A guerra na paz e a paz na guerra



A GUERRA NA PAZ E A PAZ NA GUERRA

Por que a nossa paz é tão violenta? Guerra e paz tornaram-se conceitos dos mais relativos. Eles como se fundiram numa só realidade, (in)visível aos olhos da grande maioria somente nas telas dos televisores. Nessa fusão das noções, coisas curiosas acontecem. Por exemplo, não há mais declaração oficial de guerra. São travadas, claro, por ongues, comandos especiais, serviços de inteligência, exércitos, empresas de mercenários, bancos etc., mas o sangue não pode borrar nenhum documento. Avulta na guerra a sua dimensão psicossocial. Por isso, agora, a declaração de guerra, quem a faz, é a mídia. A mentira, a hipocrisia, a farsa, o bom-mocismo de tarados prevalecem. Senão, vejamos. 


Em nome da paz o poder declara a guerra. A paz transmudou-se na máscara da guerra. A paz abriga o mal, ainda mais do que a própria guerra. Por esta razão, a paz nem sempre é boa, e a guerra, nem sempre ruim. A mentira da paz revela-se numa paz de mentira. Se a verdade é a verdade do bem, então haverá mais bem na verdade da guerra do que numa paz de mentira. Alguém caído de pé numa guerra deve encontrar mais paz em sua morte do que a tem em vida aquele prostrado na paz de sua humilhação. A nossa paz tem a mentira por véu, e a desigualdade por assento. A democracia faz-se de impunidade e representa a maior mentira de nossa paz. Têmis parece falar inglês, francês, alemão, ou mesmo o espanhol do justiçador universal da periferia Dr. Baltasar Garzón. A deusa, além disso, decerto guarda enormes ativos como acionista dos maiores monopólios ocidentais. A paz consiste em lavores dourados feitos por mãos poderosas no tecido da impotência, da covardia e da alienação. A paz vegeta à sombra dos fortes, projetada sobre os derrotados na guerra, ou na própria paz, tão parecida com a guerra. Assim a paz dada aos fracos não pode valer mais do que a guerra feita aos fortes. A mentira da paz radica também naquele que busca a paz por já ter encontrado o que antes buscava na guerra.Enfim, o próprio espírito da paz pode ir à guerra, batendo-se pelo poder da paz, contra a paz do poder.

Comecemos classicamente, citando von Clausewitz, só para impressionar: a paz é a continuação da guerra por outros meios. Ou seria a guerra a continuação da paz? Seja como for, neste nosso conturbado mundo a guerra e a paz estão se confundindo: só a guerra impõe a paz, mas a paz leva à guerra. Na guerra não há equilíbrio, já que tudo se empenha na sorte de uma decisão unilateral violenta, pela derrota do inimigo. Às vezes, o inimigo não é, digamos, “respeitável”. Fraco, incompetente, covarde, racialmente inferior, nenhuma nobreza comunica à luta que se lhe faça. Nessas condições, o inimigo não é propriamente derrotado, porque ele mesmo se derrota, talvez já nasça derrotado, quiçá a natureza mesma o tenha derrotado. Simples assim. Pois alguns povos desfrutam as delícias de seu “destino manifesto”, enquanto a outros assola o próprio destino infesto.

O fraco não é, nem pode ser, inimigo de ninguém. Ele deve ficar na dele. Não pode ser derrotado, a derrota não se lhe é imposta, não lhe é externa, mas interna, ele é a própria derrota. O forte não tem como derrotar o fraco autoderrotado. Diante disso, ao forte resta apenas usar o fraco, explorá-lo, fazer que a sobrevivência miserável do fraco sirva à vida fáustica do forte. Uma forma de simbiose.

A natureza está cheia dessas coisas. Quem nunca viu uma garça carrapateira às costas de um boi, fartando-se de parasitas, para alívio do quadrúpede? E aquele peixinho, cujo nome poderia ser Portugal, que acompanha o tubarão, sempre comendo o que sobra do que o monstro devora! Existe aí o que os multiculturalistas chamariam de “a unidade na diversidade”. Muito bonito... Mas no mundo humano, ou desumano, comer carrapatos ou as migalhas caídas da mesa do grande repasto dos superiores da espécie sempre pode causar algum desconforto, até mesmo moral, ou estomacal, no mínimo.

