A dignidade da pessoa humana sob o viés principiológico e normativo brasileiro



A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA SOB O VIÉS PRINCIPIOLÓGICO E NORMATIVO BRASILEIRO: a intocabilidade do direito fundamental da dignidade da pessoa humana perante a castração química. 

Daniel Abdon Arouche França

Kézia Letícia da Silva Veloso

Luciano Hilton Fonseca de Paiva[1] 

 

SUMÁRIO: Introdução; 1 Princípio da Dignidade da pessoa humana perante a castração química; 2 Questionamentos a respeito da dignidade da pessoa humana sob a perspectiva normativa; 3 Discurso penológico e suas funções e o e criminologia pro réu; 4 A castração química no direito internacional; 5 As drogas antiandrogênicas e seus efeitos colaterais; Conclusão; Referencias. 

RESUMO 

O tema castração química como forma de pena para os condenados por crimes sexuais ainda é bastante polemico, não somente nos EUA, onde foi criado, mas em muitos outros lugares, pois suscitam valores de diversas naturezas, como a principiológica, chegando-se até mesmo a discussão de tal pena ser na verdade uma forma de tortura. Outro aspecto é quanto a eficácia do tratamento perante a sociedade, pois se não for devidamente acompanhada no aspecto psicológico, pode acarretar em reincidência nos casos em que a pena não é para a vida toda.

PALAVRAS-CHAVE

Castração química; Princípios constitucionais; Penologia 

INTRODUÇÃO 

Na inauguração da era do Estado Democrático de Direito, percebemos que na nossa carta magna a dignidade da pessoa humana é um fundamento da nossa República Federativa do Brasil.

Na era do Estado Democrático de Direito, devemos entender a prerrogativa do indivíduo dada pelo liberalismo, em especial o kantiano, que estabelece iguais liberdades a cada um. Dada essa proeminência ao individuo, percebemos que o indivíduo não pode estar sujeito a cálculos de supressão de direitos por conta da sua natureza imanente representado por uma essência de caráter metafísica que concede a dignidade a todos os seres humanos.

Veda-se a concepção pragmática da dignidade da pessoa humana em prol da castração química por conta da segurança jurídica, do contrário, não teremos relações estáveis. Uma vez que segundo os grifos de Hegel tudo evolui e se aperfeiçoa, do contrário, estaríamos retroagindo as barbaridades do período medievo. Por estarmos sob o império da lei no Estado Democrático de Direito, segundo Dworkin, o direito é um trunfo e por isso deve ser levado a sério.

Sob tais aspectos, realizaremos uma análise sobre a castração química, sob a ótica constitucional, revelando ainda o posicionamento do Direito Penal e científico sobre o assunto, ao mesmo tempo que se traça um paralelo com o direito internacional, mais especificamente o norte-americano, onde surgiu as primeiras discussões sobre o tema.

 

1 Princípio da dignidade da pessoa humana perante a castração química

 

deve-se ressaltar que a dignidade da pessoa humana não tem um único conceito. É uma definição filosófica tendo por Kant um dos seus principais expoentes, além do que a dignidade da pessoa humana sob moralismo não dera percussão somente ao liberalismo kantiano, como também, é um dos fundamentos da nossa Constituição Federal, a saber:

 

“Art.1 A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

III – a dignidade da pessoa humana”

 

Alem de ser um dos axiomas, conceito basilar do nosso ordenamento jurídico, é uma definição moral, em especial do filósofo Kant. Haja vista que pelo moralismo de Kant é indicado sob um argumento de iguais liberdades a cada um sob a premissa de uma lei universal.[2](MORRINSON, 2006, p. 166). Condena-se a castração química por ferir a essência ou a integridade peculiar em cada ser humano, ainda que infrator.

O filósofo do ilustracionismo, sob o fundamento da dignidade, suscitara que é uma essência inerente ao ser humano que o defini indistintamente dos outros sob uma perspectiva interiorana, na externa se entende pela integridade física e moral (psicológica). Pelo fato de cada ser humano ser distinto, logo, pelo respeito a cada ser humano, devemos tê-lo como um fim em si mesmo. “Age de tal forma que trates a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre também, como um fim e nunca unicamente como um meio”. (ABBAGNANO, 2007, pág. 326).

