Uma viagem iconográfica às origens cristãs



UMA VIAGEM ICONOGRÁFICA ÀS ORIGENS CRISTÃS

 Resenha de As Catacumbas de Roma, de Benjamim Scott. 4ª Edição. Rio de Janeiro: CPAD, 2005. 176 p.

Marcos Paulo da Silva Soares[i]

 Há uma mistura de nostalgia com desapontamento quando as histórias heroicas dos cristãos perseguidos, sacrificados ou enterrados nas catacumbas nas circunvizinhanças de Roma são lembradas. Nostalgia, por ver amor e veneração a Deus tão fervorosos e incentivadores. Desapontamento, por ver tais sentimentos para com Deus tão esquecidos, para não dizer bastante debilitados. É nessa encruzilhada que se situa a obra de Benjamim Scott. A obra é composta de sete capítulos que versam sobre quatro palavras-chave: paganismo, catacumbas, Cristianismo e Romanismo.

Discorrendo inicialmente sobre a natureza do paganismo no mundo clássico romano, o autor afirma que era mais fácil acha um deus do que um homem, tamanha era a sua epidemia naqueles tempos. Isso refletia a ânsia por prestar adoração a algo. Salvo a existência de poucos deuses que personificavam ideais nobres, a grande maioria expressava imoralidade, violência e vícios.

No segundo capítulo, é apresentada uma radiografia mais apurada da total degeneração social que abrangia dos nobres na Cidade Eterna ao escravo na mais longínqua província. A história dos Césares e suas cruéis idiossincracias exemplificam isso: assassinatos de rivais e até parentes, orgias e toda sorte de práticas sexuais condenáveis e atos de loucura. Entre estes últimos, encontram-se os espetáculos sanguinários decorrentes do combate entre homens e animais, entre gladiadores e, por último, da morte dos cristãos. Sobre este assunto detém-se o próximo capítulo.

Scott faz agora uma restauração da História do início do Cristianismo em terras romanas: Judeus e prosélitos romanos estavam presentes na festa de Pentecostes (cf. Atos 2:5) e, provavelmente, os que se converteram após a pregação de Pedro, voltaram para sua pátria conduzindo a mensagem do evangelho. Na época da primeira visita de Paulo a Roma (cf. Atos 28), havia, pelo menos, uma comunidade judaica lá. No meio desta, talvez se encontrassem os primeiros cristãos. Nas proximidades da estrada que Paulo usou para chegar a Roma, seriam futuramente usadas catacumbas para reuniões e enterros dos cristãos romanos. Na última viagem de Paulo à capital imperial, o Apóstolo dos Gentios encontra seu martírio nas primeiras perseguições movidas por Nero. A partir desse acontecimento, as catacumbas confundem-se com a própria história cristã.

O capítulo quatro aborda o moderno interesse pelas catacumbas surgido no século XVI, impulsionado pela controvérsia católica a propósito das relíquias desaparecidas de santos. Uma das primeiras obras sobre esse assunto foi Roma Soterranea, de Bósio. No século XVIII, diversos trabalhos seguem a linha de pensamento deste autor. Junto a essa temática, este capítulo apresenta também a cosmovisão cristã sobre a morte. O testemunho dos epitáfios mostra a serenidade e o sentimento do triunfo com que os primeiros cristãos viam a morte. Atitude que divergia do pensamento pagão sobre esse assunto. Enquanto as catacumbas daqueles apresentam esperança, as destes falam de medo e angústia.

O autor atesta alguns detalhes sobre essas construções no capítulo cinco: A presença de ortografia defeituosa; sintaxe errada; palavras gregas escritas com letras romanas, algumas não possuem nenhum elemento de datação, enquanto outras trazem o nome do cônsul da época; o nome do falecido e um símbolo cristão. Devido à baixa escolaridade dos primeiros cristãos, o uso de pinturas, símbolos ou sinais foram frequentes nas lápides. Estes auxiliavam na compreensão do nome do falecido, outras vezes indicavam sua profissão. Entre os símbolos mais usados estavam: o desenho de pombo e ramos de oliveira indicando a crença na paz e esperança eternas; a figura de uma âncora (a segurança eterna dos salvos, cf. Hebreus 6:19); o navio (simbolizando a entrada dos filhos de Deus nos céus); o sinal do peixe ou as iniciais ICQUS (o vocábulo peixe em grego e também o acróstico de  vIhsou/j Cristo.j Qeou/ `Uio.j Sw,ter, ou seja, Jesus Cristo, Filho de Deus, Salvador) e o QUIRÔ (respectivamente as letras gregas C e R), as iniciais do nome de Cristo em grego formando o símbolo    .

No sexto capítulo, Ben Scott menciona como o Cristianismo corrompeu-se com a inclusão de práticas pagãs. Atrocidades foram cometidas em nome de Deus, houve conversões à baioneta. Vê-se aqui a descarada e ímpia tentativa de harmonizar os ensinos de Cristo ao paganismo. Pais da Igreja são citados para comprovar que a falta de escrúpulos facilitava a conversão com o favorecimento das festas dedicadas aos deuses greco-romanos e similares entre os povos sob o governo romano. As catacumbas mostram a evolução dessas doutrinas extrabíblicas: a identidade dos dirigentes (sua consagração e bom testemunho) das congregações cristãs confundindo-se com uma quase deificação dos sacerdotes, a verdadeira saudade e tristeza pelos mortos degenerando-se na oração pelos mesmos (Scott atesta a existência de um registro dessa natureza entre essas construções).

No último capítulo, há mais revelações “catacúmbicas” contra o Romanismo: a crença do Purgatório não aparece em nenhuma das catacumbas até hoje encontradas; todavia, a certeza e a segurança a respeito da eternidade para os cristãos, sim. Em seu conjunto, as cenas das catacumbas apresentam relatos bíblicos e a visão de que para os cristãos a sepultura abre somente a porta para a felicidade eterna junto a seu Senhor. Outro erro doutrinário apresentado é a tentativa de representar o Deus eterno em figura de homem corruptível. O desprezo pelo segundo mandamento é visto, por exemplo, na associação feita entre uma das figuras de Júpiter e o Deus da Bíblia.

Assim, como em uma viagem por uma galeria de artes, as gravuras e inscrições catacúmbicas apresentam o retrato do ensino primitivo cristão atestando a similitude entre estas crenças e a ortodoxia das igrejas cristãs históricas oriundas da Reforma. Além de oferecer excelente material para pôr em contraste todo cristianismo baseado em tradições e outras fontes que se julgam superiores às bases presentes nas páginas das Sagradas Escrituras.


[i] Graduado em Letras-Literatura pela Universidade Federal do Ceará, em Fortaleza-Ce, e Bacharel em Teologia com especialização em exegese pelo Seminário Batista do Cariri, Crato-Ce. Leciona, desde 2009, Português, Grego, Hebraico, Antropologia Cultural, Religiões Comparadas, Introdução Bíblica no Centro de Treinamento Eclesiástico & Missões - CETREM, em Juazeiro do Norte-Ce (filiado ao Seminário Teológico Batista do Ceará, em Fortaleza). Ex-estagiário da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico - Funcap, e da Secretaria de Educação do Estado do Ceará - SEDUC, em 2011. Atuou como professor de Grego e Português no Seminário Batista do Cariri - SBC, de 2008 a 2011.

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Autor: Marcos Paulo Da Silva Soares


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