O ensino da língua materna na perspectiva sociolinguística



O ENSINO DE LÍNGUA MATERNA NA PERSPECTIVA SOCIOLINGUÍSTICA

ALBUQUERQUE, Clecivane Oliveira[1] 

RESUMO: O presente artigo tem por objetivo apresentar uma proposta para o ensino de Língua Materna, nos anos finais do ensino fundamental, considerando os conhecimentos Sociolinguísticos. Para tanto recorremos alguns autores dentre os quais citamos Antunes (2003), Bagno (1999), Monteiro (2000), Tarallo (2007), Travaglia (1997) e Preti ( 2003), dentre outros que no decorrer deste estudo foram mencionados. Assim sendo, a realização deste artigo deu-se mediante pesquisa bibliográfica, que proporcionou a elaboração de propostas metodológicas que visam um ensino voltado as diferentes variações linguísticas, pois mesmo sendo referendadas pelos PCN (1998) ainda não é realidade de todas as escolas. 

PALAVRAS-CHAVE: Língua Portuguesa. Sociolinguística. Propostas. 

1 INTRODUÇÃO

A Sociolinguística é uma ciência que une sociedade e língua em seus mais variados tipos. Essa relação é tão intrínseca que a língua muda conforme o contexto social.

O presente estudo teórico traz uma reflexão a respeito do ensino de gramática que só aceita a escrita conforme seus padrões e rotula como forma estigmatizadas as que não pertencerem suas normas. A fala não foi levada em consideração em seus estudos e assim não foi feito um aparato geral do funcionamento da linguagem em seu uso real. Com o passar do tempo, a variação linguística foi ganhando espaço nos estudos curriculares da escola. Isso gerou discussões entre gramáticos e linguistas.

A pesquisa está estruturada no pensamento de autores como Antunes (2003), Bagno(1999), Monteiro (2000), Tarallo (2007), Travaglia (1997) e Preti (2003), dentre outros que no decorrer deste estudo foram mencionados e os PCN (1998).

A fundamentação desta temática se organiza em torno do ensino de Língua Portuguesa e algumas considerações do percurso Sociolinguístico. No primeiro eixo trata do objetivo do ensino de Língua Materna.

O segundo eixo detém a discutir o ensino de Língua Materna, de Língua Portuguesa na perspectiva Sociolinguística. Para tanto, fizemos um breve percurso Sociolinguístico. A seguir, fizemos uma tentativa para propor para ao ensino de gramática visando ao ensino de língua materna. Nosso objetivo não é excluir o ensino de gramática, mas um ensino que interage escrita e fala.

Com base nos pressupostos assumidos, esperamos que este estudo desenvolva um ensino de Língua Materna que realmente permita a interação da língua e suas variações.

 

2 O ENSINO DE LÍNGUA MATERNA

 

Antes de propormos metodologias para o ensino de língua materna sobre a ótica da Sociolinguística (estudo da terceira seção), consideramos importante apresentar alguns pressupostos com relação ao ensino da língua materna.

 Pensando nisso, Travaglia (1997, p. 21) deixa nítida a importância de o professor compreender sobre linguagem e língua para ensino, quando diz:

 

Outra questão importante para o ensino de língua materna é a maneira como o professor concebe a linguagem e a língua, pois o modo como se concebe a natureza fundamental da língua altera em muito o como se estrutura o trabalho com a língua em termos de ensino. A concepção de linguagem é tão importante quanto a postura que se tem relativamente a educação.

 

Sabendo que o professor precisa conhecer as concepções de linguagem para que possa escolher a que mais se adequa e possa trabalhar o ensino da língua materna, Travaglia (1997) nos dá essas três possibilidades distintas de conceber a linguagem: A Primeira concepção “[...] vê a linguagem como expressão do pensamento. Presume-se que há regras a serem seguidas para a organização lógica do pensamento e, consequentemente, da linguagem” (TRAVAGLIA,1997, p. 21). Nessa concepção de linguagem, cabe ao aluno decorar regras para dominar sua língua, tem estado muito presente nas salas de aulas, o que distancia e muito da sua realidade.