Pelo respeito a cada ser humano este não é suscetível de valoração monetária, indubitavelmente são categorias diferentes, logo, a dignidade da pessoa humana não tem valor. “O que tem preço pode ser substituído por alguma outra coisa equivalente, o que é superior a qualquer preço, e por isso não permite nenhuma equivalência, tem dignidade”. (ABBAGNANO, 2007, págs. 326 e 327)

O doutrinador André Ramos Tavares (2007, p. 513) nos indica que a dignidade da pessoa humana teria origem desde Platão na prerrogativa da essência ou da busca pelo inteligível suscetível graças ao autodomínio em que o próprio ser humano passaria a ter, ou seja, seria o seu senhor com o domínio dos instintos.

 

“Verificam-se, neste conceito de liberdade positiva, os ares gregos, mais precisamente o ecoar da temperança platônica, do autocontrole. A parte superior da alma há de prevalecer sobre a inferior, repleta de desejos e ansiosa pelos prazeres, conforme se depreende deste excerto do dialógo de Platão: “A temperança outra coisa não é que certa ordem ou freio que se põe aos prazeres e paixões  Daqui vem a expressão senhor de si mesmo e outras semelhantes, que são, por assim dizer,outros tantos vestígios desta virtude (...) Há na alma do homem duas partes: uma superior outra inferior. Quando a parte superior governa a inferior, diz-se que o homem é senhor de si e faz-se elogio; quando, porém, por hábito ou defeito de educação a parte inferior assume o império sobre a inferior, diz-se que o homem de apetites desordenados é escravo de si mesmo, e isto é vitupério e desprezo.”

 

Percebendo que o Kant também compartilha dessa perspectiva de autodomínio. Para esse iluminista, o homem é livre à medida que controla os seus instintos, porque só obedece a sua vontade que é guiada pela pureza da razão, geralmente, quando não há normas. O Wayne Morrinson indica que o próprio Kant traça a sua obra pela influencia dos enunciados da sagrada escritura. (MORRISON, 2006 pág. 167).

O Kant indica que o direito surgira para punir aos homens que não eram juízes dos seus atos. Ou seja, ele nos assevera que os homens ou o mundo terreno é um interstício entre o céu e a terra. À medida que os anjos cumprem regras incondicionalmente, os demônios não a obedecem em hipótese alguma, por isso, aqueles que só agem por inclinação moral, isto é, aqueles que realizam cálculos de custo e benefício obedecem as regras pelo temor da sanção. Logo, não estamos deduzindo, que os infratores estão próximos dos demônios pelo mal infligido as vítimas nos crimes sexuais ou alegar que são “inimputáveis” por não terem controle dos seus instintos pelo elevado índice de testosterona

Ainda que nos sentíssemos atraído pelo utilitarismo da castração química, ela de fato feriria os axiomas Kantianos haja vista além da preservação da distinbilidade de cada ser humano e além da essência humana refletida sob a dignidade da pessoa humana não estarem sujeitos a relativismo cambial, devemos entender aquele principal prescrição kantiana: “ages de tal modo que a tua ação se reconheça na humanidade do outro sob uma lei universal.”. Não devemos nos esquecer que o correto ou a verdade (jusnaturalismo), não pode estar contaminado pela dúvida[3]. (ABBAGNO, 2007, p. 1183)

Entre outras palavras, estamos falando em ciência que está sujeita a acertos e erros. Pelos inúmeros testes realizados, segundo a publicação do advogado Márcio Peceigo Heide, há a indicação de efeitos colaterais na castração química, ou seja, acaba-se agredindo a integridade física do preso, segundo o art. 5º, XLIX da CF-88:

 

“Estudos com a Depo-Provera (acetato de medroxyprogesterona), que é a versão sintética da progesterona, o hormônio feminino pró-gestação, demonstram que há uma redução do apetite sexual compulsivo dos sex ofenders e que seus efeitos colateris compensam-se pelos benefícios.

