Do contrato no código civil



DO CONTRATO NO CÓDIGO CIVIL 

1.1  Considerações Iniciais 

Inserido em sociedade, o homem teve como parte de seu processo evolutivo o aprendizado sobre a negociação, inicialmente para a organização social, e posteriormente com relação a situações simples de seu dia a dia, como por exemplo, o acordo sobre local de morada ou mesmo a troca de produtos e artefatos.

Uma vez que a sociedade transformou-se aos poucos, as negociatas a acompanharam, tornando-se cada vez mais complexas e dependentes de inúmeras outras questões de mercado e cultura inclusive, e a partir dai, surge a necessidade de vincular a pactuação à normas de conduta.

Dessa forma, o que o Direito chama de contrato, passou a ser regido por leis que o instituíram como fato jurídico decorrente da ação humana, cujas preleções são delimitadas pela norma em sentido amplo, e mais restritamente pela lei, pelos princípios e pelos costumes sociais.

Assim sendo, passa a ser uma realidade jurídica civil, o dever de dispor regras e ditames específicos que satisfatoriamente atuem desde a conceituação do instituto, de suas características e de seus elementos, até as sanções pelo descumprimento da obrigação pactuada.

Portanto, passa-se a expor o contrato civil por linhas gerais que se adéquam a qualquer tipo de contrato, pois trata-se aqui, de um estudo sem espeficidades de um tipo contratual, mas sim de uma análise do regimento universal do instituto para o Direito Civil Brasileiro.

 

1.2   Conceituação

 


 

A ciência jurídica, em análise ao fato da negociação existente como prática de mercado determinou que nas ocasiões de sua ocorrência, forma-se o que se denomina contrato, ou seja, em qualquer relação jurídica que expresse a vontade das partes em contratar, atendendo aos requisitos de possuir agente capaz, objeto lícito determinado ou determinável e forma não prescrita ou defesa em lei, conforme legislação civil vigente, em seu artigo 104, bem como à função social prevista constitucionalmente, tem-se que se firmou contrato.

 

Portanto, à vista do exposto, poderíamos, sem prejuízo da definição supra apresentada, e já sob uma perspectiva mais estrutural, reconceituarmos o contrato genericamente, como sendo um negócio jurídico por meio do qual as partes, visando atingir determinados interesses patrimoniais, convergem suas vontades, criando um dever jurídico principal (de dar, fazer ou não fazer), e, bem assim, deveres jurídicos anexos, decorrentes da boa-fé objetiva e do superior princípio da função social.[1] (grifos do autor)

 

Neste diapasão, há que se considerar que o Direito Civil traz em sua parte geral de estudo as conceituações de fato, ato e negócio jurídico, que influenciam diretamente nas relações contratuais estabelecidas entre os entes de direito que possam se cruzar dentro de uma relação jurídica, e sendo assim, entende-se por fato, a circunstância cível que existe sem nenhuma intenção de que lhe sejam atribuídas conseqüências jurídicas ou ainda circunstâncias naturais que podem gerar juridicidade em igual teor; por ato, o direito determina as situações em que as partes expressam a vontade em que o evento aconteça, porém sem intentar que existam efeitos jurídicos; e por fim, o negócio jurídico, como fonte do contrato, que emana da vontade das partes em efetuar transação bem como que ocorram implicações jurídicas sobre a relação formada.

São fatos jurídicos todos os acontecimentos, eventos que, de forma direta ou indireta acarretam efeito jurídico. Nesse contexto, admitimos a existência de fatos jurídicos em geral, em sentido amplo, que compreendem tanto os fatos naturais, sem interferência do homem, como os fatos humanos, relacionados com a vontade humana.[2]

 

Partindo-se então do pressuposto de que os contratos são originários da negociação e da vontade dos negociantes em se estabelecer obrigações recíprocas, o contrato em termos jurídicos pode existir com ou sem formalidade, bem como com ou sem solenidades, e aqui se insere a diferenciação entre o contrato propriamente dito e o instrumento contratual.

 

Existe, pois, o dano, quando a obrigação é descumprida. Esse dano poderá ser reparável, por uma indenização, ou não, dependendo de suas circunstâncias de ocorrência. O dano é um prejuízo, uma diminuição patrimonial sofrida pelo agente. Pode decorrer de um ato do próprio agente, de terceiro ou simplesmente de um fato natural.[3]

 

 

O simples fato de haver qualquer pactuação de comum acordo entre dois ou mais entes jurídicos determina a formação do contrato com a atribuição obrigacional, porém existe maior segurança jurídica quando para o contrato existe seu respectivo instrumento com as especificidades da negociação necessárias ao seu fiel cumprimento, assim como para eventual discussão judicial em execução de título ou a transformação da obrigação em indenização, considerando-se neste caso, a questão de culpa do inadimplente.

 

Os contratos solenes ou formais consistem naqueles para os quais a lei prescreve, para a sua celebração, forma especial que lhes dará existência, de tal sorte que, se o negócio for levado a efeito sem a observância da forma legal, não terá validade. Ser-lhes-á, portanto, insuficiente o simples encontro de duas ou mais vontades, pois será  mister que a exteriorização do acordo se processe por meio de formas estabelecidas pela lei, por serem requisitos essenciais à sua validade (...).[4]

 

 

Complementando ainda a questão de efeitos contratuais, é de suma importância que se considere o objeto do contrato, haja vista que se tal objeto está ligado a direitos personalíssimos, a obrigação só poderá ser reclamada para a pessoa que contratou, tendo-se a determinação das partes, inexistindo direito de buscar a coisa, e desta forma, vive o efeito entre as partes.

Aqui se estabelece que o contrato é portanto, a vontade de negociação com efetivo estabelecimento de obrigações, atendendo ao disposto em lei, podendo ou não ser acompanhado de instrumento contratual, com ou sem solenidades.

 

1.3  Formação do Contrato

 

 

Toda e qualquer situação independentemente de ser jurídica ou não, exige a ocorrência de um fato gerador que a inicie, da centelha de ignição, e sendo assim, a relação negocial que leva ao contrato, pode ter seu princípio com a oferta ou proposta direcionada do proponente ao oblato, na qual ficam explicitadas as características da coisa que será objeto do contrato seguida da adesão ou da negociação preliminar, ou o seu inverso de ordem, sendo negociação preliminar seguida da oferta.