A Segunda concepção percebe “[...] a linguagem como instrumento de comunicação [...] um conjunto de signos que se combinam segundo regra, e que é capaz de transmitir uma mensagem [...]” (TRAVAGLIA, 1997, p.22)

 Por fim, a terceira concepção observa “[...] a linguagem como forma ou processo de interação” (TRAVAGLIA, 1997, p. 23). É com base nessa terceira concepção que almejamos o ensino da língua e para melhor entendê-la, Travaglia (1997, p. 23) nos explica:

 

A linguagem é, pois um lugar de interação humana, de interação comunicativa pela produção de efeitos de sentido entre interlocutores, em uma dada situação de comunicação e em contexto sócio- histórico e ideológico.

 

Dessa forma, percebe-se que a Língua Portuguesa não é falada do mesmo modo em todas as regiões do país, não é falada do mesmo modo por todas as classes sociais, níveis de escolaridade e, além disso, passou por muitas alterações no decorrer do tempo, ou seja, a língua portuguesa, como qualquer outra língua, passa por mudanças. Assim sendo, podemos dizer que uma língua não é uma unidade homogênea. Ela poderia ser definida como um conjunto de variedades, ou seja, cada indivíduo, grupo, região tem uma linguagem diferente para falar uma mesma língua.

Por conta disso é que consideramos importante antes de propormos metodologias para o ensino de língua materna sobre a perspectiva Sociolinguística, esclarecermos qual o objetivo do ensino da língua materna.

Travaglia aponta algumas competências que devem ser desenvolvidas no educando, dentre elas consideramos como requisito primordial competência comunicativa que quer dizer: “[...] a capacidade do usuário de empregar adequadamente a língua nas diversas situações de comunicação” (1997, p.17).

Mas para isso é preciso desenvolver outras competências como a textual que é produzir e compreender textos e a competência gramatical que é “[...] a capacidade que o usuário tem para produzir sequencias gramaticais” (Travaglia, 1997, p. 17)

            Essa diversidade na utilização do idioma é consequência de vários fatores: sociocultural, econômico, geográfico. Pessoas de baixo nível social, que moram em periferias e que nunca frequentaram a escola utilizam uma linguagem diferente daqueles que tem acesso aos livros, à escola, isto porque de acordo com a sociolinguística o meio interfere na linguagem do individuo, sem contar nas diferenças no modo de falar: o sotaque mineiro, o gaúcho, o nordestino, entre outros, e o vocabulário das várias regiões. Ainda no plano social, é importante observarmos as diferenças na utilização da língua em função da situação de uso.

Falamos de um modo mais informal quando estamos entre amigos, por exemplo, e de um modo mais formal quando estamos no ambiente de trabalho. Assim, as condições sociais são determinantes no modo de falar das pessoas.    Outro fator determinante na utilização do idioma são as variações que a língua sofre no decorrer do tempo, ou seja, a variação histórica.

            São múltiplas as formas de falar uma língua. Por isso, não podemos dizer que a língua é uniforme, seria um grande mito pensar assim. Bagno (1999, p.15) força essa ideia ao apresenta em seu livro Preconceito Linguístico que seria um grande mito admitir que: “A língua portuguesa falada no Brasil apresenta uma unidade surpreendente”. No entanto, a sociedade ainda vê a língua como homogênea e esse pensamento tão arraigado não compete apenas às pessoas que não têm conhecimento sobre o assunto, como também a muitos intelectuais da mesma área.

            Tendo em vista que existem vários níveis de linguagem, é natural que se pergunte o que é considerado “certo” e o que é “errado” na língua portuguesa. Na verdade, devemos pensar a língua em termos de adequação, ou seja, para cada situação uma maneira de falar. Esse fenômeno é denominado diglossia, ou seja, duas línguas funcionalmente diferenciadas coexistem, sendo que o uso de um ou de outro depende da situação comunicativa, cada variedade desempenha um papel específico.

Para Pretti (2003, p.30):

 

Teríamos, portanto, uma linguagem culta ou padrão e uma linguagem popular ou subpadrão. A primeira tem maior prestígio e se usa em situações de maior formalidade; a segunda, de menor prestígio, é empregada nas situações coloquiais, de menor formalidade.