Dentre os efeitos colaterais da aplicação da Depo-Provera está a ocorrência eventual de depressão, desenvolvimento de diabetes, fadiga crônica, alterações na coagulação sanguínea, dentre outros. (HEIDE, acesso em: 27/04/2010)”

 

Por isso, condenamos o utilitarismo em que objetiva um mínimo de sacrifício para a busca da felicidade. Kant rejeita o utilitarismo, porque não sujeita os homens a compensações caso fira o seu axioma de iguais liberdades a cada um sob a premissa de uma lei universal. Além do que para Kant, muito das vezes, para ser moral o sujeito tem de abdicar de suas paixões ou desejos para fazer o que é certo. (MORRINSON, 2006, págs. 171 e 172)

 

2 Questionamentos a respeito da dignidade da pessoa humana sob a perspectiva normativa

 

Conforme fora abordado em tópico anterior, a dignidade além de ser uma essência peculiar a cada ser humano, diz respeito à integridade físico-psíquica e está prevista no ordenamento jurídico brasileiro sob o fundamento da república brasileira pelo inciso III do art. 1 da CF-88. A dignidade da pessoa humana do preso também se encontra disposto, a saber:

“Art 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.

XLVII – não haverá penas:

e) cruéis

XLIX – é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;”

 

Entende-se que a seguinte norma tem validade perante o nosso ordenamento jurídico, indubitavelmente, ao ilustre americano Ronald Dworkin um princípio constitucional é um tudo ou nada (DMITRUK, pág. 04) senão, não haveria sentido de existir e ser um mandamento de otimização.(ÁVILA, 2004, pág. 31).

Ou seja, para esse ianque por ser um direito fundamental os princípios constitucionais, consequentemente, temos um trunfo que não devem ser suplantados os direitos de 1º geração por ser a prerrogativa do nossa personalidade (sob a perspectiva liberal ou individual) (DMITRUK, pág. 04), a saber o nosso ordenamento assim preceitua:

 

Art 5, §1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.

Art 60, §4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir

IV – os direitos e garantias individuais”

 

Apesar do Alexy suscitar a supressão do princípio da dignidade da pessoa humana, segundo André Ramos Tavares (2007, pág. 514), uma vez se um suposto direito versar sobre indivíduos sob uma perspectiva formal não saberemos qual deles adotar, a partir daí se tem a importância do cálculo utilitarista, a saber:

No entanto, o argumento de Alexy é tão sedutor quanto ao de Dworkin, posto que ao primeiro aplica-se a proporcionalidade de um princípio por outro em função do caso concreto ou do fim almejado enquanto ao segundo tem-se uma epopéia cabendo ao juiz-hércules integrar todo o ordenamento. (ÁVILA, 2004, pág. 35 e 36)

Indubitavelmente, no nosso ordenamento jurídico não um princípio constitucional que proteja o utilitarismo da castração química. Sendo que ainda que surja uma lei infra-constitucional, por exemplo, uma lei ordinário que seja favorável a essa crueldade dos autores de delitos de natureza sexual será tida por inconstitucional.

Haja vista que em um sistema as premissas basilares composto por um conceito em um sistema lógico normativo (princípio da dignidade da pessoa humana) ou pelos topois em sistema tópico (representado pelo principio da dignidade da pessoa humana e o princípio do respeito à integridade física do preso), temos de admitir que o conceito ou os topois são a base do sistema. Logo, rompendo o limite que lhes são traçados (conceito ou dos topois) (VIEHWEG, 2008, pág. 83), conseqüentemente, temos o comprometimento de todo o sistema.

 

3 Discurso penológico e suas funções e o e criminologia pro réu

 

O sistema de repressão para a prática de crimes sofreu humanização quando se buscou diminuir a severidade das penas, pois deveria ser levado em consideração os direitos fundamentais que o acusado tinha. No entanto o direito penal mostra seu poder em ultimo caso dando a idéia de ultima ratio, para afastar do meio social aquele sujeito que apresenta algum grau de periculosidade.

Todo o sistema penal gira em torno da política da pena e de sua intenção maior, que é a sua real função de buscar a ressocialização e combater a criminalidade, então como afirma SANTORO FILHO (2000, pag. 53):

 

A pena, [...] Possui uma função repressiva, consistente na justa reprovação do comportamento ofensivo ao bem jurídico e funções preventivas, isto é, tem por fins também a intimidação dos membros da sociedade para não incorrerem em condutas delituosas (prevenção geral) e a ressocialização do criminoso (prevenção especial).

