Resenha crítica de “A educação depois de 1968, ou cem anos de ilusão” de Bento Prado Jr



Bento Prado de Almeida Ferraz Júnior nasceu em Jaú em 21 de agosto de 1937 e faleceu em São Carlos, 12 de janeiro de 2007. Graduação na USP e pós-doutorado na Centre National de la Recherche Scientifique. Nesta mesma USP, defendeu em 1965 sua tese de livre-docência sobre Bergson com o título: Presença e campo transcendental: consciência e negatividade na filosofia de Bergson, que se transformou em livro em 1988.

Foi aposentado compulsoriamente pela ditadura militar em abril de 1969, na ação conduzida pelo então ministro da Justiça, Gama e Silva. Bento Prado Jr. foi cassado juntamente com seu colega José Arthur Giannotti e autoexilou-se na França, de onde somente retornou no final dos anos 1970. Foi professor de Filosofia na Universidade de São Paulo, e no final da década de 70, transfere-se para a Universidade Federal de São Carlos sendo professor titular daquela instituição. Foi colaborador da Unicamp, da Unesp e da PUC e é professor emérito da USP. Destacou-se como filósofo, escritor, professor, crítico literário, tradutor e poeta. É tido, por muitos, como um dos maiores ensaístas da filosofia brasileira.

Suas obras: "Presença e Campo Transcendental: Consciência e Negatividade na Filosofia de Bergson"- Edusp, 1989; "Filosofia da Psicanálise" -  Brasiliense, 199; "Alguns Ensaios" - Paz e Terra, 2000; "Erro, Ilusão, Loucura" - Editora 34, 2004; "A retórica de Rousseau e outros ensaios", organizado por Franklin de Mattos, Cosac Naify, 2008.

Em 1985, publicou "Alguns Ensaios: Filosofia, Literatura e Psicanálise", obra com que começou a se destacar como escritor. No corpo desta obra, publicará “A Educação depois de 1968, ou cem anos de Ilusão, objeto deste estudo.

Neste artigo, o escritor sagra-se a pensar a escola e a protrusão do debate ocorrido após os movimentos estudantis iniciados em maio de 1968 na França. Naquele período, a França enfrentou o denominado Maio Francês que consistiu em uma greve geral, fomentada pelo Partido Comunista Francês acarretando rara sublevação popular  que para muitos foi a mais importante do século XX.

Neste período, jovens de todo o mundo se conscientizam de seu papel na crítica aos modelos já existentes. Sofrem para tanto influência de mudanças políticas que vinham ocorrendo no mundo todo, em especial, revoluções também sociais e comportamentais, ateadas por resquícios da Segunda Guerra Mundial, Guerra Fria e Invasão do Vietnã. A partir deste contexto, Bento Prado estabelecerá um encadeamento entre aquele país (França) e Brasil, no sentido de buscar, nas principais escolas e universidades mundiais, o que seria a origem de um mal-estar estudantil. 

É celebre a sua anotação de que, após o ano de 1968, deixou-se de lado o importe sobre conteúdos de ensino, no qual se discutia a moral leiga e moral teológica, para o debate do lugar social da escola. Eis uma hipótese lançada pelo autor onde constata que em 100 anos, os educadores pensaram ideologicamente em “o que ensinar”, lutando pelo direito de dizer “o que deveria ser ensinado”.

Nota-se que anteriormente a 1968 existia o debate entre acadêmicos versus políticos, de ensino público versus ensino privado. Focava-se no debate filósofos X pedagogos em um embate pelas estratégias da educação, estilo de se educar e a pujança da escola como forma de se educar. Existia a máxima de que “para se ter uma boa sociedade, é preciso existir uma boa escola”, pensamento tardio da filosofia das luzes. Atualmente, debate-se a contrariedade á projetos de privatização da rede escolar, e o que se prioriza como ato discursivo é o lugar social da escola, em detrimento, de como já explanado, do conteúdo de ensino como importava em tempos anteriores. Seria e escolarização da educação.

Neste contexto, Bento Prado apresenta em suas escritas vários pensadores que á tempos já alertavam sobre os riscos de se escolarizar o pensamento, e que tais autores, por determinação do próprio sistema, foram retirados da história da educação, em um momento por liberais, em outro por socialistas, onde cada segmento cuidava de seus próprios interesses.

Escalando estes escritores indesejáveis de vários estilos, várias localidades, vários pensamentos e várias épocas (Renan, Nietzsche, Condillac, Diderot), o autor mapeia com precisão requintados padrões do pensamento educacional, e o faz pedindo auxílio para aquele pensamento, de autores contemporâneos (Foucault, Bourdieu, Ariés) que partindo de arcabouços Franceses, na contemporaneidade de seus escritos, acabam também por inverter a forma de pensar á escola, modelo  vigente naquela década de oitenta. 

