A eficácia do direito fundamental à saúde na realidade brasileira e no estado democrático de direito



A EFICÁCIA DO DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE NA REALIDADE BRASILEIRA E NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

 

 

Jacqueline Camargo Gonçalves[1]

 

 

RESUMO

 

O foco do presente artigo é realizar um breve estudo sobre a eficácia do direito fundamental à saúde na realidade brasileira e no Estado Democrático de Direito, traçando os deveres do Estado, já que garantidor das necessidades da sociedade, conforme bem estabelecidos no Ordenamento Jurídico, bem como os direitos e garantias da sociedade no que tange a saúde. Denota-se do processo de desenvolvimento social a descentralização do poder, com direção única em cada esfera do governo, a criação de sistema de saúde e seu financiador.

 

Palavras-chave: eficácia, garantia, direito, dever, saúde.

 

 

1 - Da estruturação estatal

 

Como sociedade democrática de direito, o povo detém o Poder, por meio do PCO (Poder Constituinte Originário), em que através do voto coloca seus representantes na administração pública, para estruturar e criar poderes destinados aos anseios desta mesma sociedade.

Nas palavras de Alexandre de Moraes:

O poder constituinte originário estabelece a Constituição de um novo Estado, organizando-o e criando os poderes destinados a reger os interesses de uma comunidade. Tanto haverá Poder Constituinte no surgimento de uma primeira Constituição, quanto na elaboração de qualquer Constituição posterior[2].

 

As palavras de Alexandre de Moraes, extrai claramente os poderes e limitações a que os representantes escolhidos pelo povo, tem para com seu cargo executivo, já que a vontade constituinte, ou seja, o texto constitucional expressa a vontade daqueles.

Isto porque, o Poder Constituinte[3]: “é a manifestação soberana da suprema vontade política de um povo, social e juridicamente organizado”.

Assim tem-se que o Poder Constituinte Originário tem característica inicial[4], “pois não se funda em nenhum poder e porque não deriva de uma ordem jurídica que lhe seja anterior. É ele que inaugura uma ordem jurídica inédita, cuja energia geradora encontra fundamento em si mesmo”.

Portanto cabe ao Estado organizar e estruturar as garantias e recursos da sociedade, fazendo-o de forma eficaz e transparente, haja vista os princípios basilares da administração pública serem o alicerce do direito público.

Já que:

o Direito Administrativo nasceu e desenvolveu-se baseado em duas idéias opostas: de um lado, a proteção aos direitos individuais frente ao Estado, que serve de fundamento ao principio da legalidade, um dos esteios do Estado de Direito; de outro lado, a de necessidade de satisfação dos interesses coletivos, que conduz à outorga de prerrogativas e privilégios para a Administração Pública, quer para limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do bem-estar coletivo (poder de polícia) quer para a prestação de serviços públicos[5].

 

Sobre o tema do presente artigo é cabente analisar as duas idéias do Direito Administrativo, em que pese a tese de que o Estado quem deve buscar a satisfação dos direitos e garantia coletivos, a sociedade limita seu direito particular em favor do bem-estar de todos, ou seja, o direito público sobrepõe ao direito particular. Matéria bem apontada pelo princípio da supremacia do interesse público, que nas palavras de Maria Di Pietro, leciona:

Precisamente por não poder dispor dos interesses públicos cuja guarda lhes é atribuída por lei, os poderes atribuídos à Administração tem o caráter de poder-dever; são poderes que ela não pode deixar de exercer, sob pena de responder pela omissão. Assim, a autoridade não pode renunciar ao exercício das competências que lhe são outorgadas por lei; não podendo deixar de punir quando constate a pratica de ilícito administrativo; não pode deixar de exercer o poder de policia para coibir o exercício dos direitos individuais em conflito com o bem-estar coletivo; não podendo deixar de exercer os poderes decorrentes da hierarquia; não podendo fazer liberalidade com o dinheiro publico. Cada vez que ela se omite no exercício de seus poderes, é o interesse publico que está sendo prejudicado[6].