 

Então levando em consideração o discurso criminológico e a real função da pena depois da constituição vigente que vela pela integridade física e a dignidade dos presos ou acusados, dispôs no seu artigo 5º, xlix, “o respeito à integridade física dos presos” compatibilizando com este, a carta magna determinou que “ninguém será submetido à tortura ou a tratamento desumano ou degradante” (art.5º, iii).

Passado séculos desde o uso do “olho por olho, dente por dente” as estruturas políticas, econômicas e sociais de todo o mundo, inclusive no Brasil, evoluíram radicalmente de acordo com sua estrutura, e com elas os ordenamentos jurídicos nacionais. E então, em pleno século XXI, se discute a implantação de penas que, mormente visam resolver a questão da criminalidade.

As penas aplicadas pelo Direito devem ter acima de tudo direção sobre a reparação do dano causado pelo crime cometido, ou seja, diminuir os prejuízos, pois as idéias de pena para a simples retribuição ao mal causado ou como meio de intimidação social não admitiam explicação racionalmente aceitável, uma vez que não põe na sociedade o controle que se visa, desta forma a pena exerceria um papel de vingança do Estado e não de controle sócia.

No entanto submeter o condenado ou preso a uma pena desumana, cruel, porque inviabiliza o exercício de direitos inerentes a eles e um atendimento prisional racional; deixa o recluso sem esperanças de obter liberdade antes do termo final do tempo de condenação, traz nenhum beneficio ou influência positiva no sentido de reinserção social a desampara a própria sociedade na medida em que devolve o preso à vida societária, após um processo de reinserção às avessas, ou seja, a volta para o meio social sem uma readequação mas sim uma dessocialização.(FRANCO, 1997, pág. 504).

Então, proteger os valores fundamentais de toda a sociedade, inclusive daqueles que são tirados do convívio dela, seria proteger “bens jurídicos”, assim a pena caminha ao lado do direito penal em se tratando de um ser o meio para exercer a função do outro, mas somente com uma estabilidade ético-penal e constitucional da pena que será viável a proteção de um bem jurídico penalmente protegido, ou seja, ou seja, o ciclo de proteção somente é constitucionalmente aceitável se não ferir direitos de alguma das partes envolvidas.

No Brasil já se discute um projeto de lei para implementação de uma nova modalidade de pena que punirá no que concerne os criminosos sexuais, ou seja, os que cometem estupros, no entanto é configura um tratamento de pena corporal nos moldes da lei de talião, uma vez que a punição se dará de acordo com o crime praticado.

Os tipos penais não repudiam a criação de novas modalidades de pena, mas para serem aceitas devem ser consoantes a lei suprema de 1988, a que vige atualmente, e não ficar a mercê apenas do clamor social, pois o caso que se analisa, o da castração química seria possível de acordo com a sociedade visto que pune crimes que abalam fortemente a sociedade e esta servindo como um legislador midiático uma vez que pela repulsão da sociedade já se vê alguns projetos de lei que visam a pena de castração química.

É difícil estabelecer uma nova forma de pena, uma vez que os crimes cometidos no seio da sociedade são provenientes de uma diversidade de causas, então devem ser analisadas as complexidades psicológicas e sociológicas que levam a pratica dos crimes, desta forma para ocorra o estudo da penologia é necessário que se verifique em que concerne o problema de cometimento de crimes, pois boa parte das penas não esgota o problema, mais sim o esconde ou atrasa-o. 

No surgimento da criminologia o que mais se discutia era sobre o delinqüente e se chegou a uma conclusão de que este poderia ser o sujeito que foi compelido a delinqüir por causas externas a ele e para o delito cometido por ele teria a pena objetivando punir tal pratica para proteger a sociedade e reinserir o delinqüente na sociedade.

Então a criminologia fornece os elementos necessários para que se estipule o adequado tratamento do réu no âmbito jurisdicional, ou seja, oferece os critérios valorativos da conduta criminosa. Ela pesquisa a eficácia das normas do direito penal, bem como estuda e desenvolve métodos de prevenção e ressocialização do criminoso então nesse contexto deve ser analisado a proteção do réu em relação as penas rígidas que o sistema penal oferece o busca oferecer.

