Perspectivas de análise dos efeitos reversivos do poder



                                                 Antônio Domingos Araújo Cunha[1]

RESUMO

Este trabalho pretende articular idéias acadêmicas sugestivas da reversibilidade das decisões dos detentores de poder como um processo histórico, valendo-se de leituras acadêmicas, onde se observa o contraditório na historiografia de eventos e correntes de pensamento, dominantes nos discursos hegemônicos das elites globais como exemplos concretos.

Palavras-chave: Poder, decisão, história, fatos sociais, reversibilidade

ABSTRACT

This article intends to articulate some suggestive academic ideas concerning decisions of stakeholders as a historical process, by making use of academic reading, wherever one can observe the contradiction in historiographic events, as well as dominant thought currents, of the dominant hegemonic speeches of global elites, as concrete examples.

 

Key-words: Power, decision, history, social facts, reversibility

 

Introdução

            A reversibilidade é um fenômeno que pode ser explicado tomando como exemplo os estados físicos da água. Vapor se transformando em água, e vice versa. Ou seja, tem efeitos que lhes garante a contrariedade. Sua relação com o poder vem do ato de deliberar, agir, mandar e também, dependendo do contexto, exercer sua autoridade, soberania, ou a posse do domínio, da influência ou da força. Mas, comparece a idéia de que em adição ao corpo e a mente, a composição dos organismos vivos inclui o elemento imaterial chamado inteligência, em associação com o cérebro, capaz de refletir sobre as ações e eventos ocorridos na estrutura.[2] De origem latina, encontra definições em diversas áreas, como na Sociologia visto como habilidade de impor a sua vontade sobre os outros, no sentido econômico, político, social e religioso. Autores como Michel Foucault, Max Weber, Pierre Bourdieu, são alguns dos nomes dedicados ao estudo. As principais teorias sociológicas relacionadas ao poder são a teoria dos jogos, o feminismo, o machismo, o campo simbólico. Já no sentido político, poder é a capacidade de impor algo sem alternativa para a desobediência. Uma vez reconhecido como legitimo sancionado como executor de ordem estabelecida, coincide com a autoridade, mas há poder político distinto desta, como acontece na revolução ou nas ditaduras. Este último, segundo John Locke, é aquele que todo homem tem no estado de natureza, que foi reunido em mãos de uma sociedade, e que esta sociedade transferiu para dirigentes escolhidos, com a garantia e a condição, expressa ou tácita, de que seja empregado para o bem do corpo político, e para conservação do que pertence especificamente a seus membros (HERSCH, 1972).

            Segundo Bottomore (1996), poder em seu significado mais genérico é a capacidade de produzir ou contribuir para resultados – fazer com que ocorra algo que faz diferença para o mundo. Na vida social isso se faz através das relações sociais: é a capacidade de produzir ou contribuir para resultados que afetem significativamente outro ou outros.

