Correntes de ignorância



Correntes de ignorância 

 Conhecidamente o processo de crenças a que é exposto o indivíduo que é infantilizado pela religião, sobretudo o chamado crente neopentecostal, conduz a um niilísmo intelectual, ou seja, a um valorável não engajamento em coisa alguma. Porém, o motivo desta deformação do caráter original do evangelho de Cristo, não poderia surgir de outro ponto que não a estância clerical e seu determinismo teológico. 

 Não me refiro aqui ao determinismo classificador e encadeador, mas a um nascido do niilísmo intelectual dos clérigos. A convivência com tais pensamentos desencadeia no sujeito um ato continuo de “despensar” o mundo. Não um repensar construtor, mas, um “despensar”, ou seja, uma resistência ao ato de reflexão. A baixa intelectualidade atual de grande parte da massa evangélica deve nos levar a um questionamento:

 - Caso vigorasse este tipo de existência ”despensante” qual seria o futuro esperado?         

 Posterior à crise da razão, onde colocamos em cheque a racionalidade do uso da razão (ler O eclipse da razão Max Horkheimer), estamos assistindo a decadência, predita pelo Anticristo, porém não seria esta decadência precedida pelo além-do-homem?(Ler O Anticristo de Nietzsche) O abandono da razão criadora e criativa em troca do narcisismo individual mediado pelas teias sociais (que prendem a todos que se aproximam), pode nos auxiliar no processo de percepção do motivo de tanto desprezo ao debate dialético.

  Sendo a dúvida e não a mera desqualificação do oponente intelectual, o ponto de partida do pensamento, não teríamos como pressuposto estarmos sempre certos. Afirmamos ser sempre errado tudo aquilo que, uma vez esta contida na ideia do oponente intelectual.        

 Neste debate ninguém ganha, pois não existe a possibilidade de troca de conhecimento.

  Se nossa certeza é construída sobre os mesmos axiomas que a do nosso oponente, não são, todavia, os nossos axiomas superiores aos dele.

  A base dos axiomas atuais, mais sofisticados que os antigos, são apenas probabilidades que me convençam; não é necessário convencer mais ninguém somente a mim. Sou, portanto, convencido pelo meu desejo de me convencer, supondo que não existe outra forma mais profunda de dialogo com o EU.

    Eu nunca questiono o que eu penso.

   A menor instabilidade nas bases dos meus axiomas causada pelo autoquestionamento deve ser detida a qualquer custo. A razão, que se perdeu na ação de adaptar-se ao comum, junto com a cultura que se perdeu na ação de só mimetizar e manter, são de certa forma, o retrato desta configuração atual da episteme cristã.

  Pois se a razão não se questiona, para que então serviria?  

  De que serve o inventor que nada cria sentado no degrau de entrada do castelo do desprezo?

  A razão, antes inquieta, esta agora dominada, domesticada. Quem a domesticou?

 Sendo o homem uma “fábrica” de sentidos, quem interrompeu a linha de produção?

  A multiplicidade das fontes de saber, a superexposição a informações que antes demandavam uma grande empreitada, hoje nos escapa entre os dedos.

 Será que o acesso a tanta informação produziu neste homem um tipo de impotência intelectual? No que tange a não sentir desejo pela busca, desejo pela caça das respostas, podemos dizer que sim.

   A esta população superexposta a informação, que se concentra, sobretudo nos grandes centros urbanos que atualmente corresponde ao local de moradia de 61% da população, são as que mais sofrem do mal acima citado.                            

  Podemos concluir que o aumento da exposição de informação, sem existir, contudo, o desejo por elas, torna-se maléfico ao ímpeto do saber?  Se a resposta vier antes da dúvida, esta se mostrará prejudicial ao encadeamento da compreensão.

  A exposição a determinados, vírus ou bactérias presentes no ambiente, pode desencadear reações autoimunes difíceis de tratar, até mesmo incuráveis.  As crianças que na infância foram imunizadas contra pólio ou coqueluche podem ser infectadas posteriormente por estes vírus mutantes. Da mesma forma poderia ser possível a um determinado método, de determinada forma, fazer o papel de agente de uma reação em cadeia?