 

O referido autor deixa claro que existem as variações linguísticas, mas existem as mais e menos prestigiadas que quando empregada em situações requeridas, não existe certo ou errado, ou seja, a variação deve se adequar ao meio, para a de maior prestígio se usa em situações de maior formalidade; a de menor prestígio é empregada nas situações coloquiais, de menor formalidade.

                        Bagno (1999, p.9) fala que:

 

O preconceito linguístico está ligado em boa medida à confusão que foi criada no curso da história entre língua e gramática normativa. Nossa tarefa mais urgente é desfazer essa confusão. Uma receita de bolo não é um bolo, o molde de um vestido não é um vestido, um mapa- múndi não é o mundo... Também a gramática não é a língua.

 

O conceito de língua está intimamente ligado à gramática normativa, mas essa confusão surge desde os primórdios da gramática. Essa criação servia de modelo para os feitos literários, levando em consideração apenas a língua escrita.

A fala do referido autor deixa claro o porquê da escola “estigmatizar” a linguagem informal e prestigiar a língua culta, porque esse preconceito já vem de muito tempo e mesmo com o advento da Sociolinguística, a mesma se deixa enganar pelo mito da homogeneidade.

Essa associação entre gramática e língua é muito presente no âmbito escolar. Aparentemente, pode ser sem importância o professor chegar à sala e impor as normas gramaticais tanto na fala como na escrita, dizer o que é “certo” ou “errado”. Desse modo, o estudante que não segue a linguagem padrão poderá se sentir inferior e vir a ter dificuldades, logo terão baixo rendimento escolar, já que estes são obrigados a usar padrões das classes mais elevadas que diferenciam de seus padrões.

Como afirma Pretti (2003, p. 31):

 

Como língua padrão, o dialeto culto serve diretamente às intenções do ensino, no sentido de padronizar a língua, criando condições ideais de comunicação entre várias áreas geográficas e também propiciando aos estudantes condições para leitura e compreensão dos textos literários e científicos, que se expressam nessa linguagem.

 

Discentes pertencentes a classes sociais menos favorecidas são as maiores vítimas de um círculo vicioso, pois ao mesmo tempo em que não têm um ambiente favorável para um desenvolvimento linguístico satisfatório, não conseguem desenvolver um posicionamento crítico frente ao mundo por não possuírem a mesma capacidade de compreensão dos outros indivíduos de classe favorecida.

Segundo Bagno (1999, p. 166): “A ortografia é artificial, ao contrário da língua, que é natural. A ortografia é uma decisão política, é imposta por decreto. Por isso ela pode mudar, e muda de uma época para outra." Essa seria uma das maneiras mais eficazes para o combate ao preconceito linguístico: o esclarecimento de que a gramática não é a língua e como a escrita muda, o que é considerado erro hoje, no passado poderia ter sido certo e vice e versa. Mais uma vez não temos motivos para confundir fala e escrita no ensino, esta é aprendida, inventada, aquela é natural.

            Não devemos concluir, portanto, que a norma gramatical que aprendemos na escola é inútil, ao contrário, desde que usada no momento adequado, esta se revela extremamente útil. Novamente o critério da adequação: na elaboração de trabalhos acadêmicos, como resumos de livros, artigos, relatórios, resenhas e monografias, a norma gramatical é fundamental.

            Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) (1998), publicado pelo Ministério da Educação e do Departamento do Desporto, reconhecem a diversidade linguística e tecem comentários, quando diz que:

 

A variação é constitutiva das línguas humanas, ocorrendo em todos os níveis. Ela sempre existiu e sempre existirá, independentemente de qualquer ação normativa. Assim, quando se fala em “Língua Portuguesa” está se falando de uma unidade que se constitui de muitas variedades. [...]. Mais ainda, em uma sociedade como a brasileira, marcada por intensa movimentação de pessoas e intercâmbio cultural constante, o que se identifica é um intenso fenômeno de mescla linguística, isto é, em um mesmo espaço social convivem mescladas diferentes variedades linguísticas, geralmente associadas a diferentes valores sociais. [...] A imagem de uma língua única, mais próxima da modalidade escrita da linguagem, subjacente às prescrições normativas da gramática escolar, dos manuais e mesmo dos programas de difusão da mídia sobre “o que se deve e o que não se deve falar e escrever, não se sustenta na análise empírica dos usos da língua. (BRASIL, 1998 p. 29)

 

Desse modo, é preciso que a escola e todas as demais instituições voltadas para a educação e a cultura, abandonem a ideia de que a língua é homogênea e passem a considerar que o ensino da língua deve ter como principal objetivo a capacidade do aluno em utilizar a linguagem em diversas situações comunicativas.