            A mais assustadora de todas as manifestações psíquicas do ser humano é sem dúvida o poder. Suas diferentes formas de manifestação devem necessariamente percorrer o caminho da decisão individual que modifica a sua própria vida, por uso do livre arbítrio, e que não relaciona fatos novos, envolvendo novos atores. Ou seja, o indivíduo decide dentro dos seus parâmetros existenciais, dando continuidade ou não a ações concretas ou construções de mapas mentais, que reúnam suas convicções, crenças e valores, sem, no entanto, transparecer suas íntimas razões e sem envolver seus semelhantes em suas escolhas. Por exemplo, o suicídio, considerado ato atípico para o mundo do Direito, ou ainda o silêncio. Sobre o suicídio, lembra-se a célebre frase em Hamlet, no drama shakespereano: Ser ou não ser, heis a questão. Dar continuidade à vida é tão somente uma motivação individual, quando não ceifada por outrem. Max Weber (1864-1920), em “A ética protestante e o espírito do capitalismo”, igualmente, estudou e propôs uma teoria explicativa do suicídio pela perda da motivação em viver. Outro teórico teria sido Émile Durkheim (1858-1917), filósofo francês, em seu livro, “Estudo do suicídio”.  Induzir ao suicídio, nos parece uma conduta punível como quer a lei e a doutrina contemporânea. Já o silêncio é o consentimento com aquilo que se tem noticia, embora seja um direito individual, protegido pela legislação brasileira e em outras legislações internacionais. Outra forma é decidir sobre o semelhante, sobre os grupos de referência, sobre o pensamento do outro, sobre a comunidade, sobre a sociedade, sobre a aldeia global, sobre o universo, processo este que se dá pela discursividade, como Foucault a posicionou, qual seja o movimento dado à palavra. Este é o ponto de discussão de nossa análise. É possível reverter decisões que tomamos, tanto de caráter individual como coletivo, de interferência individual ou de mais largo envolvimento, dualista ou grupal? Como essa atitude viola o rumo de uma existência tranqüila, sem intervenções prematuras, que posteriormente tem que ser revertidas, por escolha individual, dos responsáveis diretos ou indiretos, ou por decisão judicial? A radicalidade das decisões e a irreversibilidade das medidas que a circundam comprometem as partes em que sentido?  Estas são algumas das perspectivas de análise deste exercício discursivo.

            Como exemplo emblemático, toma-se o filme “Conviction”, drama dirigido por Tony Goldwin em 2010 e escrito por Pamela Gray, baseado num caso real, de Betty Anne Waters, dona de casa, mãe de dois filhos que de pouca instrução chega a graduar-se em Direito, travando uma luta para que seu irmão Kenneth, quando condenado pelo assassinato cruel de Katharina Brow. Há um projeto, chamado “Innocence Project” nos Estados Unidos para prevenir convicções erradas. Em julho de 2009, depois de uma batalha, Betty Anne, ganhou uma indenização de 34 milhões de dólares contra a cidade de Ayer, Massachusetts, e a policial Nancy Taylor. Depois disso, 242 casos de correção de sentenças por exame de DNA ocorreram desde 1989, incluindo 17 do corredor da morte. No caso do filme, o assassino de Katharina Brow, nunca foi encontrado. Kenny foi então declarado inocente depois de 18 anos de cárcere[3]. Felizmente, neste caso, a ciência trouxe a verdade à tona, pela eficiência da Criminalística, ou seja, o exame de DNA. No entanto, como a própria crítica revela, há inúmeros casos em que a ciência não chegou a tempo, para reverter decisões judiciais.

            A força é uma condição de vida, e o poder, materializa circunstâncias, compondo a narrativa da humanidade, não obstante a mortalidade. Já a interpretação dos fatos, a absorção e retenção de experiências vividas ou concebidas na linha do consciente individual e coletivo, sem excluir o inconsciente, fazem do planeta, o espaço, onde os atores entre objetos cênicos e cenários, criam, modificam e extinguem elementos, na medida em que os percebem e relêem acontecimentos, circunstâncias, possibilidades, ao tempo em que vivem, projetando-se para frente e para trás do mesmo.

            Um outro exemplo, bastante curioso embora de ficção, é a atitude da Monarca, Lady MacBeth, no drama escrito por William Shakespeare, em que após assassinar o rei pronuncia as seguinte palavras: O que está feito, está feito (Ato 3, cena 2, 8-12). Com isso, deseja expressar aquilo que na atualidade este paradigma significa, ou seja, não há meios de mudar o passado, logo o esqueçamos. Mas, após sua calada culpa, em pesadelos alucinantes, ela pessoalmente o reverte, dizendo: O que está feito, não pode ser desfeito. (Ato 5, cena 1, 68) [4].

