Futuro bom



Futuro Bom

 

 

 

                Ele estava lá, bobão, tipo um cara de folga que acordou tarde, passeou com seu cachorro e não esperava muita coisa de seu dia. Sua esposa ainda na cama, fazendo uma preguicinha, tipo daquelas que se faz manha, dando a entender que ficaria super satisfeita e prometeria juras de amor se ele, o bobão, preparasse e levasse um café com torradas na cama. Ela com aquela carinha de dengo e ele sabendo que ela não cumpriria o acordo, prepara tudo e diz que mais tarde vai cobrar as tais juras.

 

                Seus amigos estão jogando bola, e ele diz para um deles, a quem tem mais apreço, para que só jogue uns trinta minutos, pois o levaria para almoçar na casa de sua mãe. Diz também para levar uma roupa bacana, pois depois do almoço, iria ao shopping comprar uma bike, àquela surpresa pendente para o aniversário que já passou do seu guri.

 

                Tudo tão tranquilo, tudo tão domingo. . .

 

                Começam gritos, todos os caras estão reunidos ao redor de uma arvorezinha, e ele, o bobão sai de casa para ver o que está acontecendo.

 

                - Uma cobra, vejam!

 

                - Caramba! Uma cobra Cipó!

 

                - Doido véio, tu bota fé que eu pego ela com a mão?

 

                - Duvido véio.

 

                Lá se foram, cercando a tal cobra e ele, o garotão corajoso, pega a cobra com a mão, se amostra pra galera e quando resolve soltar a linda Cipó, toma uma mordida.

 

                - Meu Deus! Fui mordido!

 

                - Será que é venenosa?

 

                - Tu vai é morrer véio!

 

                O bobão vê tudo aquilo e deixa de ser bobão para ser bravão, diz que não vai ajudar em nada, pois se o cara quis ser babaca e brincar com cobra, que se vire e espere a ambulância, pois estava de folga, com seu dia todo programado, e, diga-se de passagem, sem folga a mais de mês.

 

                Ele entra em casa resmungando com sua esposa o ocorrido, fala tão rápido que parece um abestado estúpido, tipo alguém dando piti. Sua esposa diz que ele não pode fazer isso, pois ele é responsável pelas coisas que acontecem naquele lugar, de folga ou não e que se vire para resolver essa confusão, afinal, ela o esperaria, com amor (dando graças a Deus por não ir à casa da sogra), que de noite recompensaria e ele enfurecido sai para resolver, mesmo sabendo que a segunda promessa de sua esposa não seria cumprida, bem como a primeira.

 

                Liga para o SAMU, o médico o orienta para que leve o garotão corajoso ao hospital dentro de duas horas.

 

                O dia de folga se foi, só daqui a quinze dias, ser der é claro, pois os outros estão sempre em primeiro lugar.

 

                Pega o carro do seu trabalho, o bobão, que agora é bravão, resmunga que os demais companheiros de trabalho tinham que ter carteira de motorista, que os caras não pensam nessas coisas e tal, e que só sobra pra ele (ele está estressadinho. . .)

 

                Chegam ao hospital, o bravinho e o corajosinho, que bacana, hospital público lotado... novidade!

 

                O médico atende o jovem, começam os procedimentos, ele terá que permanecer por horas lá. O bravo agora, tendo que esperar, vai à feira ver uns eletrônicos, depois passa no supermercado, para comprar alguma besteirinha antes de retornar ao hospital. Na fila, com seu Gatorade e um bombom de castanha, tipo Ferrero Rocher, feliz, ou não, aguarda na fila, que parece não andar e observando a movimentação das moças, ele gosta e aprecia, e observa, observa elas com suas garrafas long neck de cerveja e alguns salgadinhos na mão.

 

                Seus pensamentos voam, gostosos para lugares legais, garotas, cervejas, folga...uma mistura até que boa, ou não. Ele tenta disfarçar, segue em frente, brinca com a mocinha do caixa (ele sempre faz isso, ele gosta de identificar reações em mulheres atarefadas que são interrompidas por frases estranhas de um cara que aparece do nada) e diz que valeu a pena pegar uma fila gigante para comprar  dois itens, que pagando apenas mais três reais, os teria comprado em dois minutos em qualquer posto de gasolina. Ela ri (deve ter pensado: - Que babaca...) e diz CPF na nota senhor?

 

                Ele sai, anda até o carro, percebe que tudo está diferente, ele queria é descansar, beber uma cerveja, parar um pouco, mas tem que correr para o hospital, cuidar do corajoso.