 

3. O ENSINO DE LÍNGUA MATERNA NA PERSPECTIVA SOCIOLINGUÍSTICA

 

3.1 O PERCURSO DA SOCIOLINGUÍSTICA

 

Para compreender a importância da Sociolinguística para fins didáticos é preciso ficar claro o objetivo dessa ciência.

Há dois aspectos fundamentais para entender o conceito de Sociolinguística. Sabemos que o homem, dentro de sua limitação, sempre buscou se comunicar até a descoberta da escrita. É dentro dessa necessidade de interação com o meio social que linguagem e sociedade sempre foram e estarão ligadas. Surge, então, o primeiro princípio básico: o caráter social dos fatos linguísticos.

O segundo aspecto é a variabilidade da língua, ou seja, se a língua está intimamente ligada ao meio social, fica evidente e justificável que aconteçam as variações linguísticas que existem entre as regiões e até mesmo em comunidades, já que cada um tem uma maneira particular de falar ao que denominamos de língua heterogênea.

Mas esses conceitos nem sempre foram tão óbvios, a começar por Saussure (1916) ao estudar sobre a língua e a fala (langue e parole), não percebeu a influência do meio social, em traços gerais, refere-se à língua como sistema de signos interiorizado, imposta ao indivíduo, enquanto a fala é um ato particular e se refere ao ato individual de escolha das palavras para a enunciação que deseja.

Desse modo, se entendermos a língua (langue) como um sistema já interiorizado, dotado de certa homogeneidade poderíamos fazer o estudo de um único falante, por outro lado, ao estudar a fala (parole) só poderíamos obter dados se esses estudos fossem analisados dentro de um contexto social. Surge então o famoso paradoxo de Saussure: um único indivíduo poderia ser analisado e chegar a conclusão de que a linguagem é um fator social e só a partir da interação com o meio que poderia estudar o aspecto individual.

Para compreender melhor o parágrafo anterior, Labov (1972 apud MONTEIRO, 2000, p. 14) nos explica:

De todo modo, conforme vimos, embora Saussure tenha definido a língua como fait social, excluiu das tarefas linguísticas a preocupação com os elementos de ordem social e pressupôs a homogeneidade como um requisito básico para a descrição. Este princípio foi seguido pelo estruturalismo, intensificando pelos adeptos da glossemática e levado as últimas consequências pelo gerativismo.

 

Bloomfield, nos Estados Unidos e Hjelmslev (glossemática) seguiram a linha do estruturalismo de Saussure. Chomsky (1965) é um dos autores que, embora faça parte da mesma vertente teórica que Saussure pelo fato de não considerar as questões sociais como elemento necessário à sua proposta de estudo, apresenta uma nova teoria, a Gramática Gerativa. Os autores citados embora não tenham insistido na relação entre língua e sociedade, sem dúvida deram suas contribuições para chegar às características essenciais da linguagem humana.

Os pioneiros da investigação acerca de estudos sociolinguísticos foram William Bright (1966) e Fishman (1972), os quais passaram a incorporar os aspectos sociais nas descrições linguísticas. Contudo, foi o linguista americano Willian Labov (1960) que melhor definiu e insistiu na teoria da variação linguística.

Como podemos perceber, o surgimento dessa ciência chamada Sociolinguística não aconteceu de modo rápido foi uma tarefa árdua, que levou muito tempo e exigiu muitos estudos para chegar ao seu objetivo principal: a relação entre estrutura e funcionamento da língua e da sociedade. Essa intenção de trazer o papel dos fatores sociais para a configuração das línguas estava sendo desconsiderada pelas outras teorias até então. E é com base nessa teoria da variação linguística, de Wilian Labov, que fundamentaremos esta seção.