1.  Teorização intertextual das relações de poder

            A construção da alteridade envolve disciplina, autoconhecimento, uso da razão, e planejamento. Alteridade (ou outridade) é a concepção que parte do pressuposto básico de que todo o homem social interage e interdepende do outro. Assim, como muitos antropólogos e cientistas sociais afirmam a existência do "eu - individual" só é permitida mediante um contato com o outro (que em uma visão expandida se torna o outro - a própria sociedade diferente do indivíduo) [5].

            Também Bakhtin, nos esclarece a necessidade que nós humanos, temos de nos completar no discurso do outro, pelas múltiplas vozes que compõem a nossa fala, conhecida como dialogismo (Define como o processo de interação entre textos que ocorre na polifonia; tanto na escrita como na leitura. O texto não é visto isoladamente, mas sim correlacionado com outros discursos similares e/ou próximos. Em retórica, por exemplo, é mister incluir no discurso argumentos antagônicos para poder refutá-los)[6].   

            As manifestações de poder tornam-se transparentes especialmente em dois momentos: o primeiro, em que movido por nossas emoções, nos lançamos na aventura das conquistas individuais ou de interromper processos pelos quais decidimos não enfrentar por premeditar as fases, e temer pela ausência de forças concorrentes que nos ajudem a ultrapassar os limites de nossa própria tolerância e resistência, diante das adversidades que envolvem o trâmite existencial de cada um. E o segundo, decorre da fragmentação hierárquica no alinhamento de liderança, no seio das organizações, pela delegação de competências e responsabilidades na solução de conflitos existenciais.             Logo, decidir isoladamente o que fazer, no uso de sua liberdade de ir e vir, e, sobretudo de agir, dentro de suas disponibilidades vitais, sobre fatos que atingem tão somente ao direcionamento de suas escolhas constitui uma forma de poder, mas inerente ao individual, e já inferir na vida alheia, por meio de atitudes receptivas ou não, de encontro ao outro, seja ente familiar, social, ou desconhecido configura outra face das relações de poder.  Ou seja, a confiança que depositamos uns sobre os outros, para que conflitos de interesse sejam dirimidos, numa linha de civilidade, sem que os efeitos nocivos de uma ação concreta, criminosa ou não, ao encontro do coletivo, ou que repercuta nocivamente, surtindo seus efeitos, sejam positivos, negativos ou sem nenhuma conseqüência para além dos limites da consciência individual. A vida parece nos lançar contra um jogo de probabilidades, onde as infinitas combinações só acontecem uma única vez a cada momento vivido. Este talvez seja o grande perigo do poder. Já a reincidência deve-se à ignorância de certas circunstâncias, ou o extremo saber na arte de violar a seguridade social, ou poder de polícia exercido pelo social. Reverter situações com atitudes corretivas é medida obrigatória daqueles que percorrem o caminho das pedras para aprender os ardis que eventualmente se mesclam entre interesses e manipulações de resultados, tendo como consequência os traumas humanos que maculam a existência de qualquer um, e incorporam o inconsciente coletivo concebido por Jung. Aprender para não sofrer as conseqüências de repetidos erros é uma tendência humana, ou seja, repelir a dor moral e/ou física. Aliás, o sofrimento humano segundo Campbell (1990) é o tema principal da mitologia clássica, sendo a fome, por exemplo, nas sociedades primitivas um imperativo na condição de subsistência da vida, em que o ritual de sacrifício, matar e comer garantisse o círculo místico atemporal de morte, sepultamento e ressurreição, que em pinturas rupestres, deram impulso à religiosidade, a historicidade, ao simbolismo da semente, a arte precedente de plantar e colher, ao entendimento de que a bem-aventurança provém do sacrifício, e que a vida provém da morte. Porém a morte é irreversível, ainda que ceifada pelo abuso do poder. E neste sentido, se considerarmos a conotação religiosa de poder, afora o instituído no plano terreno, a igreja apregoou por muitos anos, a existência de um paraíso e de um purgatório, bem como de um juízo final. A possibilidade do fiel seguidor de seus princípios em melhorar suas condições de vida em função do temor às consequências de sua continuidade espiritual post mortem, teria sido a fórmula social de reduzir condutas reprováveis em sociedade enquanto vivo. Ou seja, o individuo que teme a Deus, procurará conduzir uma vida correta em suas ações menores, visto que as maiores não fogem dos rigores da lei (GILL, 1962).  Para Cesare Beccaria, em sua obra “Dos delitos e das penas” (1764), somente a lei coloca os homens em pé de igualdade, idéia essa também defendida por Rousseau em “ O contrato social” (1762) em que a igualdade se consolida através da convenção e de direito.