 

                O médico diz que o corajoso vai ter que pernoitar, ficar sob observação e que é melhor deixar o número de telefone para que quando estivesse liberado, ligasse. O bravão, que agora estava se transformando em ansiosão, liga para sua esposa e conta o ocorrido ela bem compreensiva (graças a Deus, não iremos a casa de minha sogra) diz que pode ficar tranquilo, pois vai aproveitar para descansar, vai tomar um remédio. O ansiosão agora começa a pensar que poderia ficar um pouco só, que tem algumas horas para folgar e pensa naquelas moças, e suas long neck’s e suas risadas e seus perfumes misturados (todos perfumes baratos, nada de Bizance) e todo aquele clima de domingo, de “folga”.

 

                Compra uma cerveja, duas, três, fica mais sorridente, mais tranquilo, se sente bem e de repente, se dá conta que tem alguma coisa errada nisto tudo (nunca dá certo, porque iria dar dessa vez), mas ignora,  e mente para si mesmo, afoga suas mágoas em suas próprias convicções, está cansado, quer parar de beber, mas não para e, quando começa o torpor, lembra que só ficará bem quando mudar para algo que sempre promete a cura, o bem estar (mais uma mentira em que ele insiste em acreditar) a moça má, ele não sabe onde conseguir, mas sabe que se procurar, achará, pois ela está em todos os lugares. Ele a procura, ela está entre uns caras de boné aba reta, colar de prata, escutando um som (em todo lugar, a mesma cena, os mesmos caras, dificilmente muda).

 

                Ele pergunta por ela, eles dizem para encostar o carro. Entregam-na.

 

                Ele sai, devagar, conferindo os espelhos e sabe que está ferrado, que nada pode dar certo com ela, ela o seduz, mente, e depois o larga e sai assim, desdenhando o usado por ela, mais um.

 

                Horas se passam e quando ele cai em si, vê que estragou tudo, que seu “direito” o fez regredir, que feriu pessoas que amava, que decepcionou aqueles que o tinham como exemplo. Ele chora sem lágrimas, ele não pode fazer o tempo voltar atrás, ele vai ser apontado por todos como egoísta, canalha, que só pensa em si, que não ama ninguém, que é um babaca.

 

                Ele pensa nisso tudo e deseja fugir, deseja ir para algum lugar onde ninguém o conheça, onde ninguém conheça a sua história, mas ele sabe que não é essa a questão, pois ele gosta de sua esposa, de seu filho, de seu trabalho, das suas conquistas e deseja-os ardentemente. Pensa.

 

                Com o rosto oleoso, cansado, decide encarar todos de frente e admitir sua ignorância e seus anseios e diz que não é o herói que todos pensam, mas que os ama e quer estar junto, mesmo que envergonhado.

 

Eles o olham, alguns soltam sorrisos de vingança, outros se compadecem e ele entra em casa, triste e ao mesmo tempo grato, por não ter ido adiante, ter explodido tudo. Chama seu filho para conversar, explica o que aconteceu, e ele (seu filho) o olha com amor e diz: - Pai, não fica assim não, está tudo bem, agente compra a bicicleta outro dia.

 

                Ele o abraça e diz para si mesmo, isso nunca mais vai acontecer.

 

                O garotão corajosão ainda está no hospital (procedimento médico).

 

                E ele, agora, tem que explicar-se para todos, tem que recomeçar sua estrada, mais uma vez. Sua esposa, que antes já não o queria, agora verbaliza seu ódio, e diz que vai arrumar as coisas e ir embora.

 

                Ele fala com seu filho que tudo vai dar certo, e, acredita nisso mais que em Deus.

 

                Ele consegue enxergar o futuro e vê que é bom, ele sabe que esta lição vale ouro, que é melhor ter acontecido isso agora, que no futuro, com muito mais pessoas ao seu redor, ele agradece a Deus, e pede que o puna, que faça a Sua vontade e, não sei porque razão pede para que Deus o massacre, ele deseja ir no fundo da dor, deseja sofrer além do normal, deseja desmaiar no campo da solidão e, acordar, com uma brisa leve, o beijando.

 

                Não sabe se ficará com ela, nem sabe se ela gosta dele, e nem sabe se ainda gosta dela. Só sabe que o futuro é bom. Para ambos. Juntos ou separados.

 

                Ele e seu filho estão sorrindo, com a bicicleta nova. Eles são tão parecidos.

 

                Eles se amam muito e são os melhores amigos. A única certeza que ele tem, é que seu melhor amigo estará sempre com ele e eles terão dias bem legais, muito legais, os dias que todos queriam ter.

 

                Eles estão felizes e, ela aparece, dizendo assim: - Posso ficar com vocês?

 

                Eles dizem: - Claro que sim, nós te amamos!

 

                Todos saem de mãos dadas e olham para frente e Deus, lá de cima, acha aquilo tudo muito bacana. Tudo muito Seu.

Christiano Buys


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