Desgraçadamente, a humilhação tornou-se forma de ganhar (ou perder?) a vida. Não apenas humilha-se aquele a quem tudo falta. Humilha-se também, embora não o perceba, aquele que, tendo tudo, nada dá. Que falar daqueloutro que, já tendo tudo, toma ainda daquele que pouco tem? Assim procede o corrupto mais bem situado na sociedade. O corrupto tem poder, mas não tem moral, o que indica forma de fraqueza, embora pareça força. Ele se sente forte, esperto, mas não passa de um animal guiado pela fisiologia de desejos pervertidos. A corrupção está num extremo negativo do espectro moral, e sua existência corriqueira no Brasil mostra o quão indecente é a nossa “democracia”.

Não só o corrupto propriamente dito é um corrupto. Há ainda o tipo “normal” de corrupção: a corrupção de quem, diante da desigualdade, da pobreza e da corrupção mesma, faz que não é com ele. Seremos todos corruptos? Se a tanto nos tivermos degradado numa democracia, que venha então a ditadura! Uma forma de corrupção do homem é o homem-consumidor. (Este problema nada tem a ver com o Procon.) No tempo de falsa paz, o campo de batalha ganha a forma de um mercado. No mercado o forte transforma o seu inimigo derrotado ou autoderrotado em reles “consumidor”, que também pode ser um produtor de matérias-primas como, por exemplo, ferro ou soja. Deleitando-se no consumir, o consumidor alheia-se da sorte daquele que não consome, a quem culpa da própria desgraça: vagabundagem, doença, raça-porcaria etc. Tem a si mesmo na conta de um forte, sem saber que o forte não é isoladamente forte. O homem realmente forte não é forte na sua caverna, mas na sua tribo. Mesmo como pastor, ele sente que o rebanho é parte dele, e ele, parte do rebanho. A força está no consumo coletivo, não no individual e conspícuo. Na verdade, forte não é quem mais consome, mas o que menos consome. No Afeganistão, o invasor gringo consome cem vezes mais do que um mujarredim, para quem está perdendo a guerra. Só os fortes lutam e na luta dão-se ao sacrifício. Forte não é quem mais recebe, senão quem mais dá. Quando dissoluta, a sociedade não garante nada a ninguém. Tal sociedade será mesmo sociedade, ou contrassociedade, ou simples mercado, onde até mesmo a vida humana tem preço?

Numa circunstância não das piores, o forte destrói o poder de seu oponente igualmente forte, dando-lhe o consumo como derivativo. Aconteceu com o Japão: era forte, perdeu a guerra e hoje vive de mostrar e vender bugigangas eletrônicas “espetacnológicas” na televisão. Não fosse pelo maremoto, estaria completamente feliz como o grande lacaio amarelo dos gringos. Também a Grécia viveu o sonho dourado do consumo com que sonham os lacaios da Otan: comprou aviões da França, submarinos da Alemanha e foi matar gente no Afeganistão. Adquirira mercadorias, mas não dispunha de poder. Agora, continua sem poder, mas nada pode comprar. Ou seja: mesmo a vida de um lacaio pode não ser fácil.

Como lacaios semicoloniais do Brasil, nós somos fracos. Entre os fracos, ninguém vale nada. Só vale o vale-tudo. O empresário superfatura, o político embolsa propina, o juiz vende sentença e não se aceita como réu, o motorista atropela, mata e vai ao cinema, o “dimenor” assalta, estupra, esfaqueia ou atira e continua livre, o telejornal desinforma, o produtor rural desmata, queima, envenena, as ruas têm muitos carros e nenhum trânsito, e a indústria automotiva nada tem a ver com isso, o advogado vive de tornar branda a vida de bandidos, quando ele mesmo não é o bandido, o rentista dirige a economia, quem não está em cima está embaixo, o preto sofre mas ninguém é racista e quem disser a verdade vai para a cadeia, todos mentem justificadamente: como não ser hipócrita numa sociedade de ficção?

Eis a nossa paz: uma guerra cotidiana. Não somos membros de uma sociedade; não passamos de consumidores de um mercado. O ter prevalece sobre o ser, mas não no caso do preto, a menos que seja muito bom de bola. Solução: assimilação, racial e social. Uma, digamos, solução católica: a raça universal, forte e poderosa, o povo unificado, “um só rebanho, um só pastor”. Antes disso, continuaremos fracos e sem inimigos, além de nós mesmos, e divididos. Depois, o Brasil terá a felicidade de fazer inimigos, de produzir o ódio a quem faz a própria glória de nossa miséria, a quem fez da nossa sociedade um mercado entregue à sanha de onzenários e monopolistas alienígenas de todo tipo.

Nessa altura, a Europa, inconformada com a perda desta sua colônia sul-americana, revelará uma vez mais ao mundo a guerra como a continuação da sua paz, e a paz como a continuação da sua guerra. 


Autor: Chauke Stephan Filho


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