            Logo, aprender pelas experiências dos outros e ensinar a partir das suas, não implica necessariamente em sentir de forma real o drama vivido, mas mantê-lo afastado das expectativas de ações desejadas, ou manifestas. As lides que se configuram muitas vezes não são resolvidas da mesma maneira de modo uniforme, visto que o magistrado pode interpretar a decisão com autonomia, valendo-se de seu convencimento, acima das fontes materiais e imateriais disponíveis.  Tomemos como exemplo, os crimes de dano material ou moral, e a tentativa de reparação mediante a devida indenização, quando as provas falam por si mesmas e auxiliam na elaboração de uma sentença condenando o acusado à reparação dos mesmos. A impotência das medidas judiciais pode ser configurada quando da ausência de provas. Então, o poder reversivo dos efeitos da conduta delituosa se reduzem a nada, senão na frustração do ofendido.

             A queda dos mitos[7], da vida exemplar, da ilibada condição social, do alto cargo administrativo, político, social, religioso, profissional, cidadão, acontece como cristal que se racha ao toque de ruídos estrondosos, e jamais se refaz, ainda que se faça fundir em grãos de areia, novamente. Consciência de agir nos limites da legalidade e da moralidade, ainda que o envolvimento circunstancial das ações humanas sejam elas dolosas ou culposas, nos permitam reavaliar o sucedido, ainda que por paixão violenta, emoções, obscurecimento de razão, nos tenham deixado levar pelas concorrentes forças condutoras de resultados. Neste prisma, as manifestações de poder, se fazem por diferentes meios, a exemplo, da força física, da força psíquica, de ambas conjugadas, da força política, social, religiosa, e principalmente econômica. Aliás, o capitalismo tem sobrepujado sobremaneira as demais formas de força. Há quem diga inclusive, que o dinheiro só não compra Deus, mas a igreja vendeu indulgências em certo tempo da história, para que os mortais ocupassem um lugar nos céus. Os templos sobrevivem do auxílio comunitário a exemplo do dízimo, cobrado de seus fiéis. A missão de cada indivíduo é a gestão de seu potencial humano e de seus talentos, na arte de influenciar pessoas. Esta característica define as relações humanas que se manifestam ainda que pelo isolamento, também em uniões conjugais, familiares, comunitárias, sociais, exércitos, legiões, organizações nacionais e internacionais, estados, nações.