   Diante da necessidade de criar ou pensar, ocorre em algumas pessoas, um bloqueio intelectual. Como que se fossem vitimas de um blackout causado pela queda de um poste. A queda do poste representa a interrupção da cadeia do pensamento. Uma mensagem que nunca chega por que o caminho fora interrompido. Estas pessoas proprietárias de mentes interrompidas, na verdade, ignoram este fato desconhecendo sua possibilidade. Elas desconhecem o fato de que foram interrompidas no melhor da festa: O momento atual de democratização da informação e dos meios de comunicação. Estranhamente ao invés de gerar no intelecto humano um querer-saber como jamais outrora fora visto, tanto estímulo gera, no entanto, uma apatia intelectual.

 Como os esqueletos acorrentados no fundo da caverna, eles conseguem ter uma vida feliz e anestesiada apenas observando as sombras e representações da vida. Os meios de comunicação de massa são estas cavernas atuais. Oferecendo-nos apenas o sonho simbólico que não nos permite “vivenciar” a vida, somente assisti-la conferindo a programação do fundo da caverna, de costas para a existência, acorrentados a esta situação. Com que correntes? Correntes de ignorância.

 O que os mantem presos ali?

 O fato de não perceberem que são livres, assim, por comodismo, se mantem presos a um mesmo lugar. Como os que ficam em fila tendo o mundo todo para ocupar.

Mas para manter-se certa ordem, para ficar tudo mais organizado, nos mantemos presos em correntes invisíveis mantendo em silencio a opressão presente.

    As informações que extraímos do fundo da caverna chegam a nós com um tom de infalibilidade, ou seja, são tradicionalmente certas. Não abertas a discussões.

 As telas de informação representam o poder vigente e nós somos Winston Smith (ler 1984 George Orwel) que teme ser vigiado o tempo todo. Não se questiona a mensagem vinda da tele tela, não se pensa de forma diferente  daquela que o Grande Irmão “sugere”.

 Não devemos guardar anotações, pois o passado pode ser mudado com o interesse de convergir ao objetivo almejado pelo GI. Se o passado pode ser mudado, não há mais memória. A acomodação se tornou inação constante, inercia, não agir é infinitamente mais fácil, porém, pior que errar. Errar implica ação, por isso é característico do humano.

   Sublevando qualquer resquício de preconceito que possa ocupar meu pensamento, ainda assim o desprezo pelo saber que habita a alma do cristão medíocre me incomoda até doer os ossos. Cada palavra dita sem reflexão, saída de uma mente ociosa corresponde a uma ausência de sentido. Um momento cego, um momento mudo, ou sem paladar. Uma criança que se nega a crescer, uma mãe que se nega a amamentar.

  Um cristão sem espirito livre, cretinamente acorrentado.

O desenvolvimento da intelectualidade é a escada que leva ao andar da espiritualidade. Sem esta escada não se chega lá. Chegar lá não significa compreender o que lá existe.

 A busca da espiritualidade (transcendência), só pode começar após o momento em que soubermos diferenciar o Branco entre os brancos. Quando nosso intelecto já souber distinguir o Branco entre os brancos.

Olhos comuns para pessoas comuns, novos olhos para os que buscam ver.

   Ver a verdade acima da realidade, ver o imutável que está substancial a todos, mas, que a tantos é incomunicável.

 O lugar do por do sol acima dos polos no centro da vida.

  Quando aquilo que pensamos não advém de um profundo processo de investigação, mas é nascido da simples falta de uma concepção melhor apurada, ainda somos escravos do senso de subsistência primaria ou mítica. O termo médio advindo da observação e manutenção de tradições (ou erros de traduções) torna-o apenas um fantoche sem sentido ôntico.

 Como algarismos que dão significado sem nada significar. Significando sem significar. Uma vida de algarismos, meramente simbólica.

 Pode se somar qualquer coisa a ela, como também subtrair ou multiplicar, dividir, diagramar, fazer gráficos, tirar conclusões, medir progresso, analisar, ascendente, decrescente, requer cuidado, vamos continuar acompanhando, avaliando...          

 ... Mas que representam mesmo estes números na realidade?

   Uma vida equacional, porém, sem sentido. Existência algébrica, conceitual meramente formal, não de fato, mas, de factum (equivalente gramatical latino a Destino).  

  Dá para o que serve, serve para o que dá.

 Não se supera, não busca, não almeja, pois sem alma, sem significado em si.

Sem proposta, não dialético, não dialogável.

Sem dias, um sombrio UNO.

 Unânime e correto sem oposição só imposição – solidão da rotina de sempre ver a mesma cena na mente.

Se contentar com a impossibilidade de criar.

 Vida de camelo, alma de camelo.


Autor: Rafael Da Silva Tinoco


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