 

 

Está, portanto, formado o contrato desde que as partes façam coincidir as suas vontades em um mesmo ponto e para a obtenção de certos efeitos. Não nasce ele, entretanto, todo pronto, como Minerva armada da cabeça de Júpiter. É ao revés, o resultado, de uma série de momentos ou fases, que às vezes se interpenetram, mas que em detida análise perfeitamente se destacam: negociações preliminares, proposta, aceitação.[5]

 

 

Resta assim, duas maneiras de se começar a formação do contrato convencional, todavia, de forma desvinculada ambas trazem consequências jurídicas, de forma que a negociação preliminar, apesar de representar apenas o início da transação, gera expectativas de direito, podendo haver responsabilização de qualquer das partes que cause dano à outra, pela ação ou omissão acoplada à obrigação contratual em construção, obviamente considerado o nexo causal; e para os casos de oferta, esta terá caráter de obrigatoriedade de cumprimento; se feita por pessoa presente sem concessão de prazo; se feita com pessoa ausente e estabelecimento de prazo razoável; se não houver resposta dentro do prazo pactuado ou ainda se houver retratação válida da oferta.

Neste sentido tem-se que quando a oferta representar a primeira fase de formação negocial, à adesão ou negociação preliminar, importam na segunda fase de formação, mas se ao inverso for, a negociação se torna a primeira fase e a oferta a segunda fase de concepção do pacto, seguindo-se então a terceira etapa que consiste na aceitação, que se subdivide em expressa ou tácita.

A aceitação expressa é a mais comum na praxe social, e se firma na idéia de que oblato e policitante acordaram sobre as condições do contrato e com palavras escritas ou faladas ou mesmo gestos efetuam a aceitação do pacto.

 

 

O silêncio pode ser interpretado como manifestação tácita da vontade quando as circunstâncias ou os usos o autorizem, e não for necessária a declaração de vontade expressa (CC, art. 111), e, também, quando a lei o autorizar, como nos arts. 539 (doação pura), 512 (venda a contento), 432 (praxe comercial) etc., ou, ainda, quando tal efeito ficar convencionado em um pré-contrato. Nesses casos o silêncio é considerado circunstancial ou qualificado (v., a propósito, no v. 1 desta obra, Elementos do negócio jurídico, item 7.1.1 – O silêncio como manifestação de vontade).[6] (grifos do autor)

 

 

A aceitação tácita por sua vez, se apresenta com possibilidade de existência, todavia, com ressalvas de suma importância, pois o direito não admite a simples aplicabilidade do jargão ‘quem cala consente’, não se validando o contrato portanto, apenas com inércia de uma das partes, sem aceitar ou negar o pacto.

Dessa forma, a aceitação tácita deve ser analisada conforme o caso concreto, para que se possa estabelecer então o que a doutrina denomina como silêncio qualificado, que nada mais é do que atitude de aceitação ainda que não tenha havido nenhuma manifestação falada, escrita ou gestual.

 

Um contrato válido e eficaz deve ser cumprido pelas partes: pacta sunt servanda. O acordo de vontades faz lei entre as partes, dicção que não pode ser tomada de forma peremptória, aliás, como tudo no Direito. Sempre haverá temperamentos que por vezes conflitam, ainda que aparentemente, com a segurança jurídica.[7] (grifos do autor)

 

 

Cumpridas as três fases de formação contratual, tem-se o pacto firmado e o estabelecimento de obrigações entre os contratantes, e principalmente a vigência do instituto ‘pacta sunt servanda’, conforme alhures dito.

 

 

1.4   Classificação dos Contratos

 

Formados os contratos, inicia-se a análise classificatória deste instituto jurídico, estabelecendo-se as características e especificidades de cada um para que se possa caracterizar também sua forma de adimplemento e suas respectivas condições, termos e encargos.

 

A classificação é um procedimento lógico, por meio do qual, estabelecido um ângulo de observação, o analista encara um fenômeno determinado, grupando suas várias espécies conforme se aproximem ou se afastem umas das outras, Sua finalidade é acentuar as semelhanças e dessemelhanças entre as múltiplas espécies, de maneira a facilitar a inteligência do problema do estudo.[8]

 

Classificar é assim, uma forma de identificar o contrato, de modo que o operador do direito possa distinguir seus efeitos quando do seu fazimento ou de sua interpretação, de modo a beneficiar as partes ou simplesmente fazer valer a obrigação pactuada e tornar possível o seu adimplemento por vias judiciais ou extrajudiciais.

Neste sentido, os contratos podem ser uni ou bilaterais, e sendo bilaterais podem ser comutativos ou aleatórios; gratuitos ou onerosos; típicos ou atípicos; principais ou acessórios; de execução instantânea, diferida ou de trato sucessivo; de adesão ou paritários; consensuais ou reais; solenes ou não solenes e formais ou não formais; cada qual com determinada significância e implicação obrigacional próprias, formando assim consequências jurídicas diferenciadas.

 

Quanto aos seus efeitos, os contratos poderão ser: 1º) unilaterais, se um dos contratantes assumir obrigações em face do outro, de tal sorte que os efeitos são ativos de um lado e passivos do outro, pois uma das partes não se obrigará, não havendo, portanto, qualquer contraprestação. (...) 2º) bilaterais, em que cada um dos contraentes é simultânea e reciprocamente credor e devedor do outro, por produz direitos e obrigações para ambos, tendo por característica o sinalagma, ou seja, a dependência recíproca de obrigações; daí serem também denominados contratos sinalagmáticos.[9] (grifos do autor)

 

Contratos unilaterais formam-se por pelo menos duas pessoas, haja vista a impossibilidade de qualquer indivíduo em contratar e estabelecer e exigir obrigações de si próprio, sendo, deste modo, aqueles que ainda que compostos por duas ou mais partes, oneram apenas uma das partes contratantes, ou seja, gratuitos. Contratos bilaterais, por sua vez, estabelecem prestação e contra prestação, implicando em obrigações recíprocas, tornando-se onerosos a todas as partes contratantes, bem como determinando a existência do instituto ‘exceptio non adimpleti contractus’[10], traduzida como exceção de contrato não cumprido, como forma de atribuir maior segurança jurídica aos contratos em que as obrigações podem ser exigidas simultaneamente, em que pese a existências de pactos que não definem simultaneidade, ou ainda, trazem ou não, termo para cumprimento sucessivo das partes, casos em que essa defesa perde sua validade.