         Em caráter ilustrativo faz-se notar que as Américas historicamente ocupadas por nativos, de simplicidade e culturas notórias, se viram invadidas pelos novos colonizadores europeus, promovendo a fusão de culturas tanto maior o interesse dos impérios em conquistar poder e riquezas além de seus limites castelares, rasgando mares, enfrentando perigos, relegando os invadidos a trabalhos escravos, retirados de seus contextos de origem e raramente autores de sua própria história, nas aventuras do homem branco. Não obstante o exemplo, de Isabel de Castella, a soberana castelhana, como nos ensina Berkman[8] (2012) mostrou-se horrorizada e reverteu pelo seu poder, a ação dos comerciantes de seres humanos, mandando resgatá-los e devolverem aos seus lugares de origem, concedendo-lhes liberdade como sujeita à coroa de Castela. A experiência brasileira sobre a escravidão negra não teria sido diversa. A princesa Isabel, pela Lei Áurea, em 1888, concedeu a liberdade aos escravos, tendo em vista a pressão dos movimentos sociais de época. Os escravos livres não sabiam o que fazer com sua liberdade e demoraram muito tempo para reassimilar o hábito de vida. Um exemplo de reversão decisória, do poder que escravizava, para aquele que libertou. O fato é que em ambos os casos, sejam as comunidades nativas ou quilombolas, se hibridizaram através do processo escravocrata, a ponto de deixarem suas raízes e assimilarem os hábitos e a cultura do homem branco. Esta fusão tornou-se no entanto irreversível, e o apagamento de valores culturais de referência, além da miscigenação humana, o que favoreceu mudanças nos fatores primordialistas dos humanos, e este tenha sido o grande legado destes movimentos diaspóricos em busca de uma sociedade ressurgente, embora Joseph Arthur Comte de Gobineau, famoso aristocrata francês, durante o início e meados do séc.  XIX,  acreditasse que a raça criava a cultura, colocando distinções entre branco, preto e amarelo como barreiras naturais e que a partir disso se viveria o caos. A liberdade foi também, lema da Inconfidência Mineira, um movimento social que sugere a tardia libertação dos escravos no Brasil, com o slogan, “liberdade ainda que tardia”, influenciada pelos ideais iluministas na Europa e a Independência dos Estados Unidos em 1776.

 

2. Os alicerces do Direito e as relações de poder

 

            A luta pela Direito definida por Rudolph Ritter von Jhering, inclui no conceito da ciência,  a arte do bom e do equitativo, dando a cada um o que é seu, não obstante, no mundo social, não faltem os que desejem tirar dos outros aquilo que não possuem, ou que não satisfeitos com suas posses, gananciosamente queiram mais e mais. Neste conceito, percebe-se o intervencionismo de um terceiro elemento, mediando conflitos de interesses que outrora se manifestavam nas formas de autotutela pelo uso da própria força, a autocomposição – desistência, submissão e transação – para finalmente ancorar-se na arbitragem, referenciada nas formas de: facultativa (escolha de um terceiro elemento para dirimir um conflito de interesses, pelo comparecimento diante do pretor, até o séc. II a.C.); obrigatória (onde o Estado nomeia o perito a intervir no conflito de interesses até o séc. III d.C.) e a fase da justiça pública, onde coube ao Estado, dizer o direito – jurisdictio – ao caso concreto[9]. Logo, o que efetivamente reverte situações no mundo contemporâneo? O uso da lei como medida assecuratória, pela invocação da tutela jurisdicional do Estado, ou ainda o poder econômico, que de forma avassaladora se sobrepõe a ordem institucional, pela subversão corrosiva de seus agentes, quer no campo político, como jurídico, oprimindo muitas vezes as vítimas dos sistemas, e relegando à impunidade àqueles que efetivamente não são dignos da liberdade que herdaram como dom maior do milagre da vida. Neste sentido, o advogado, segundo Maurice Garçon (1911), É aquele que regula, por si só, a sua conduta, sendo o único árbitro de sua atuação, o que o obriga a um meticuloso escrúpulo, devendo dominar as paixões próprias e daqueles que o rodeiam, negando-se às solicitações suspeitas, tanto mais sedutoras quanto a serem atendidas, facultando-lhe vantagens rendosas. Honestidade, independência, moderação, que exclui a firmeza, devendo estar acima de toda a suspeita; a sua autoridade será tanto maior quanto menos pasto der à crítica[10]. Também a figura do juiz, segundo Campbell (1990), para que a lei possa manter autoridade além da mera coerção, o poder do juiz precisa ser ritualizado, mitologizado. Mas, é sim na figura do advogado, que os eventos sociais são canalizados, antes de baterem em rápida retirada da razão, ou encaminhados às cortes judiciais.

