As Viagens De Gândavo



FACULDADE ATLÂNTICO

PÓS-GRADUAÇÃO EM LITERATURA E IDENTIDADE CULTURAL

RESENHA SOBRE GÂNDAVO

E A LITERATURA DE VIAGENS

Conceição do Coité

2007


FACULDADE ATLÂNTICO

PÓS-GRADUAÇÃO EM LITERATURA E IDENTIDADE CULTURAL

Por :Geisiane Pereira Mota

Ulisses Macedo Júnior

Trabalho solicitado pelo Profº FranciscoFerreira de Lima, referente ao módulo Literatura de Viagens do curso de Pós-Graduação: Literatura e Identidade Cultural.

Conceição do Coité

2007


As "Viagens" de Gândavo

Tratar da Literatura de Viagens, hoje em dia, é uma tarefa que exige um certo cuidado e um delicado método de abordagens, sobretudo, quando se percebe que os conceitos de literário e não-literário passaram por diversas significações e modificações estruturais durante o decurso do tempo, até mesmo nos próprios termos. Para tal empreitada é necessário que se mergulhe nos fatores que nortearam tal período, no caso específico, Portugal do século XVI, compreendendo a peculiar característica e principal mote que impulsionava o povo português da época.

Nessa perspectiva, analisaremos como a necessidade interna, aliada ao espírito aventureiro da antiga metrópole, assim como, a boa retórica com um forte teor persuasivo que a literatura retrata, foram elementos que também influenciaram e despertaram o olhar lusitano para as terras coloniais além-mar. É importante enfatizar que Portugal passava por grandes dificuldades de ordem social e financeira, que iam desde a manutenção da independência em relação à Castela, passando pelo fantasma da invasão dos mouros, até a uma necessidade imediata e urgente frente a cruel situação social da nação.

Nesse prumo, Pero de Magalhães Gândavo, se apresenta como um dos primeiros a construir ou re-construir, através dos seus relatos de viagem, a "história" dessa nova terra, respondendo aos anseios que emergiam da sua pátria e, também, do seu próprio desejo de prestígio.

Na sua obra A Primeira História do Brasil – História da província a que vulgarmente chamamos Brasil, Gândavo, traça os objetivos maiores da sua narrativa: marcar o registro do ato de posse das terras do Novo mundo, principalmente pelas invasões de outros povos no continente, além da decisão política de Portugal de deixar um pouco de lado o comércio da rota com as Índias, e, estimular a migração da classe social menos favorecida do seu país. Tudo, impregnado com uma forte concepção cristã e religiosa que vem a dar novo compasso ao ritmo da narrativa.

Assim, Gândavo mostra toda essa simbiose entre verdade e ficção, ou melhor dizendo, entre ficção com um ar verossímil e ficção com elementos fantásticos. Lembrando que o fantasioso vem a se apresentar como uma tentativa de caracterização do desconhecido, e, ainda, inexplicável, típico do espírito medieval que ainda pairava no ares europeus. Aliando-se a isso, o desejo curioso das grandes aventuras respondendo ao cerne renascentista que se encontrava em plena ascensão.

No capítulo 4 – "Da governança que os moradores destas capitanias tem nestas partes e a maneira de como se hão em seu modo de viver", da mencionada obra, observamos como alguns elementos da dualidade relatada se apresentam nas diretrizes do branco "civilizado" e no índio "selvagem", principalmente quando o autor aponta a evolução que tiveram esses índios com a chegada dos portugueses. Exemplo claro se dá quando é constatada a melhoria nas habitações indígenas.

E vindo ao que toca ao governo de vida e sustentaçam destes moradores, quanto ás casas em que vivem cada vez se vão fazendo mais custosas e de melhores edifícios: porque em princípio nam havia outras na terra sinam de taipa e térreas, cobertas somente com palma. E agora há já muitas sobradadas e de pedra e cal, telhadas e forradas como as deste Reino(. . .) (GÂNDAVO:1575.P.27)

É bom salientar, que até mesmo a descrição de uma simples mudança no aspecto urbanístico é carregado de significação maior, gerando uma expectativa de convencimento para a uma real ocupação das terras descritas.

Outro ponto fundamental, também, nesse capítulo, é quando o autor continua a tentativa de indução do leitor sobre os diversos benefícios e privilégios que terá no Brasil. Mencionando desde a doação de terras, através do sistema de sesmarias, até os escravos que a tudo fazem pelos povos lusitanos (ao menos na narrativa de Gândavo), e, que nessa terra, a vida se apresenta de forma tão fortuita que não existem misérias ou privações. Vejamos outro fragmento:

Estes moradores todos pela maior parte se tratão muito bem, e folgão de ajudar huns aos outros com seus escravos, e favorecem muito os pobres que começão a viver na terra. Isto geralmente se costumas nestas partes, e fazem outras muitas obras pias, por onde todos tem remédio de vida, e nenhum pobre anda pelas portas a mendigar como nestes Reinos. (GÂNDAVO:1575.P.28)

Gândavo, ao mesmo tempo em que tenta criar a idéia de um ambiente urbano agradável, melhorado, semelhante ao de Portugal, mostra que, além disso, essa nova terra não possui pobreza e desventuras que figuram na Metrópole.