 

Nos contratos bilaterais ambas as partes têm direitos e deveres. O fato de um volume maior de deveres estar carreado apenas a uma das partes não retira sua natureza bilateral, Há intercedência de deveres, claramente percebida na compra e venda e na locação por exemplo. A exceptio, exceção de contrato não cumprido, só tem aplicabilidade nos contratos dessa espécie, Não é admitida nos contratos unilaterais, porque todo o peso do contrato onera só uma das partes. Esta tem a exigir da outra.[11] (grifos do autor)

 

Nos casos em que a obrigação não é adimplida por completo, fica resguardado o direito do lesado pela             exceção de contrato não cumprido cujo fundamento é o mesmo da exceção de contrato não cumprido, porém aplicada a contratos parcialmente não adimplidos, visando sempre a boa-fé que rege o direito brasileiro conjuntamente com outros princípios fundamentais.

O ordinário quando se estabelece uma relação jurídica contratual é que ambas as partes experimentem benefícios e deveres. Assim, os efeitos da avença deve ser sentidos entre os contratantes da forma como fora pactuada (v.g., na compra e venda, o comprador tem de pagar o preço e o vendedor entregar a coisa). Para que possam obter proveitos desejados (no mesmo exemplo, o comprador receber a coisa e o vendedor embolsar o preço). Nessa situação, quando a um benefício recebido corresponder um sacrifício patrimonial, fala-se em contrato oneroso. Quando porém, fica estabelecido que somente uma das partes auferirá benefício, enquanto a outra arcará com toda obrigação, fala-se em contrato gratuito ou benéfico. É o caso típico, por exemplo da doação pura (sem encargo) e do comodato.[12] (grifos do autor)

 

Contratos bilaterais e onerosos podem ser ainda, comutativos ou aleatórios, atribuindo equilíbrio e simetria de prestações entre as partes para o primeiro, e risco na contratação, para o segundo, que se atém a sorte para que a parte que lhe cabe a ser recebida possa realmente ser adimplida e quitada à obrigação.

 

Comutativos são os de prestação certas e determinadas. As partes podem antever as vantagens e os sacrifícios, que geralmente se equivalem, decorrentes de sua celebração, porque não envolvem nenhum risco. Contrato aleatório é o bilateral e oneroso em que pelo menos um dos contraentes não pode antever a vantagem que receberá, em troca da prestação fornecida. Caracteriza-se ao contrário do comutativo, pela incerteza, para as duas partes, sobre as vantagens e sacrifícios que dele podem advir. É que a perda ou lucro dependem de um fato futuro e imprevisível. [13]  (grifos do autor)

 

Não há dúvidas sobre contratos comutativos, situação que não se repete para contratos aleatórios, pois o interprete pode misturá-los e confundi-los com contratos que contém cláusulas condicionantes. O primeiro tem por base a incerteza do cumprimento da obrigação, e o segundo nada mais é do que a dependência de determinado evento para que haja o pagamento da obrigação, ou seja, advindo a realização da condição, a obrigação a acompanha.

Quando as obrigações se equivalem, conhecendo os contratantes, ab initio, as suas respectivas prestações, como por exemplo, na compra e venda ou no contrato individual de emprego, fala-se em um contrato comutativo. Já quando a obrigação de uma da partes somente puder ser exigida em função de coisas ou de fatos futuros, cujo risco da não-ocorrência for assumido pelo outro contratante, fala-se em contrato aleatório ou de esperança, previsto nos arts. 458/461, como é o caso, por exemplo dos contratos de seguro, jogo e aposta, bem como o contrato de constituição de renda.[14] (grifos do autor)

 

A doutrina atribui, os contratos onerosos como contratos típicos, aqueles que a sociedade já estabeleceu como usuais e a legislação os reconheceu em seu texto, de forma a dar-lhes características jurídicas positivadas bem como regimento legal, e em sua oposição contratos atípicos são aqueles que não têm previsão legal e ainda assim acontecem e geram efeitos jurídicos de fato.

A distinção entre contratos principais e acessórios encontra justificativa no princípio geral de que o acessório segue o principal. Em conseqüência: a) nulo o contrato principal, nulo será também o negócio acessório; a recíproca, todavia, não é verdadeira (CC, art. 184); b) a prescrição da pretensão concernente à obrigação principal acarretará a da relativa às acessórias, embora a recíproca também não seja verdadeira; desse modo, a prescrição da pretensão a direitos acessórios não atinge a do direito principal.[15]

 

Têm-se ainda contratos principais, que existem sem necessidade de qualquer outro contrato, e contratos acessórios, que se prendem a outro contrato principal ou acessório; contratos de execução instantânea nos quais prestação e contra-prestação são imediatas, de execução diferida, dependendo de termo ou condição para que se cumpra e de trato sucessivo, com prestação e/ou contra prestação parceladas, fracionadas.

 

Na hipótese de as partes estarem em iguais condições de negociação, estabelecendo livremente as cláusulas contratuais, na fase de puntuação, fala-se na existência de um certo contrato paritário, diferentemente do contrato de adesão, que pode ser conceituado simplesmente como contrato onde um dos pactuantes predetermina (ou seja, impõe) as cláusulas do negócio jurídico Trata-se de um fenômeno típico das sociedades de consumo, que não mais prescindem por inegáveis razões econômicas, das técnicas de contratação em massa.[16] (grifos do autor)

 

Podem ser classificados também como contratos de adesão, confeccionados por apenas uma das partes, e subscrito pela outra sem qualquer discussão acerca de suas cláusulas, utilizado como contrato de massa, intuindo agilizar os processos de contratação, e geralmente repleto de abusividade; ou como contratos paritários, nos quais há negociação e acordo entre as partes acerca do que conteúdo contratual, com relação a valores, objeto, termos, condições e consequências jurídicas.