Bento Prado usa os pensamentos de Pierre Bourdieu e Passeron para evidenciar que a escola foi criada para reproduzir e aprofundar as distâncias sociais, criando um processo de distinção entre os estudantes; ouçamos:

 

(...) Bourdieu e Passeron, depois de escreverem a função reprodutiva da escola, calam a maneira pela qual é refletido, no espaço interior das instituições pedagógicas, o conflito de classes que atravessa o todo da sociedade (...). Não apenas porque foi o ponto de partida de todo um processo de “desconstrução” da representação vulgar das instituições pedagógicas (...) mas é a tese de que o ensino Universitário (como os outros) funciona como a chancela de diferenças culturais e lingüísticas já dadas, antes da escolarização, no quadro da socialização primeira (...) o “capital cultural” adquirido na esfera doméstica, pelos filhos da burguesia, lhes assegura um privilégio considerável no destino escolar e profissional. No Destino enfim. (PRADO JR., p. 98/99)

 

Dando seqüência, o autor diz que Michel Foucault (Microfísica do Poder, Vigiar e Punir), quando estuda as relações existentes entre intelectuais e o poder, tenta entender também a economia de produção da verdade e a exterioridade central do poder, que apesar de reprimir, possui o papel primeiro de produzir, ou seja: 

 

O problema político essencial para o intelectual não é criticar os conteúdos ideológicos que estariam ligados à ciência ou fazer com que sua prática científica seja acompanhada por uma ideologia justa, mas saber se é possível constituir uma nova política de verdade. O problema não é mudar a “consciência” das pessoas, ou o que elas têm na cabeça, mas o regime político, econômico, institucional de produção da verdade. (FOUCAULT apud PRADO Jr, p. 96).

 

Agora citando Philippe Ariés, e pensando a história em sua longa duração, Bento Prado encontra o pensamento que identifica, na transformação da compreensão das idades ao longo da vida, a justificativa para uma escolarização que separa a criança e o jovem do mundo da produção, para aprisioná-los no purgatório da escola. Sendo assim, a reação da juventude em 1968 era mais do que previsível, na visão do medievalista; eis os escritos:

 

(...) a passagem de uma sociedade rural, de classes de idade e de ritos de iniciação, a uma sociedade mais urbanizada onde a criança torna-se um adulto sem transição;em seguida, passagem desta sociedade de adultos muito jovens, do Antigo Regime, à nossa, onde a infância, de início, e depois a adolescência, foram prolongada e mantidas até muito tarde nos “purgatórios” escolares. Somos hoje um estudante passivo numa idade em que, outrora, exercíamos funções ativas (...) Observaremos apenas que, enquanto a revolta da adolescência foi limitada a bandos efêmeros (...) (ARIÉS, apud PRADO JR, p. 102).

 

Bento Prado ainda complementa que “termina aí também a ilusão, partilhada por liberais e socialistas, que atribuía à escola o privilégio da produção e da difusão do saber (...)” (p. 103).

O autor ainda salienta a errônea interpretação que os filósofos da educação brasileira fizeram dos textos de Gramsci. Para ele, este importante expoente do pensamento educacional de esquerda de toda uma geração, foi lido sem a devida parcimônia e zelo, levando á interpretações confusas ou voltadas á interesses próprios. Vejamos:

 

O que quer ser uma “análise concreta de uma situação concreta” é transformado em doutrina ou pensamento “prêt-à-porter”, o que é uma escrita viva “em situação” é mumificado e reduzido a alguns poucos princípios abstratos, universalmente aplicáveis. E, sobretudo, o que é uma análise da dimensão pedagógica da ação política é travestido em análise da dimensão política da ação pedagógica. (p. 104).

 

Deste ínterim, abanca-se a conceituação de intelectual orgânico trazida por Gramsci, retira-lhe o substantivo e converte-se o adjetivo – orgânico – em substantivo, exaurindo de tal modo o sentido original do conceito elaborado pelo filósofo italiano, deixando-o incompreensível.

Destarte, o autor relata que da crise de 68, digeriu-se muito pouco, pois “a estrutura da escola ou seu lugar social não são discutidos e todo debate gira em torno da “boa” visão do mundo a ser divulgada.num combate mortal contra a outra visão (...)”(p. 107).

Assim, Bento Prado ensina em suas escritas, de uma forma sucinta, porém crítica e contundente, os aplanamentos simplificados e os equívocos das afirmações ocorridas entre ingênuos militantes da educação brasileira imbuídos do espírito de popularizar e transmitir idéias que eram incapazes de elaborar. E assim, “entre um passo e outro, Marx foi esquecido e, com ele, a natureza da política e da educação” (p. 107).

 

 


Autor: Emerson Benedito Ferreira


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