Claramente a situação da colônia não era bem dessa maneira, mas a super valorização, realce, e até construção fictícia da realidade, ocorre como elemento retórico para os fins ansiados pelo autor, acima já anteriormente mencionados.

No capítulo 11 – "Das guerras que tem huns com outros e a maneira com que se hão nellas"complementar ao capítulo 10 na descrição dos indígenas, quando Gândavo apresenta tais habitantes como seres bestiais: "Sem fé, nem lei, nem rei" (GÂNDAVO:1575.P.54). No seguinte, o autor qualifica-os como criaturas cruéis que lutam ferozmente por vingança.

Estes índios têm sempre grandes guerras huns contra outros e assi nunca se acha nelles paz nem será possível, segundo são vingativos e odiosos, vedarem-se entre elles estas discórdias por outra nenhuma via, senam for por meios da doctrina cristã, com que os Padres da Companhia pouco a pouco os vam amançando como adiante direi. (GÂNDAVO:1575.P.61)

Torna-se necessário refletir sobre dois momentos relevantes nesse capítulo: o primeiro, quando o autor comenta sobre o caráter destemido e vingativo dos índios quando pelejam com outras tribos, sendo impossível a paz, senão pelo processo de cristianização a fim de torná-los mais mansos. Nesse contexto está imbuída toda a concepção cristã que se deseja formar nesses habitantes. Vale lembrar, que a Igreja passava por um delicado momento na Europa com a perda de fiéis pela crise gerada com a Reforma Protestante, e, enxergava nessa colonização, além de uma maneira de "salvar" essa gente, tendo a errônea visão da época de conceberem que nenhuma salvação se dava senão pela Igreja, mas, também, como uma forma de conquistar novos membros para o catolicismo que, como dito anteriormente, atravessava um momento bastante complicado.

O segundo momento, quando há uma menção a guerra entre índios e portugueses: "Outro caso de nam menos admiraçam aconteceu entre Port-Seguro, e o Espírito Santo (...)"(GÂNDAVO:1575.P.65). Tais índios mesmo com todos os seus atributos de bons guerreiros não obtêm sucesso diante dos povos lusitanos. Vale ressaltar, que o modo algoz como se dá à morte de um índio por um português ao final do capítulo, Gândavo enxerga apenas como uma atitude de coragem e valentia. Vejamos:

Neste mesmo tempo e logar, deu hum portuguez huma tam grande cutilada a hum Índio que quase o cortou pelo meio: o qual caindo no chão já como morto antes que acabasse de espirar lançou a mão a huma palha que achou diante de si (...)

Torna-se ainda relevante mencionar que essa crueldade, para o autor, ocorre somente pelo indígena. Certamente, por possuir cultura, formação e concepções diferentes da sua. Mas ao fazer isso, dá indicações sobre o modo como enxergava e entendia a diferença entre os povos, ou seja, a superioridade da raça portuguesa perante a uma civilização de "selvagens" comedores de gente. Sem fé, nem lei, nem rei... Então, excelente para a colonização.

As diversas significações de "viagem" talvez indiquem os rumos e olhares que devemos ter sobre a obra de Pero de Magalhães Gândavo. Por ele, nos aventuramos, juntamente com os portugueses, pelos mares e oceanos desconhecidos em busca de novas terras e riquezas. Por ele, viajamos pelos espíritos aventureiros de um povo que desejava marcar o seu nome na história. Por ele, percebemos que a Literatura de Viagens nos conduz a uma viagem pela literatura, pelo mundo da imaginação, pelos tênues limites entre o real e o imaginário, pelas contradições e devaneios próprios e característicos da grande natureza humana.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BATHELL, Leslie.Tradução Maria Clara Cescato. Historia da América Latina:América Latina colonial. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Brasília, DF: Fundação Alexandre de Gusmão, 2004.

BOSI, Alfredo. História concisa da Literatura Brasileira. São Paulo: Cultrix,1994.

CRISTOVÃO, Fernando. Condicionantes Culturais da Literatura de Viagens. Lisboa:

ED. Cosmos, 1999.

GÂNDAVO, Pero de Magalhães de. Modernização de texto original por Sheila Moura e Ronaldo Menegaz. A Primeira Historia do Brasil – História da província Santa Cruz a que vulgarmente chamamos Brasil. Rio de Janeiro:Jorge Zahar Editor, 1576.

HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Cia. das Letras, 1995.

------------------------------------------. Visão do Paraíso: os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1994.

LIMA, Francisco Ferreira de. O outro livro das maravilhas - A peregrinação de Fernão Mendes Pinto. Rio de Janeiro:Ed. Relume Dumara, 1998.

ZIEBELL, Zinka. Terra de canibais. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 2002.


Autor: Ulisses Macêdo Júnior


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