Uma vez que o direito se difere quanto a questões consensuais e reais, não poderia ser diferente no que tange aos institutos contratuais em sua classificação, e desta feita, aqueles contratos que se firmam apenas na vontade das partes ao pontuarem o acordo, são denominados contratos consensuais, e aqueles que se vinculam a tradição da coisa, contratos reais, pelo próprio objeto de pacto, e aqui se cumulam as questões de formalidade e solenidade. Neste sentido Maria Helena Diniz traz que contratos consensuais classificam-se também, por sua forma, como ‘contratos não-solenes que perfazem pela simples anuência das partes, contratos reais como aqueles “que apenas se ultimam com a entrega da coisa, feita por um contraente a outro”, e por contratos solenes ou formais aqueles “para os quais a lei prescreve, para a sua celebração, forma especial que lhes dará existência, de tal sorte que se o negócio for levado a efeito sem a observância da forma legal, não terá validade”.[17]

Tem-se assim que, o contrato sempre cumula mais de uma característica de classificação, salientando que determinadas características por estarem em completa oposição não serão encontradas simultaneamente em um mesmo contrato ou pacto, e por isso atuam como fonte de interpretação do contrato no sentido de definir como, quando, onde e o que deve ser adimplido como obrigação estabelecida entre as partes.

 

1.5  Princípios do Direito Contratual

 

 

1.5.1 Princípio da Autonomia de Vontade

 

Trata o princípio da autonomia de vontade, da liberdade que as partes têm em contratar ou não contratar, com possibilidade de escolha acerca de com quem se quer contratar e de sujeição do conteúdo do contrato, de sorte que aquele que decide contratar, expressa a literalidade de semântica do verbo querer.

 

Em tese, a vontade contratual somente sofre limitação perante uma norma de ordem pública. Na prática, existem imposições econômicas que dirigem essa vontade. No entanto, a interferência do Estado na relação contratual privada mostra-se crescente e progressiva. Note que já mencionamos no capítulo anterior o sentido do art. 421 do Código de 2002 que dispõe que “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”.[18] (grifos do autor)

 

Obviamente que atrelados as determinações legais, aqueles que por força de sua vontade decidem pactuar desejos ancorados em obrigações a serem cumpridas, se limitam a codificação e positivação das normas previstas no direito brasileiro, como configuração de padrões pré-determinados e requisitos a serem cumpridos para que tal contrato permaneça em total validade e possibilidade de execução sem que esteja eivado de quaisquer vícios.

Ainda corroborando com tais determinações legais, a ordem pública e os bons costumes surgem como norteadores do princípio da autonomia de vontade, direcionando-a principalmente ao atendimento preliminar do disposto em lei e das questões éticas que possam envolver o negócio jurídico.

Com esta acepção, resta o entendimento de bons costumes, por valores éticos e morais, definidos pelo ambiente sócio-cultural e praticados por costume, incorporados ao contexto contratual, e por ordem pública, tudo o que a lei determina como matéria cujo interesse público se sobrepõe ao interesse pessoal das partes contratantes.

 

1.5.2 Princípio da Força Obrigatória ou Vinculante dos Contratos

 

O princípio da força obrigatória dos contratos se concentra basicamente no pressuposto de que uma vez diante da vontade das partes em contratar e comum acordo quanto as cláusulas estabelecidas no que tange ao local do pagamento, a quem pagar de que forma pagar, quais são as prestações e as contra prestações, entre outros tópicos que envolverem a negociação, este contrato faz lei entre as partes, devendo ser cumprido em sua integralidade, fazendo-se ressaltar o instituto já mencionado ‘pacta sunt servanda’.

 

O princípio da força vinculante das convenções consagra a idéia de que o contrato, uma vez obedecidos os requisitos legais, torna-se obrigatório entre as partes, que dele não se podem desligar senão por outra avença, em tal sentido. Isto é, o contrato vai consistir uma espécie de lei privada entre as partes, adquirindo força vinculante igual à do preceito legislativo, pois vem munido de uma sanção que decorre da norma legal, representada pela possibilidade de execução patrimonial do devedor. Pacta sunt servanda.[19] (grifos do autor)

 

Neste sentido, a forma de se conseguir modificação é pela vontade das partes ao passo que como criadora do pacto, apenas ela possui legitimidade para construir tal alteração ou mesmo extinguir o contrato, obviamente que considerando-se os casos em que a própria lei determina que deva haver mutação ou extinção do pacto.

 

Em uma época como a atual, em que os contratos paritários cedem lugar aos contratos de adesão, o pacta sunt servanda ganhou um matiz mais discreto, temperado por mecanismos jurídicos de regulação do equilíbrio contratual, a exemplo da teoria da imprevisão.[20]

 

Como consequências do princípio da força obrigatória dos contratos, nos casos em que a discussão torna-se lide judicial, cabe ao magistrado o pronunciamento de nulidade ou decretação de resolução, não lhe sendo permitido tomar o lugar das partes, ainda que partindo da consideração de equidade, não poderá haver modificação do conteúdo do contrato, salvo se anteriormente ao negócio jurídico haja lei com determinação em contrário que permita procedimento singular de revisão contratual.

E neste sentido, Nelson Nery Junior, citado por Carlos Roberto Gonçalves:

 

(...) o princípio da conservação dos contratos, ante a nova realidade legal, deve ser interpretado no sentido da sua manutenção e continuidade de execução, observadas as regras da eqüidade, do equilíbrio contratual, da boa-fé objetiva e da função social do contrato. Falar em  pacta sunt servanda, com a conformação e o perfil, que lhe foram dados pelo liberalismo dos séculos XVIII e XIX, é, no mínimo, desconhecer tudo o que ocorreu no mundo, do ponto de vista social,
político, econômico e jurídico nos últimos duzentos anos. O contratante mais forte impõe as cláusulas ao contratante mais débil, determina tudo aquilo que lhe seja mais favorável, ainda que em detrimento do outro contratante, procedimentos que quebram regras de boa-fé objetiva e da função social do contrato, e ainda quer que esse comportamento seja entendido como correto pelos tribunais. Invocando em seu favor o vetusto brocardo romano pacta sunt servanda.[21] (grifos do autor)

 

Inserido nesse contexto, tem-se que a ocorrência de prejuízos por qualquer dos contratantes em função do contrato quando se fundam em riscos normais inerentes a contratação, não se torna motivo ao inadimplemento da obrigação estabelecida, estruturando-se o direito sob as bases da segurança e não da equidade para sustentar o seu ramo contratual, apesar de se inserir o instituto ‘rebus sic standibus’[22], que prevê a manutenção das condições existentes no ato da contratação quando de seu adimplemento para que seja válido, atuando como fundamento principal da Teoria da Imprevisão.