A Sociolinguística, sem dúvidas, é uma ciência que une língua e sociedade, como afirma Labov (1972 apud MONTEIRO, 2000, p. 16-17):

 

[...] a função da língua de estabelecer contatos sociais e o papel social, por ela desempenhado, de transmitir informações sobre o falante constituem uma prova cabal de que existe uma íntima relação entre língua e sociedade. Essa relação, porém, é muito mais profunda do que se imagina. A própria língua como sistema acompanha de perto a evolução da sociedade e reflete de certo modo os padrões de comportamentos, que variam em função do espaço.

 

Essa intrínseca relação é notável pelo fato de que o homem enquanto um ser social e como ser que vive em convívio com pessoas é preciso se comunicar. Desse modo, podemos concluir que nós seremos humanos que convivemos com pessoas e em lugares diferentes também teremos uma maneira diferente de falar, ou seja, os mineiros falam diferentes dos baianos que fala diferente até mesmo dos cearenses que mesmo fazendo parte da mesma região essa diferença é perceptível não só pelo sotaque como também pelas expressões idiomáticas que há. Por isso, tem se ocupado, sobretudo da caracterização e de uso das variações linguísticas.

Para Tarallo (2007, p.8), as variantes linguísticas são “[...] diversas maneiras de dizer a mesma coisa em um mesmo contexto, e com o mesmo valor de verdade”. Esse conceito refere-se justamente a grande influência que o meio cultural tem em relação à linguagem do indivíduo.

Ao afirmar que existe variação na língua, Labov mostra que existem variantes, que como foi definido são as varias maneiras para se dizer um mesmo enunciado. Dessa forma, surge o preconceito linguístico que é o julgamento de valor determinado pela sociedade de prestigiar ou estigmatizar uma variante.

O livro A Língua de Eulália: novela sociolinguística, de Marcos Bagno, vem discutir alguns aspectos do português não-padrão, que sempre foi visto com preconceito, principalmente para alguns gramáticos. O autor apresenta, de maneira bem descontraída, que não existe um jeito certo ou errado de falar, mas sim heranças linguísticas, a língua muda com o tempo, o que hoje é visto como "certo" já foi "erro" no passado. O que hoje é considerado "erro" pode vir a ser perfeitamente considerado como "certo" no futuro da língua. Todo falante nativo de uma língua é um usuário competente dessa língua. Não existe erro de português.

Esse preconceito com as variantes não padrão podem está ligado a questões de status sociais como também a relação que se faz com língua falada a gramatica normativa.

Travaglia (1997, p. 30-31) afirma:

 

Baseia-se, em geral, mais nos fatos da língua escrita e dá pouca importância à variedade oral da norma culta, que é vista conscientemente ou não, como idêntica à escrita. Ao lado da descrição da norma ou variedade culta da língua (análise de estruturas, uma classificação de formas morfológicas e léxicais), a gramática normativa apresenta e dita normas de bem falar e escrever, normas para a correção a correta utilização oral e escrita do idioma, prescreve o que se deve e o que não se usar na língua. Essa gramática considera apenas uma variedade da língua como válida, como sendo a língua verdadeira.

 

Aprender uma língua significa aprender o dialeto culto, e é com esse pensamento que a escola fundamenta as aulas de português.

 Froehlich (1975 apud PRETTI, 2003, p.31) diz que:

 

De modo geral, quando ouvimos comentários dizendo que fulano não sabe português, o que realmente ocorre é que ele não sabe o português erudito. Quando se diz que os alunos não têm redação, o que realmente ocorre é que não têm capacidade para redigir em português erudito, ou gramatical, ou porque simplesmente não tiveram experiências em redigir, resultando nessa falha.

 

Não podemos achar que o povo brasileiro é um dos povos mais homogêneos linguisticamente e culturalmente. Para começar, as origens do povo brasileiro advêm de uma grande miscigenação, existem diferenças regionais, de faixa-etária, de grau de escolaridade, ainda temos em nosso país uma péssima distribuição de renda, que facilita o português não padrão, ou seja, haverá diferenças na fala de pessoas que moram em periferias daquelas que tem condições financeiras e que moram em bairros nobres, que têm mais acesso aos livros. Então, não podemos dizer que a língua, principalmente, a língua brasileira é homogênea. Aliás, toda língua humana é heterogênea por sua própria natureza.