            Para não recair no excesso de direcionamento, relacionando poder, ao judiciário, é preciso lembrar que a Teoria da divisão dos poderes proposta por Montesquieu, em sua obra “O espírito das Leis”, inclui o Legislativo e o Executivo. O Brasil experimentou um quarto poder, chamado de Moderador. Nas constituições de vários países, esta divisão perpassa pela combinação desta repartição de alguma forma, admitindo a questão da legitimidade do poder, que se daria pela liberdade de escolha de seus representantes, quebrando assim, com o poder divino dos regimes imperialistas, concedido por Deus (BECKER, 1999).

            Segundo Petr Chelcicky (1390 – 1460), primeiro escritor renascentista em sua obra, “Dos três estados”, posiciona-se ainda, sobre a necessidade de separar o poder do Estado, daquele sustentado pela Igreja. Posiciona-se contrário à pena de morte, e outras formas de punições violentas, dizendo que o homem que obedece a Deus, não necessita de qualquer outra autoridade sobre ele. Mas ainda, em sua obra, fica a idéia de que o poder só existe por meio da violência. O poder que renuncia à violência destrói-se a si mesmo, pois o povo cessa de temê-lo na medida em que se dá conta de sua clemência e que cessa de tremer diante dele. O poder não é figo suculento nem azeitona carnuda, nem vinha – que fazem a alegria do homem. O poder é espinho que faz sofrer: maltrata, fere, esfola, encarcera, mata. Não prospera por atos de benevolência, daí o porquê um abismo separá-lo da clemência. A justiça é, pois a forma de assegurar a paz, suprimindo a injustiça, necessária à ordem, instrumento de defesa dos mais fracos e outros flagelos relatados pela história humana (HERSCH, p.86, 1972).

            Também convém lembrar, Pierre Bordieu (1930-2002), que reforçou a idéia de que a dominação é necessária para os sistemas simbólicos, tais como o poder expresso pelo capital social, cultural, e simbólico, defendendo a posição individual de cada individuo no espaço social multidimensional, não definido apenas pelo nível social a que pertence, mas pelas articulações do capital que ele compartilha em sociedade, como nas redes sociais que podem contribuir para gerar desigualdade e reproduzi-la, ou seja, a partilha de valores sociais de referência, o que modernamente recebe o nome de “empowerment”[11].  

Conclusão

            O momento em que caímos de joelhos e pedimos forças para tolerar, é porque ainda nos resta alguma. É momento de súplica pela reversão situacional. A partir daí encontra-se a fronteira da loucura, a perda do equilíbrio, lágrimas que na eventualidade possam se transformar em sangue. Pelo poder, em nome dele, só a intervenção da justiça as cristaliza e faz reverter situações criadas no cotidiano daqueles que as vivem, ou a tortura de ter que conviver com problemas, esquecê-los ou sublimá-los, embora a tolerância seja um exercício obrigatório e cidadão nos dias em que vivemos.

            As manifestações de poder são sintetizadas na mente de seus mentores, e como tal, a própria mente retrocede. Esta é uma questão de síntese, que significa colocar juntas, as sensações.  Numa orquestração, por exemplo, cujos sons de instrumentos isolados, não têm o efeito de conjunto, mas que, ao vibrarem de maneira distonal, interferem na obra como um todo. Quando o senso comum da melodia emana de todos os instrumentos da orquestra, a harmonia do conjunto se faz notar, caso contrário, o senso de estética prazeroso pode ser destruído. Isso depende de responsabilidades individuais para resultados positivos, porém a diferença entre a sensação física e a transposição de notas destoantes quebra o sentido estético. Neste sentido, é preciso respeito, aos tempos, movimentos, linguagem, e partes constituintes, para recompor a linha melódica. Assim, se um instrumentista recusar-se a contribuir com sua interpretação, não enriquecerá, mas não prejudicará a harmonia do todo. E suas razões podem ser fundadas ou infundadas, percebidas, ou ignoradas.