 

1.5.3 Princípio da Boa Fé

 

Em linhas gerais, o princípio da boa-fé se firma no uso do direito de forma honesta, ética e proba, e inserido na seara contratual, torna-se uma cláusula geral para o direito das obrigações, estritamente ligado aos contratos, resguardando a segurança entre as partes na negociata, para que nenhuma delas obtenha vantagens excessivas em detrimento da outra utilizando-se de obscuridades ou trapaças.

 

Importa, pois, examinar o elemento subjetivo em cada contrato, ao lado da conduta objetiva das partes. A parte contratante pode estar já, de início, sem a intenção de cumprir o contrato, antes mesmo de sua elaboração. A vontade de descumprir pode ter surgido após o contrato. Pode ocorrer que a parte, posteriormente, veja-se em situação de impossibilidade de cumprimento. Cabe ao juiz examinar em cada caso se o descumprimento decorre de boa ou má-fé. Ficam fora desse exame o caso fortuito e o força maior, que são examinados previamente, no raciocínio do julgador, e incidentalmente podem ter reflexos no descumprimento do contrato.[23]

 

É claro e evidente então, que a boa-fé é uma variante dentro de cada caso concreto, de forma que toda discussão contratual que alcança o poder judiciário deve ser interpretada pelo magistrado considerando todos os detalhes da relação jurídica, tornando essa análise por extremo subjetiva apesar de vir precedida de positivação e determinação legal.

As fases contratuais e o modo como se deram influenciam diretamente nessa significação de boa-fé e no eventual julgamento do caso em conformidade com toda a circunstacialidade de formação do negócio jurídico gerador do contrato em si e na sua executividade, de forma que a atuação das partes é fator determinante para se consagrar a existência da boa-fé, ressaltando que é sempre presumida, e quando constata-se a má-fé, esta deve ser comprovada.

 

1.5.4 Princípio da Relatividade dos Contratos

 

Considerada dentro dos princípios contratuais, a relatividade dos contratos complementa toda a sistemática da autonomia de vontade e também da boa-fé, de forma que interfere apenas para aqueles que se envolvem de fato na pactuação, sem vincular terceiros, estabelecendo obrigações ou não, seja por prejuízo seja por aproveitamento.

Neste sentido, se posiciona Maria Helena Diniz:

 

O ato negocial deriva do acordo de vontade das partes, sendo lógico que apenas as vincule, não tendo eficácia em relação a terceiros. Assim, ninguém se submeterá a uma relação contratual, a não ser que a lei o imponha ou a própria pessoa queira. Todavia, o princípio da relatividade dos contratos sofre exceções, como p. ex., nos casos: a) dos herdeiros universais (CC, 1792) de um contratante que, embora não tenham participado da formação do contrato, em razão do princípio geral de direito ubi commoda ibi incommoda, sofrem seus efeitos; contudo, a obrigação do de cujus não se lhes transmitirá além das forças da herança; e b) da estipulação em favor de terceiros, que estende seus efeitos a outras pessoas, criando-lhes direitos e impondo-lhes deveres, apesar de elas serem alheias à constituição de avenças. [24] (grifos do autor).

 

Contundo, não deixa de estabelecer o Direito, as exceções a esta regra, uma vez que ainda que o contrato não possa determinar obrigações a terceiros alheios a pactuação, os casos que tratam de herança em que há contrato pré estabelecido, os herdeiros respondem pelo pacto até o limite da herança; bem como em que há a modalidade de estipulação de em favor de terceiro, em que as partes contratam sobre objeto que beneficiara outrem que não se encontra na relação jurídica como parte pactuante, e sim, apenas como quem receberá as benesses do contrato.

 

1.6  Função Social do Contrato

 

 

A Constituição Federal de 1988 determinou, fundada no princípio da dignidade da pessoa humana e nos direitos sociais, a função social dos institutos jurídicos, utilizados no direito brasileiro, e como meio dinâmico de movimentação econômica e de influência direta no processamento social, iniciando-se com a função social da propriedade em seu artigo 5º, XXII e XXIII, quando dá o direito de propriedade, mas o vincula a tal função, não poderia ser diferente com os contratos.

 

“Ainda que o vocábulo social sempre apresente esta tendência de nos levar a crer tratar-se de figura da concepção filisófico-socialista, deve se restar esclarecido tal equívoco. Não se trata sem sombra de dúvida, de se estar caminhando no sentido de transformar a propriedade em patrimônio coletivo da humanidade, mas tão apenas de subordinar a propriedade privada aos interesses sociais, através desta idéia-princípio, a um só tempo antiga e atual, denominada, ‘doutrina da função social’”.[25] (grifos do autor)

 

Por esse ângulo, apesar de tratar de interesses entre particulares e geralmente patrimoniais, não pode o contrato prender-se apenas ao seu objeto e partes, de forma que sua razão de ser tem obrigatoriamente considerar a coletividade, principalmente quanto aos seus efeitos.

Assim, quando um contrato que, por sua própria natureza, em uma ótica generalizada, estende-se no âmbito econômico e jurídico, pode também destinar seu impacto a seara ambiental, trabalhista, consumerista, e até mesmo antropológica por determinar uma atitude humana que gera costume e cultura de influência.

 

Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.

 

Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.[26]

 

Respeitando a Lei Superior, o Código Civil de 2002, trouxe em seu corpo de texto, de forma clara e expressa a necessidade da função social do contrato, uma vez dentro dos parâmetros de boa fé, moralidade, probidade, legalidade e principalmente de razoabilidade, o contrato atinge sua função social e atende ao interesse das partes, em plena e perfeita harmonia e equilíbrio.

 

1.7  Dos Direitos do Adquirente

 

 

1.7.1        Direito de Redibir, Direito de Estimar ‘Quanti Minoris’ e Direito Quanto à Evicção

 

 

Nos contratos onerosos comutativos, ou seja, aqueles em que ambas as partes possuem obrigações para com a outra, pois se exige prestação e contra prestação, bem como  que  haja certeza  de seu cumprimento para que se classifiquem nessa esteira, os contratantes além de se vincularem a obrigação de fato, vinculam-se também a responsabilidade sobre o objeto no sentido de que ele atenda as funções pelas quais foi adquirido ou que seja entregue em conformidade com o pactuado, sem que esteja eivado de vícios ou defeitos, tanto de fato, quanto de direito.