Pretendemos mostrar através da esfera sociolinguística, os motivos pelas quais existem as diferenças linguísticas entre os falantes da língua portuguesa e por meio do entendimento, defendermos que a diversidade cultural precisa ser respeitada e apreciada pelo brasileiro, já que é uma característica marcante nossa.

Reconhecendo a existência dessa variedade linguística é que propomos um ensino de língua fundamentado na perspectiva Sociolinguística.

 

3.2 PROPOSTAS PARA O ENSINO DE LÍNGUA MATERNA NA PERSPECTIVA SOCIOLINGUÍSTICA

 

Qualquer cidadão, que faz uso de uma língua, não faz isso isoladamente. O nosso sistema linguístico não é criado por nós mesmos, mas por tudo o que fez tornar o que somos hoje: o ambiente familiar, social, escolar, enfim, aprendemos a língua em tudo em que há signo linguístico. Assim, a nossa maneira de falar é formada aos poucos e não inventada.

A escola tradicional não reconhece a variação linguística e se apega à metodologias que faz do português um ensino de uma língua estrangeira. É claro que alfabetização e trabalhar a norma culta são importantes, mas isso não é tudo quando se trata do ensino da língua.

Quando um professor desconhece o assunto, é notório quando sua prática de ensino é baseada apenas na gramática normativa, e não sabe explorar a língua de forma mais ampla. Cagliari (1997, p. 28) aponta que:

 

[...] o professor de português deve ensinar aos alunos o que é uma língua, quais as propriedades e usos que ela realmente tem, qual é o comportamento da sociedade e dos indivíduos com relação aos usos linguísticos, nas mais variadas situações de suas vidas.

 

Atualmente, diversos linguistas ressaltam a importância de se trabalhar a variação linguística, pois além de provar que a língua é viva, desmistifica o mito da “unidade linguística”.

É importante mais uma vez destacar que os PCN (1998) incorporam o ensino da língua materna inerente à variação linguística. Levar o aluno a entender, identificar e posicionar-se ante a variação é uma prática de língua que deve ser pensada.

Sem dúvidas para que o educando tenha voz, expresse e defenda suas ideias é preciso dominar a língua, pois é através dela que se tem uma participação social e visão de mundo justa e consciente, para então produzir seu conhecimento. É válido ressaltar que o simples fato da variação linguística ter sido incluída nos PCN (1998), esse conteúdo estará ao alcance dos professores.

Ainda, para os PCN (1998), é responsabilidade da escola proporcionar diversos saberes linguísticos a seus alunos, porém, na prática, o que se vê são aulas que super valorizam a norma culta. É claro que a mesma deve ser trabalhada, mas de maneira que não menospreze as demais variações. A visão do falar “certo” ou “errado” deve ser trabalhada nas salas de aulas juntamente com a necessidade de construir uma metodologia de ensino que possibilite a relação entre a linguagem padrão e não-padrão, o que na verdade não acontece. Na maior parte das vezes, o professor ignora o dialeto do estudante, podendo se sentir discriminado, levando-o a ter um baixo rendimento escolar; isso quando a escola não responde eficazmente ao desafio de trabalhar as diferenças entre os dialetos.

Os dialetos são a marca de uso de um determinado grupo e é papel da escola mostrar a importância da variação linguística, respeitar cada dialeto, e não o papel atual de manter as distâncias sociais, conscientizar acerca da noção de "erro" e mostrar o dialeto-padrão para utilizá-lo nas situações em que é requerido, mas saber como orientá-lo para que ele não se sinta diferente.

Por isso é fundamental que o professor una teoria e prática a fim de alcançar seus objetivos: diminuir o preconceito linguístico e desenvolver no aluno a competência comunicativa em cada situação discursiva.

Diante do exposto os PCN (1998, p. 31) afirmam:

 

No ensino-aprendizagem de diferentes padrões de fala e escrita, o que se almeja não é levar os alunos a falar certo, mas permitir-lhes a escolha da forma de fala a utilizar, considerando as características e condições do contexto de produção, ou seja, é saber adequar os recursos expressivos, a variedade de língua e o estilo às diferentes situações comunicativas: saber coordenar satisfatoriamente o que fala ou escreve e como fazê-lo; saber que modo de expressão é pertinente em função de sua intenção enunciativa- dado o conteúdo e os interlocutores a quem o texto se dirige. A questão não é de erro, mas de adequação às circunstâncias de uso, de utilização adequada da língua.