 

Com tais definições e ensinamentos apontados supra, é de se analisar que o papel do estado deve obedecer o que estabelece a lei maior, nos termos em que reza sobre os direitos e garantias sociais e fundamentais da sociedade.

Por direito social, ou seja, aquele bem lançado no artigo 6º da Constituição Federal, estabelece que são direitos sociais[7] a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e a infância, a assistência aos desamparados, na forma da Constituição.

Note-se que todos os direitos elencados no referido artigo, qual seja, artigo 6º da Constituição Federal, são direitos fundamentais do homem, que busca uma melhoria na sua condição de vida, na busca da equiparação social, ou seja, igualdade social, igualdade essa que garante a dignidade da pessoa humana, princípio consagrado no artigo 1º, inciso III da Constituição Federal.

Logo os direitos sociais estabelecidos na Constituição e destinado aos direitos e garantias fundamentais acarreta duas consequências imediatas:

 

subordinação à regra da auto aplicabilidade prevista, no §1º, do art. 5º e suscetibilidade do ajuizamento do mandado de injunção, sempre que houver a omissão do poder público na regulamentação de alguma norma que preveja um direito social e, consequentemente, inviabilize seu exercício[8].

 

3-Do direito à saúde.

 

O primeiro direito que o indivíduo possui é a vida[9], condicionador de todos os demais. Desde a concepção até a morte natural, o homem tem o direito à existência, não só biológica como também moral.

Entendendo que existe um intermédio de tempo para que o homem nasça, cresça, envelheça e morra, esse lapso temporal deve ser coberto por direito e garantias estatais, sendo um desses direitos e garantias, aquele referente à saúde, tema do presente artigo, que busca desenvolver os pontos de eficácia do direito fundamental à saúde na realidade brasileira e no Estado Democrático de Direito.

Partindo desse ponto, é forçoso observar que conforme já explanado anteriormente, a formação e administração do Estado deve adotar todas as garantias fundamentais para que o homem viva saudável no meio social.

Como bem decidiu o Superior Tribunal Federal,

O direito a saúde representa consequência constitucional indissociável do direito a vida. O direito público subjetivo a saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada a generalidade das pessoas pela própria constituição da republica (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incube formlar-e implementar-politicas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, inclusive aqueles portadores do vírus HIV, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. O direito à saúde-além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas-representa consequência constitucional indissociável do direito a vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. A interpretação da norma programática não pode transforma-la em promessa constitucional inconsequente. O caráter programático da regra inscrita no artigo 196 da Carta Política-que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro-não pode converter-se em promessa constitucional inconsequente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria lei fundamental do Estado[10].

 

Dos fins do Estado, que deve garantir uma vida digna a pessoa humana, é possível observar que a garantia, ou seja, o direito a saúde só foi adquirida aos cidadãos, somente com a promulgação da atual Constituição Federal, pelo que anteriormente as normas maiores o direito era estendido à apenas aos trabalhadores com carteira assinada e suas famílias, tendo os demais cidadãos acesso ao serviço somente como favor e não como direito/garantia.

Por conseguinte a Constituição Federal, não só estabeleceu os direitos e garantias a saúde, como também descreveu a sua forma de assegurar a garantia, que é por meio do SUS (sistema único de saúde).

Conforme comenta Maria Hermínia Tavares De Almeidao SUS constitui, seguramente, a mais audaciosa reforma da área social empreendida sob o novo regime democrático,[11] embora, como acentua Eugênio Vilaça Mendes, não tenha se tratado de um projeto mágico típico das elites brasileiras, já que o SUS segue a melhor tradição de reformas democráticas, negociadas na sociedade. É, a um tempo, um processo legal e legítimo e, também, um processo em marcha, portanto inacabado.

Assim a idéia do SUS (sistema único de saúde) visa não só a disponibilização de hospitais e médicos, mas sim postos de saúdes, com agentes que promovam visitas frequentemente a famílias antecipando conhecimentos técnicos, encaminhando-as aos equipamentos públicos somente quando necessário, o que visa um desafogamento do serviço de saúde, com maior desempenho na prestação do serviço público.