 

Como dissemos, a garantia decorre da própria natureza do contrato. Contrato comutativo, é verdade, porque o contrato aleatório é incompatível com essa modalidade de garantia, ao menos no que diga respeito ao aspecto da prestação sujeita à álea. (...) A garantia refere-se a vícios ocultos na coisa, ao tempo da transmissão. Presume-se que o negócio não teria sido realizado, ou teria sido realizado de outra forma, se o adquirente soubesse da existência do defeito na coisa. A lealdade contratual manda que o transmitente alerte o adquirente da existência do vício. No entanto, ainda que o vício seja desconhecido do próprio titular, os efeitos da teoria aplicam-se como conseqüência do princípio do equilíbrio das relações negociais (art. 443). Evidente que, como em toda situação em que existe culpa, esta acarreta a indenização por perdas e danos, afora o desfazimento do negócio ou o arbitramento do preço, como veremos. A má-fé é elemento secundário do instituto.[27]

 

Nos casos em que o objeto do contrato apresenta vícios de fato, salienta-se, vícios ocultos, não perceptíveis pelo homem médio, que tornem o objeto impróprio para o uso ou lhe diminua consistentemente o valor, aquele a quem o objeto foi entregue é designado ao direito de redibir do negócio, ou seja, desfazê-lo ou ainda “conservará o bem, reclamando o abatimento proporcional do preço, sem acarretar redibição do contrato, lançando mão da ação estimatória ou de quanti minoris”[28], quando apenas ao reduzir o pagamento a desvalorização do bem, satisfaz o credor da responsabilidade oriunda do vício.

 

Quando alguém adquire o domínio, a posse ou o uso de um bem, por contrato oneroso, está visando a uma utilidade que corresponde a contraprestação efetuada. Nos nos 207 e 208 cogitamos dos defeitos materiais da coisa recebida, deduzindo a teoria dos vícios redibitórios. No presente capítulo vamos tratar dos defeitos de direito, que a atinja. A teoria dos vícios redibitórios aproxima-se da evicção, porque uma e outra vão assentar a responsabilidade do alienante na mesma razão jurídica, que é o princípio de garantia. Oferecido pela lei ao adquirente contra o alienante. Chama-se evicção a perda da coisa, por força da sentença judicial que a atribui a outrem, por direito anterior ao contrato aquisitivo: “Evincere est vincendo in iudicio aliquid auferre”.[29](grifos do autor)

 

 

Já, quando o vício ocorre em relação ao direito e não ao fato, de modo que existe a turbação ou esbulho da propriedade e/ou da posse, pois o bem é transmitido a outrem por alguém cuja propriedade e/ou posse não era legitima, ao real proprietário ou posseiro é garantindo o direito de questionar judicialmente tal transmissão, requerendo para si o bem turbado ou esbulhado em detrimento daquele que o adquiriu, caracterizando-se a responsabilidade do alienante quanto aos eventuais danos causados por sua atitude, e assim conclui-se que a ação redibitória ou de estimativa de ‘quanti minoris’ está para o vício de fato tanto quanto a ação de evicção está para o vício de direito.

 

 

 

1.7.2        Quanto ao Perecimento da Coisa

 

 

Para que seja completo e válido o contrato deve atender aos requisitos mínimos legais, sendo um deles a existência de objeto (lícito), e uma vez tratado o objeto, como bem, trata-se da seara jurídica cujos elementos de estudo são a propriedade e posse, seara esta que se denominando Direitos Reais.

Conforme supra mencionado, os contratos podem versar sobre motes consensuais e/ou reais, e nesse sentido aqueles que versam em Direitos Reais, geram obrigação sobre a coisa, geralmente quanto a sua entrega.

 

Art. 233. A obrigação de dar coisa certa abrange os acessórios dela embora não mencionados, salvo se o contrário resultar do título ou das circunstâncias do caso.

 

Art. 234. Se, no caso do artigo antecedente, a coisa se perder, sem culpa do devedor, antes da tradição, ou pendente a condição suspensiva, fica resolvida a obrigação para ambas as partes; se a perda resultar de culpa do devedor, responderá este pelo equivalente e mais perdas e danos.[30]

 

Porém, é sabido que existe a possibilidade de que a coisa se perca, e quanto a isso, é necessário que haja tutela jurisdicional que verifique os aspectos de responsabilidade se houver o perecimento do bem, de forma que o negócio jurídico permaneça em equilíbrio sem causar qualquer prejuízo às partes, e por isso, o perecimento da coisa é tópico de discussão dentro dos direitos do adquirente.

 

Art. 235. Deteriorada a coisa, não sendo o devedor culpado, poderá o credor resolver a obrigação, ou aceitar a coisa, abatido de seu preço o valor que perdeu.

 

Art. 236. Sendo culpado o devedor, poderá o credor exigir o equivalente, ou aceitar a coisa no estado em que se acha, com direito a reclamar, em um ou em outro caso, indenização das perdas e danos.

 

Art. 237. Até a tradição pertence ao devedor a coisa, com os seus melhoramentos e acrescidos, pelos quais poderá exigir aumento no preço; se o credor não anuir, poderá o devedor resolver a obrigação.[31]

 

 

Neste sentido, a legislação civil foi bastante clara e específica em seu texto positivado, ao determinar que se há a perda da coisa antes da tradição e sem culpa do devedor, resolve-se o negócio, porém nada obsta, ao contrário, a lei permite, que o credor queira mantê-lo reduzindo o valor do objeto em razão de sua deterioração, ou seja, seu desgaste sua completa inutilização, mas se a culpa existe pela perda, cabe a responsabilidade quanto as perdas e danos.

Assim, até a tradição a coisa pertence ao devedor e por isso é de sua responsabilidade, todavia, efetuada a transferência de propriedade e posse, através da tradição ou do registro público, extingui-se a responsabilidade do devedor sobre a coisa, em detrimento do surgimento da responsabilidade do credor por aquilo que passa a incorporar seu patrimônio.