            Reverter sensações no exercício do poder admite o lado de quem o exerce, e o de quem sofre as consequências do que decorre de seu exercício. E esta característica parece ser comum em todas as instituições, formas de vida, fenômenos e eventos observáveis e detectáveis por nossos sentidos de alguma forma. Só não conseguimos ainda, reverter a morte, embora, a medicina já tenha encontrado muitas formas de intervir no processo transitório da vida, prolongando expectativas e dando-lhe mais qualidade no que seria a principio o fim.O contrário, igualmente, como a eutanásia, uma antecipação da morte.  Necessariamente o poder, é a tese concebida, que cria, modifica, extingue, expectativas reais e/ou imaginárias de cunho individual e/ou coletivo. A decisão está em cada um e em todos, daí o porquê, ser o poder reversível. 

 

Referências

BECKER, Jean Jacques. Resumo da História do Século XX. Plátano Edições Técnicas, Lisboa, 1997.

BOTTOMORE; OUTHWAITE. Dicionário do Pensamento Social. Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 1996.

BURR, John R.  Philosophy and Contemporary Issues. Prentice-Hall International , USA, 1999.

CAMPBELL, Joseph. O poder do mito. Editora Palas Athena, São Paulo, 1990.

GILL, Joseph. Histoire des conciles oecuméniques. Editions de l’Orante Paris, 1962.

HERSCH, Jeanne. O direito de ser homem. Editora Conquista Rio de Janeiro, 1972.

MENDRAS, Henri. Princípios de Sociologia. Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1973.

 


[1] O autor é Professor Superior, Bacharel em Ciências Naturais, Direito e Administração, Especialista em Língua Inglesa e Didática para o Nível Superior, Mestre em Gestão Urbana, e está matriculado no Doutorado em Direito da Universidade Federal de Buenos Aires-Argentina.

 

[2] Segundo Burr (1999), somos seres capazes de conduzir objetivos em relação ao que percebemos ao mundo dos objetos externos, assim como conduzir um veículo, o que implica em conhecimento de dinâmica, força,  estímulos, estratégias , e ainda gestos, como parte da comunicação não verbal, ou sinais que orientem nossa conduta.

[3]CONVICTION. Disponível em Acesso em 7.jul.2012.

[4] MACBETH.  Disponível em Acesso em 7 jul 2012.

[5] ALTERIDADE. Disponível em . Acesso em 06 jul.2012.

[6] DIALOGISMO. Disponível em . Acesso em 06 jul. 2012.

[7] A noção corrente transforma o mito numa espécie de sono, o sono dos povos simples. Na nossa sociedade contemporânea, emprega-se corretamente a palavra mito a fim de indicar-se algo que noção existe, mas de que, não obstante, se fala.  Já a ideologia, pode ser considerada uma “fantasia” de intelectual, pois se torna um ideólogo, e, na linguagem corrente, ambas suscitam o mesmo tipo de sentimento (MENDRAS, p. 223, 1973).

[8] Comentários de Ricardo D. Rabinovich-Berkman. Professor da Universidade de Buenos Aires em seus materiais de aula, disponíveis para alunos do Doutorado em Direito da UBA – 1º Módulo, JULHO, 2012.

 

 

[9] TEORIA GERAL DO DIREITO. Material de classe composto por Maria da Glória Lins da Silva Castro e José Mauricio Pinto de Almeida,  Faculdade de Direito de Curitiba, 1984.

[10] Em discurso  proferido por Aymoré Palhares, Prof. Superior de Direito do Trabalho, em Joinvile –SC, 1985.

[11] O termo “empoderamento” (neologismo) cobre uma variedade de significados, interpretações, definições e disciplinas, desde a Psicologia até a Filosofia além de outras ciências. O empoderamento sociológico refere-se aos membros excluídos de um processo decisorial devido à discriminação baseada em limitações étnicas, religiosas, sexo, etc..

 
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Autor: Antonio Domingos Cunha


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