respeito de certo negócio, ponham fim à divergência amigavelmente".

Trata-se, em verdade, de uma forma de heterocomposição, dependente da intervenção de um terceiro conciliador, junto aos litigantes, com o intuito de levá-los à autocomposição.

No transcurso de um processo, a conciliação, geralmente, é presidida por juiz, muito embora, em algumas localidades, haja a figura do conciliador.

Em tese, a conciliação seria uma forma eficaz de resolução de litígios, uma vez que resulta da vontade das partes e, ao mesmo tempo, reduz o custo e a duração do processo.

Nas palavras de Antônio Carlos Marcato (2004, p. 987):

A importância da conciliação fica evidenciada quando se considera que ela, além de resultar da vontade das partes – dispensando, assim, a intervenção direta e impositiva do Estado-juiz na resolução do conflito levado a debate judicial, também atua como causa eficiente de redução do custo financeiro e do tempo de duração no processo.

Ocorre que, na realidade prática atual, vigora a máxima de que "mais vale um péssimo acordo do que uma ótima demanda", sendo que, na maioria das vezes, ao realizar um acordo, as pessoas não ficam, de modo algum satisfeitas, abrindo mão de grande parcela de seus direitos, por medo ou receio dos trâmites do judiciário ou em razão de certa "coação" exercida pela figura do conciliador.

A intenção de conciliação sempre é boa (tanto que sob o slogan "Conciliar é legal" tem sido realizada uma mobilização no sentido de promover a conciliação como a melhor solução para o encerramento do processo). Ocorre que, o modo pelo qual esta é realizada não é satisfatório. Pessoas não capacitadas ou juízes atolados de processo, quando da realização da audiência do artigo 331 do Código de Processo Civil, não possuem sequer, conhecimento do feito em andamento ou das necessidades das partes. As mazelas encontradas na atual estrutura do Poder Judiciário não permitem que a conciliação seja vista, por grande parte dos estudiosos do direito, com bons olhos.

O acordo é tentado como uma forma de encerramento precoce do processo, diminuindo a demanda do judiciário, não se atentando que, em grande parte dos casos, o eventual acordo formulado pode gerar mais insatisfação para os litigantes e, conseqüentemente, uma nova ação.

A mudança comportamental dos agentes da Justiça, com um judiciário mais acessível e eficiente, prometida pelo movimento "Conciliar é legal" ainda não ocorreu. E para que possa ser verificada, mister que seja iniciada uma alteração estrutural no próprio judiciário. Todos os operadores de direito devem ter o entendimento de que a conciliação é sim o melhor caminho para a pacificação social, mas desde que promova, efetivamente, a pacificação com justiça. Os conciliadores devem atuar com o objetivo de realmente apaziguar as partes envolvidas na relação jurídica processual. Para a existência de um acordo, devem ser analisadas todas as nuances do caso concreto, os reais objetivos das partes.

A doutrinadora Roberta Pappen da Silva (2004) acentua alguns parâmetros sobre a postura que deve ser adotada pelo conciliador, por ocasião da realização da audiência de tentativa de conciliação:

(...) O conciliador que conduz a audiência deve manter uma postura condizente e disciplinar, para o bom andamento do feito. (...) Tanto o conciliador como a pessoa que o acompanha na concretização da audiência deve evitar comentários sobre o processo em andamento, passíveis de alguma conclusão antecipada por parte dos litigantes. (...) Enfim, deve se ter ciência de que as partes estão vindo para solucionar um litígio, mas, por detrás deste, há muito mais detalhes. Pode haver: desconfianças mútuas, rivalidade, birras, entre outros. O conciliador deve, no espaço de tempo que possui, tentar descobrir, apaziguar e resolver o litígio que envolve as partes. Presentes as partes, deverá o conciliador, após inteirar-se a respeito do pedido, dedicar-se afinco na aproximação das partes para a busca da conciliação.

Em resumo, pode se dispor que o conciliador deve estar plenamente ciente das questões discutidas no processo em andamento, das razões de cada uma das partes e que, sua missão é, com empenho e boa técnica, respeitando os litigantes, tentar a realização de um acordo satisfatório. Não deve criar vinculações nem juízos de valor. Não deve, ainda que de forma velada, ameaçar as partes com os riscos da demanda.

CONCLUSÃO

Ora, de uma simples análise de tudo o que fora exposto, não é difícil se concluir que, na prática, a conciliação realizada no processo civil se encontra completamente desvirtuada de seus fins.

O instituto está desprestigiado, em razão da atuação errônea dos conciliadores que, visam apenas encerrar mais um processo e não realizar um acordo que realmente satisfaça os litigantes.

Os agentes do Poder Judiciário, em razão da própria estrutura deste (com processos em demasia, falta de pessoal, entre outros problemas já deveras conhecidos pelos operadores do direito), não têm cumprido o mister de se aprofundar nas questões da demanda e nas razões de cada uma das partes antes da tentativa de realização do acordo. Em verdade, na maioria dos casos práticos, não há um empenho em pacificar com justiça, mas uma tentativa insistente de encerrar o processo, ainda que culmine na realização de um acordo contrário da vontade das partes.

Tal qual afirmado, a intenção do movimento "Conciliar é Legal" é ótima, posto que, estimular a conciliação é encontrar soluções promovidas pelas próprias partes, evitando imposições pelo Estado-juiz, mas, a prática não revela resultados satisfatórios, sendo que, nos dias atuais, consoante o cotidiano forense, não seria exagero afirmar que "Conciliar é ilegal".

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

MARCATO, Antônio Carlos. et al. Código de Processo Civil Interpretado. São Paulo: Atlas, 2004.

NEGRÃO, Theotonio e GOUVÊA, José Roberto Ferreira. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. 37. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE SERGIPE. Movimento "Conciliar é legal". Sergipe, 2006. Disponível em http://www.jfse.gov.br/noticiasbusca/noticias_2006/novembro/conciliar.htm. Acesso em 03.mar.08.

SILVA, Roberta Pappen da. A Audiência de Conciliação no Juizado Especial Cível. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 402, 13 ago. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5590. Acesso em 03.mar.08.

SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Vol I. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993.


Autor: Mariana Pretel


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