 

 

1.7.3        Teorias da Imprevisão, da Onerosidade Excessiva e da Quebra da Base do Negócio Jurídico e Revisão Contratual

 

 

Firmado o contrato, é entendimento majoritário da doutrina civilista brasileira, com baldrame na própria legislação, que a vontade das partes em pactuar e acordar é capaz de fazer lei entre elas, obrigando-as ao cumprimento da obrigação no pacto estabelecida.

Todavia, apesar da responsabilidade obrigacional constituída, algumas situações específicas funcionam como forma de se destituir ou reduzir tal obrigação, através do instituto da revisão contratual, sendo elas a Teoria da Imprevisão (arts. 478 e 479, Código Civil), Teoria da Onerosidade Excessiva (art. 317, Código Civil) e Teoria da Quebra da Base do Negócio Jurídico (art. 6º, V, Código de Defesa do Consumidor).

 

[...] Mas, se tiver ocorrido modificação profunda nas condições objetivas coetâneas da execução, em relação às envolventes da celebração, imprevistas e imprevisíveis em tal momento, e geradoras de onerosidade excessiva para um dos contratantes, ao mesmo passo que para o outro proporciona lucro desarrazoado, cabe ao prejudicado insurgir-se e recusar a prestação. [...]  Para que se possa invocar a resolução por onerosidade excessiva é necessário ocorram requisitos de apuração certa, explicitados no art. 478 do Código Civil: a)vigência de um contrato de execução diferida ou continuada; b) alteração radical das  condições econômicas objetivas no momento da execução, em confronto com o ambiente objetivo no da celebração; c)onerosidade excessiva para um dos contratantes e benefício exagerado para o outro; d)imprevisibilidade daquela modificação.[32] (grifos do autor)

 

 

Assim, ainda que seja válida a imposição do ‘pacta sunt servada’, inserido no regime jurídico contratual civil brasileiro, vigora a possibilidade da revisão contratual e de sua resolução inclusive, sempre que por motivo imprevisível a situação dos contrates à época do pagamento não mais se confirma em equilíbrio como quando do firmamento do contrato, colocando uma das partes em extremo benefício e a outra em prejuízo muito grande, o que torna o pacto excessivamente oneroso, desfazendo a base do negócio jurídico conforme ressaltado pela legislação consumerista em complemento a imposição civil como lei geral.

 

1.8  Formas de Extinção do Contrato e sua Respectiva Obrigação

 

 

1.8.1        Resilição Uni e Bilateral

 

A obrigação existente entre as partes, seja ela oriunda de pacto, seja ela oriunda de ordem judicial, possui início de vigências bem como término, e assim, aquela obrigação que nasce mediante contrato firmado diante de acordo de vontades, pode encontrar seu fim através do que se denomina resilição.

 

A expressão “resilição” (utilizada expressamente, de forma técnica, pelo novo Código Civil brasileiro, em seu art. 473, aperfeiçoando a redação legal codificada, outrora omissa) refere-se a extinção do contrato por iniciativa de uma ou ambas as partes. [...]  Em verdade, partindo da concepção de que o contrato gera um vínculo jurídico obrigatório entre as partes, a conclusão lógica é que a mesma manifestação de conjunta da vontade possa extingui-lo.[33] (grifos do autor)

 

A resilição é o instituto jurídico que prevê a extinção contratual por vontade das partes, sem que haja o inadimplemento das obrigações nele estabelecidas, de maneira a desobrigar os contraentes, e pode acontecer bilateralmente pelo distrato ou unilateralmente, exigindo para esta o cumprimento de determinados requisitos.

Conforme lição de Messineo, trazido por Carlos Roberto Gonçalves:

 

[...] juridicamente, o distrato é, “em substância, um caso de retratação bilateral do contrato, que se perfaz mediante um novo contrato (solutório e liberatório) de conteúdo igual e contrário ao do contrato originário e celebrado entre as mesmas partes do contrato que se irá dissolver; razão pela qual deve revestir igual forma”. Acrescenta o renomado jurista italiano que a “eficácia do mútuo dissenso começa a correr ex nunc” e “opera sem necessidade de pronunciamento judicial”.[34]

 

O autor aborda ainda, sob a análise de Orlando Gomes:

 

[...]  a faculdade de resilição unilateral é suscetível de ser exercida: a) nos contratos por tempo indeterminado; b) nos contratos de execução continuada, ou periódica; c) nos contratos em geral, cuja execução não tenha começado; d) nos contratos benéficos; e) nos contratos de atividade. A resilição é o meio próprio para dissolver os contratos por tempo indeterminado. Se não fosse assegurado o poder de resilir, seria impossível ao contratante liberar-se do vínculo se o outro não concordasse.[35](grifos do autor)

 

Sendo assim, o contrato iniciado pela vontade das partes, pode ser extinto também pela vontade das partes em acordo, através de retratação, operando tanto em pactos bilaterais cuja aplicabilidade se dá sem maiores restrições, devendo apenas possuir conteúdo contrário ao contrato que originou a obrigação desfazendo-o por seus efeitos jurídicos; quanto em contratos unilaterais, desde que atendam aos requisitos supra mencionados, salientando que em ambas as formas de resilição haverá conjuntamente a quitação da obrigação que desvinculará as partes do cumprimento da obrigação.

 

1.8.2        Resolução Contratual

 

A extinção contratual não ocorre somente por acordo de vontade das partes, mas também pelo inadimplemento da obrigação das gerada pelo contrato, sendo o inadimplemento então, a causa da resolução contratual, que pode ocorrer através da rescisão fundada, por exemplo, em institutos como a onerosidade excessiva e a exceção de contrato não cumprido, ou por inexecução involuntária; e neste ponto é determinante a relevância de culpa para que haja o correto enquadramento da resolução e de possível demanda judicial relacionada a matéria indenizatória.