 

É importante ressaltar que o trabalho com a variação linguística inclui o ensino da norma culta, pois o falante deve adequar-se as variadas situações comunicativas.

Estudar a sociolinguística para fins didáticos é estudar a língua e sociedade, uma vez que o homem interage com o meio e precisa da fala para se comunicar. Assim, o ensino da língua deve ser direcionado, sem rotular as variações linguísticas, como afirma Bagno (1999, p. 40):

 

O preconceito linguístico se baseia na crença de que só existe [...] uma única língua portuguesa digna deste nome e que seria a língua ensinada nas escolas, explicada nas gramáticas e catalogadas nos dicionários. Qualquer manifestação linguístico que escape desse triangulo escola-gramática-dicionário é considerado, sob a ótica do preconceito linguístico “errada, feia, estropiada, rudimentar, deficiente” e não é para a gente e não é raro a gente ouvir que “isso não é português”

 

Desse modo, a norma-padrão tem sido estritamente o objeto de ensino da língua. Precisamos rever esse objeto de estudo e passar a enquadrar a variação linguística que é de suma importância para a compreensão da língua.

Trabalhar as variedades linguísticas é trabalhar com respeito e aceitação aos vários falares. O que não significa o abandono ao ensino da língua culta, pois esta continua sendo a variante predominante, e que por isso é necessário ser estudada em sala de aula para ser utilizada em situações que permita seu uso.

Mas trabalhar com gramática, não é trabalhar a língua com frases soltas, isoladas, mas trabalhar a língua no contexto, possibilitando um entendimento maior da linguagem. Há muitas práticas inadequadas e irrelevantes, não condizentes com as mais recentes concepções de língua, o trabalho com a gramática é uma delas.

Antunes (2003, p.31) afirma:

 

No que refere a atividade em torno da gramática, pode-se constatar o ensino de um gramática descontextualizada, [...] dos usos reais da língua escrita ou falada na comunicação do cotidiano. Uma gramática fragmentada. De frases inventadas, da palavra e da frase isoladas, sem sujeitos interlocutores, sem contexto e sem função; frases feitas para servir de lição, para virar exercícios. Também foi observada uma gramática das excentricidades, de pontos de vista refinados, mas muitas vezes inconsistentes, pois se apoiam apenas em regras e casos particulares [...].

 

Por muito tempo, acreditou-se que o ensino de Língua Portuguesa deveria ser pautado na variedade padrão, ou seja, um ensino voltado exclusivamente para gramática. Compete à escola enfocar prioritariamente, mas não exclusivamente a variante padrão, contudo que considere as demais variedades.

O ensino de gramática não contempla a dialética entre a linguagem e a sociedade. Portanto, o ensino puramente gramatical não é capaz de viabilizar o processo de desenvolvimento das habilidades na escrita e na leitura.

Partindo da perspectiva de mudança metodológica, pensamos sobre a estruturação do ensino de língua portuguesa sob a luz das práticas sociais, ou seja, dar possibilidades linguísticas associadas aos seus contextos requisitados para assim formar não só alunos conscientes, mas usuários muito mais competentes da língua.

Tornar os alunos usuários muito mais competentes quanto aos diversos usos da língua, não significa levá-los a memorizar as regras da gramática normativa ou a falar e escrever corretamente, mas adequar a língua a diferentes situações comunicativas. As propostas apresentadas são funções do professor, funções essas referendadas pelos PCN (1998, p. 35) ao afirmarem que:

 

A língua portuguesa é uma unidade composta de muitas variedades. O aluno ao entrar na escola, já sabe pelo menos uma dessas variedades aquela que aprendeu pelo fato de estar inserido em uma comunidade de falantes. Certamente ele é capaz de perceber que as formas da língua apresentam variações e que determinadas expressões ou modos de dizer poder ser apropriados para certas circunstâncias, mas não para outras.

 

            Devemos encarar o ensino de língua materna não como dois modos de falar, mas uma forma de contemplação do conhecimento da língua. Para que o aluno compreenda esse ensino, cremos que isso só é possível se ele ler, escrever, analisar, interpretar e para isso seria necessário aprender aquelas regras gramaticais que o auxiliasse naquilo.