Tratar desse assunto sem referir-se sobre os custeadores dessa garantia é um tanto quanto desapontador, no que tange a matéria da saúde. Diante disso, ou seja, por meio da descentralização do poder, conferido pelo Estado Federativo, tem um papel árduo e intenso, todos os entes federativos, União, Estados, Distrito Federal e Municípios, para que com recursos do orçamento da Seguridade Social, possa garantir os direitos da sociedade a uma vida digna e com saúde.

Veja-se que a saúde tem papel tão importante no meio social, que a Constituição traz no capítulo II, toda a matéria relacionada a ordem social, com foco total na saúde.

Diante dos dispositivos legais regulares da matéria, veja-se aqueles bem lançados no artigo 6º e capitulo II da Constituição Federal, seria no mínimo exemplar o sistema de saúde adotado pelo ordenamento jurídico.

Contudo a teoria nunca se pratica, e quando o faz na maioria das vezes não consegue alcançar sua eficácia, prova disso esta ligado a crise que o sistema de saúde enfrenta, que ao se presumir a dignidade da pessoa humana inexiste, pois não é demais pensar que sem o sistema de saúde, a garantia do direito humano é inexistente.

Essa deflagrada crise é decorrente de uma série de fatores:

sendo o sub-financiamento do Sistema Único de Saúde o principal fato desencadeador da precariedade de acesso e até da exclusão de milhões de brasileiros das ações e serviços de saúde. Superar este obstáculo irá demandar um grande esforço de articulação política e institucional, com a finalidade de exigir dos governos o cumprimento das suas obrigações constitucionais[12].

 

Atento a todos os fatores de garantia ligados a saúde, Sérgio Pinto Martins, assim preleciona:

O orçamento da seguridade social destinará ao Sistema Único de Saúde - SUS, de um acordo com a receita estimada, os recursos necessários a realização de suas finalidades, previstos em proposta elaborada pela sua direção nacional, com a participação dos órgãos de Previdência Social e da Assistência Social, tendo em vista as metas e as prioridades estabelecidas na Lei de Diretrizes Orçamentarias.

Outras fontes de recursos poderão servir para ajudar no financiamento do sistema, como:

a)      Serviços que possam ser prestados sem prejuízo da assistência à saúde;

b)      Ajuda, contribuições, doações e donativos;

c)      Alienações patrimoniais e rendimentos de capitais;

d)      Taxas, multas, emolumentos e preços públicos arrecadados no âmbito do SUS;

e)      Rendas eventuais, inclusive comerciais e industriais[13].

 

Diante do já exposto sobre direitos e garantias referente a saúde, insurge que por mais que exista definições e atributos que regulem a matéria sobre o tema (saúde), nos dias atuais é notório e público observar os descuidos e irresponsabilidades, no que se refere a tal garantia, haja vista existir surpresas diárias de agentes do poder, inseridos na administração pública por meio do voto, respondendo CPI’s (comissão parlamentar de inquérito), processos administrativos e judiciais.

O caso mais notório é o que se refere ao desvio ou mau uso do dinheiro público, contudo este é um ponto que indiretamente pode afetar e afeta por demais o aspecto da saúde, haja vista que todo dinheiro público, diga-se de passagem este arrecadado por meio de contribuições, também denominado como tributo tem um papel muito relevante, perante a sociedade que dele necessita para que a Administração Pública consiga executar suas tarefas prontamente aos que dos serviços sociais necessita.

Com o desvio desse dinheiro ligado a desigualdade social existente no pais, a Administração Pública fica longe de garantir os direitos básicos estabelecidos na Constituição, ocasionando um caos nas repartições públicas.

A bem da verdade, o Estado Democrático de Direito, serve para que o povo titular desse direito, possa desempenhar um papel de escolha, elegendo candidatos corretos, honestos e responsáveis para assumirem um cargo que visa administrar, ou seja, reger o direito de todos.