 

Essa inexecução pode ser culposa ou não. Quando se imputa culpa ao outro contratante, o demandante pode pedir a resolução do contrato, ou a execução em espécie, quando a natureza do negócio permitir, com indenização por perdas e danos. Quando existe o dever de indenizar, parece que o termo rescindir é mais forte, porque significa e traz a noção de rasgar, dilacerar, destruir o que está feito, e não simplesmente finalizar um acordo de vontades. Estudamos no Capítulo 17 a exceção de contrato não cumprido, que permite esses desfazimento. Outra hipótese de resolução é a excessiva onerosidade enfocada anteriormente, que, como vimos, não leva necessariamente à extinção do contrato.[36] (grifos do autor)

                                                                                                                                       

Assim, por meio da resolução, extingue-se o contrato e a obrigação sem que tenha havido sua quitação, e sem novo acordo de vontade entre as partes no sentindo de se encerrar o pacto firmado, pois, uma das partes descumpriu com sua obrigação seja por culpa, ou pela ocorrência de caso fortuito ou força maior, que fizeram com que o contrato perdesse sua razão de ser e consequentemente sua função social.

Ressalta-se ainda que, conforme previsão do Código Civil de 2002 e da própria Carta da República de 1988, se houve culpa da parte inadimplente para que houvesse o inadimplemento, de tal sorte que este causasse dano a outra parte ou mesmo a terceiro, o culpado responde em caráter indenizatório.

Assim, observadas as formas de extinção contratual e de sua respectiva obrigação, através da resilição ou resolução, encerra-se a análise contratual em âmbito civil, mais comum a população em geral, e passa-se a verificar como o Código de Defesa do Consumidor exerce sua força legislativa sob os pactos e as respectivas implicações jurídicas diante do caso concreto, em situações já pré-determinadas de modo objetivo pela lei especial que trata das relações de consumo.

 

 

REFERÊNCIAS

 

ANGHER, Anne Joyce (org.). Vade Mecum: Acadêmico de Direito. São Paulo: Rideel, 2010.

DINIZ, Maria Helena. Teoria das Obrigações Contratuais e Extracontrutais. 20 ed. São Paulo: Saraiva, 2004, v.3.

GLAGIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: Contratos. 3 ed. São Paulo: 2007, v. 4.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Contratos e Atos Unilaterais. São Paulo: Saraiva, 2004.

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Dos Contratos e das Declarações Unilaterais de Vontade. São Paulo: Saraiva, 2005, v.3.

SILVA, Caio Mario da. Instituições de Direito Civil: Contratos. 12 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, v.3.

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Parte Geral. 8 ed. São Paulo: Atlas, 2008.

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos. 8 ed. São Paulo: Atlas, 2008.

 

 

[1] GLAGIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: Contratos. 3 ed. São Paulo:Saraiva,  2007, p. 14, v.4.

 

[2] VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Parte Geral. 8 ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 319.

 

[3] Ibidem, p. 308.

 

[4] DINIZ, Maria Helena. Teoria das Obrigações Contratuais e Extracontrutais. 20 ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p.96, v 3.

 

[5] SILVA, Caio Mario da. Instituições de Direito Civil: Contratos. 12 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 37, v 3.

 

[6] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Contratos e Atos Unilaterais. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 49, v 3.

 

[7] VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos. São Paulo: Atlas, 2008, p. 360.

 

[8] RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Dos Contratos e das Declarações Unilaterais de Vontade. São Paulo: Saraiva, 2005, p.27, v. 3.

 

[9] DINIZ, Maria Helena. Teoria das Obrigações Contratuais e Extracontrutais. 20 ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p.82-83, v. 3.

 

[10] GLAGIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: Contratos. 3 ed. São Paulo:Saraiva,  2007, p. 283, v.4.

 

[11] VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Parte Geral. 8 ed. São Paulo: Atlas, 2008. p.381-382.

 

[12] GLAGIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. op. cit, p. 115.

 

[13] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Contratos e Atos Unilaterais. São Paulo: Saraiva, 2004, p.72 e 73, v 3.

 

[14] GLAGIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: Contratos. 3 ed. São Paulo: 2007, p. 117, v 4.

 

[15] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Contratos e Atos Unilaterais. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 82, v 3.

 

[16] GLAGIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: Contratos. 3 ed. São Paulo: 2007, p. 121, v. 4.

 

[17] DINIZ, Maria Helena. Teoria das Obrigações Contratuais e Extracontrutais. 20 ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 95. v 3.

 

[18] VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Parte Geral. 8 ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 359.

 

[19] RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Dos Contratos e das Declarações Unilaterais de Vontade. São Paulo: Saraiva, 2005, p.17-18, v 3.

 

[20] GLAGIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: Contratos. 3 ed. São Paulo: 2007, p. 39, v 4. 

[21]  NERY JUNIOR, Nelson, 2003, p .424 apud GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Contratos e Atos Unilaterais. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 29, v 3. 

[22] GONÇALVES, op. cit., p. 29. 

[23] VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Parte Geral. 8 ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 362. 

[24] LIMONGI FRANÇA, R, DINIZ, 2004, p. 142; GOMES, Orlando,1971, p. 47-48  apud Maria Helena. Teoria das Obrigações Contratuais e Extracontrutais. 20 ed. São Paulo: Saraiva, 2004, v. 3. 

[25] GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: Contratos. 3 ed. São Paulo: 2007, p. 45, v 4. 

[26] ANGHER, Anne Joyce (org.). Vade Mecum: Acadêmico de Direito. São Paulo: Ed. Rideel, 2010, p. 168. 

[27] VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Parte Geral. 8 ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 516-517. 

[28] DINIZ, Maria Helena. Teoria das Obrigações Contratuais e Extracontrutais. 20 ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 126, v 3. 

[29] SILVA, Caio Mario da. Instituições de Direito Civil: Contratos. 12 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p.135, v 3. 

[30] ANGHER, Anne Joyce (org). Vade Mecum: Acadêmico de Direito. São Paulo: Rideel, 2010. p. 162-163. 

[31] Ibidem, p. 163. 

[32] SILVA, Caio Mário da. Instituições de Direito Civil: Contratos. 12 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p.165-166. 

[33] GLAGIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: Contratos. 3 ed. São Paulo: 2007, p. 259-260, v 4. 

[34] MESSINEO, Francesco, 1952, pp. 2334-335 apud GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Contratos e Atos Unilaterais. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 180, v 3. 

[35] GOMES, Orlando, 1983, pp.206-207 apud GONÇALVES, Carlos Roberto. Idem, p.180-181. 

[36] VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos. 8 ed. São Paulo: Atlas, 2008. p.486.

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Autor: Kamyla Andrade


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