Embasamo-nos no que Possenti (1996, p. 20) acredita:

 

Uma das medidas para que esse grau de utilização efetiva da língua possa ser atingido é escrever e ler constantemente, inclusive nas próprias aulas de português. Ler e escrever não são tarefas extras que possam ser sugeridos aos alunos como lição de casa e atitude de vida, mas atividades essências ao ensino da língua.

 

Precisamos reconhecer que estudar gramática não é um dos meios de se chegar a ler e escrever melhor. Aprendemos a escrever escrevendo e reescrevendo, aprendemos a ler lendo e relendo.

Para que se possam alcançar os objetivos propostos, necessitamos de gramáticas atualizadas com o saber linguístico das pessoas e não imposições, regras de como deveríamos falar ou escrever.

O uso da linguística no ensino de Português tem que ser planejado em conjunto por linguistas e professores de Português, com a colaboração de pedagogos, psicólogos, cada um na sua função. Ao linguista caberá o conteúdo e as técnicas de investigação; aos professores e demais colaboradores do processo escolar, a dosagem do ensino, sua programação na sequência conveniente e motivações para o discente estudar Português.

Sabemos que o importante é que o aluno desenvolva a competência comunicativa e através dela, domine os diversos usos da língua.

 

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

            O estudo desenvolvido possibilitou-nos ver o ensino de Língua Portuguesa como algo muito mais amplo que aqueles conceitos tradicionais de gramática, ela se amplia em dois principais mundos, o culto e o coloquial, sendo este segundo parte de um mundo exterior aos muros da escola e às vezes um mundo maior e mais poderoso em domínio do uso.

Isso não significa que devemos abandonar o ensino da língua culta, esta continua sendo a variante predominante no mundo letrado que cerca nossos educandos e todos os seres sociais, por isso é necessário ser trabalhada em sala de aula para ser utilizada em situações em que é requerida.

Mas é preciso também que se trabalhem outras variedades para que o aluno compreenda o funcionamento da linguagem. É preciso mostrar aos estudantes esta flexibilidade da língua e seu poder de moldar o mundo, mas também de se moldar ao mundo.

Este estudo apoiou-se, sobretudo, nos conceitos Sociolinguísticos para que assim pudéssemos elaborar metodologias que contemplassem essa ciência e os professores passem a exercitar em suas práticas pedagógicas o ensino da língua materna voltado para a variabilidade tão presente no meio comunicativo, quebrando o mito da homogeneidade da língua, de que só existe uma forma “correta” de falar.

            Essas considerações nos leva a crer que as variações presentes na nossa comunicação devem ser reconhecidas e trabalhadas nas salas de aulas de modo que não haja privilégios e nem preconceitos. Elas devem servir de mostra aos educandos que a língua é dos homens, por eles manipuladas, mas que uma norma existe em seu entorno, e dominando esta norma, estamos mais preparados para viver em um mundo tão competitivo.

 

TEACHING THE MOTHER TONGUE IN VIEW SOCIOLINGUISTIC

 

ABSTRACT: This article aims at presenting the fundamental classes II a proposal for the teaching of Mother Tongue, considering the sociolinguistic knowledge. To this end we resort to some authors among which we cite Antunes (2003), Bagno (1999), Monteiro (2000), Taralho (2007), Travaglia (1997) and Preti (2003), among others in the course of this study were referred. Thus, the performance of this article was given by literature, provided that the development of methodological proposals aimed at a school facing the different variations of language, because even being countersigned by the PCN (1998) is not true of all schools. 

KEYWORDS: Portuguese Language. Sociolinguistics. Proposals. 

REFERÊNCIAS 

ANTUNES, Irandé. Aula de português: encontro e interação/ irandé Antunes. São Paulo: Parábola Editorial, 2003. 

BAGNO, Marcos. Preconceito linguístico. São Paulo: Edições Loyola, 1999. 

_____________. A língua de Eulália: novela sociolinguística. 11. Ed. - São Paulo: contexto, 2001. 

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa/Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998. 

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[1] Graduanda em Letras – Língua Portuguesa e suas respectivas Literaturas pela Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA. E-mail: [email protected]


Autor: Clecivane Oliveira Albuquerque


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