Pois, se a Administração Pública não se formar por homens que utilizem-se dos princípios básicos que regula a matéria, destaca-se os principais: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, não será nunca possível alcançar o fim social a que se destina a Administração.

Dessa forma, extrai-se a responsabilidade de se assumir um cargo público e desempenhar a figura correta e honesta de um politico de bem, já que:

os recursos financeiros do SUS serão depositados em conta especial, em cada esfera de sua atuação, sendo movimentados sob fiscalização dos respectivos Conselhos de Saúde. Na esfera federal, os recursos financeiros, originários do orçamento da Seguridade Social, de outros orçamentos da União, além de outras fontes, serão administrados pelo Ministério da Saúde, por meio do Fundo Nacional de Saúde[14].

 

Dessa forma é conclusivo, que por mais que o povo detenha o poder, através do Estado Democrático de Direito, elegendo candidatos por meio de votos, a realidade brasileira no que tange a Administração Pública deixa muito a desejar, fazendo com que os direitos e garantias fundamentais, consagrados na Carta Magna sejam sufragados pela má Administração Pública existente no Pais, o que insurge por conseguinte, que somente o teor da Lei, ou seja, a teoria consegue delimitar e estabelecer direitos e garantias aos cidadãos.

Sendo ainda forçoso observar que a inexistência de fiscalização tanto dos entes federados, neles subdivididos e ainda da própria sociedade acarreta uma maior ineficácia da aplicação da garantia do direito a saúde no pais.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

BIBLIOGRAFIA

 

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 27ª ed. Editora Atlas. São Paulo, 2011.

 

CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional. 18ª ed. Ed. Del Rey. Belo Horizonte, 2012.

 

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 13ª ed. Ed. Atlas S.A. São Paulo, 2001.

 

HORCAIO, Ivan. Vade Mecum Jurídico. 8ª ed. Ed. Primeira Impressão. São Paulo, 2009.

 

STF, RE n. 271.286 - AgRg - RS - Segunda Turma - Rel. Min. Celso de Mello, RTJ 175/1212 e 1213.

 

TAVARES DE ALMEIDA, Maria Ermíria. Federalismo e Políticas Sociais. Revista Brasileira de Ciências Sociais, n. 28, junho de 1995.

 

Fonte: Movimento Mais Saúde para o SUS. Disponível em: http://www.maissaudeparaosus.org.br/PDF/MovimentoMaisSaudeParaOSus.pdf. Acesso em 19 jun. de 2012.

 

MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. 23ª ed. Ed. Atlas S.A. São Paulo, 2006.


[1] Graduanda no Curso de direito, do ILES/ULBRA Instituto Luterano de Ensino Superior.

[2] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 27ª ed. Editora Atlas. São Paulo, 2011, p. 30 .

[3] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. Op. Cit. pag. 29.

[4] CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional. 18ª ed. Ed. Del Rey. Belo Horizonte, 2012, pag. 236.

[5] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 13ª ed. Ed. Atlas S.A. São Paulo, 2001, pag. 65.

[6] Idem, pag. 70

[7] HORCAIO, Ivan. Vade Mecum Jurídico. 8ª ed. Ed. Primeira Impressão. São Paulo, 2009, pag. 19.

[8] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. Op. Cit. pag. 207.

[9] CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional. Op. Cit.  pag. 650

[10] STF, RE n. 271.286 - AgRg - RS - Segunda Turma - Rel. Min. Celso de Mello, RTJ 175/1212 e 1213.

[11] TAVARES DE ALMEIDA, Maria Ermíria. Federalismo e Políticas Sociais. Revista Brasileira de Ciências Sociais, n. 28, junho de 1995, p. 10.

[12] Fonte: Movimento Mais Saúde para o SUS. Disponível em: http://www.maissaudeparaosus.org.br/PDF/MovimentoMaisSaudeParaOSus.pdf. Acesso em 19 jun. de 2012.

 

[13] MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. 23ª ed. Ed. Atlas S.A. São Paulo, 2006, pag. 495.

[14] MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. Op. Cit. pag. 495.


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