No Brasil não é possível que o réu seja submetido a qualquer pena que envolva o aspecto corporal, ou seja, intromissão no corpo humano, pois todos são detentores de direitos fundamentais que SILVA (2003, pág. 04) coloca que são os que “consistem no conjunto de prerrogativas inerentes à pessoa humana considerada em si mesma”. É também relevante observar que pelo art. 38 do código penal há a determinação de que “o preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade, impondo-se a todas as autoridades o respeito à sua integridade física e moral.

Enfim numa analise jurídica, a pena de castração química poderia ser comparada a medidas tomadas na idade média tendo em vista que ofende direitos dos réus/presos, colide com a dignidade humana deste e faz afronta a constituição federal, ou seja, torna-se inviável no estado que se têm pós 1988. O que é necessário é um amplo sistema de prevenção, um complexo sistema para evitar a delinqüência e não “impor” medidas não muito condizentes com preceitos e valores relacionados à pessoa do réu/preso.

 

4 A CASTRAÇÃO QUÍMICA NO DIREITO INTERNACIONAL

 

Em legislações estrangeiras não é incomum que achemos situações cuja reprobabilidade seja culminada com penas que prevêem a irreversibilidade das mesmas. Isso é facilmente constatado na legislação norte-americana, por exemplo, que adotam a prisão perpétua e até mesmo a pena de morte em alguns de seus estados.

Em outro exemplo, no direito mulçumano, abordado pelos doutrinadores Jean Pradel (2007, p. 217) e Eric Agostini (1988, p. 54 e 56), não é incomum penas como a decepação de uma das mãos ou dos pés, pela prática do furto ou a pena de lapidação[4] por prática do fornicação, sodomia ou bestialidade[5], dentre outras como a decapitação, enforcamento, empalamento e crucificação. Faz-se mister deixar claro que tais punições são provenientes da cultura local, sendo práticas milenares.

Como percebido, a irreversibilidade das penas na maioria dos casos tem função que muitas vezes supera a punitiva, tornando-se humilhantes e infamantes. Assim, tem-se a figura da imagem exemplar, ou seja, o condenado fica marcado para sempre e serve de exemplo não só para si próprio, reprimido internamente a não cometer o delito novamente, mas aos outros que se sentem desencorajados a repetir o mesmo.

Trata-se do mesmo princípio defendido por aqueles a favor da castração química e pelos sistemas que já a adotam como forma de contenção da criminalidade. É através da incapacitação do ofensor que pretende-se atingir um nível de proteção social efetivo, por assim dizer, uma vez que a causa geradora do problema é eliminada pela castração.

Os Estados Unidos foram um dos precursores no que diz respeito à castração química. O processo teve início no século XX Estados Unidos através de um movimento eugênico que aprovou tanto a castração e esterilização de muitos dos males da sociedade. Alguns estados implementaram leis que exigiam a castração como castigo para uma variedade de infrações (SPALDING, 1998. p. 2).

No entanto, até o final da Segunda Guerra Mundial, tais práticas perderam popularidade. Recentemente, devido aos grandes avanços tecnológicos da medicina, conseguiu-se suprimir os desejos sexuais através da aplicação de drogas antiandrogênicas, ou seja, medicamentos que inibem os hormônios masculinos, constituindo-se uma alternativa à castração cirúrgica. Assim, em 1984, um juiz de Michigan ordenou um agressor sexual condenado para submeter-se a injeções de acetato de medroxiprogesterona (MPA), servindo de “cobaia” para o experimento injeções condição de estagiário. No entanto, o Tribunal de Apelação definiu a sentença como uma violação da lei de experimentos do estado de  Michigan. Não obstante, em 1996, estes estudos médicos acabaram por tornar a Califórnia o primeiro estado a aprovar uma legislação que prevê a castração química de criminosos sexuais contra crianças. O Legislativo floridiano promulgou sua lei de castração química aproximadamente seis meses após o projeto de lei da Califórnia foi assinado com lei (SPALDING, 1998. p. 2). Em modificação do seu artigo 645 do Criminal Code, temos que [6]:

 

“645. (a) Qualquer pessoa considerada culpada e condenada pela primeira vez por qualquer ofensa especificada na subdivisão (c), onde a vítima seja menor de 13 anos de idade, poderá, em liberdade condicional, ser submetida a tratamento com acetato de medroxiprogesterona ou sua substância química equivalente, além de qualquer outra pena prescrita para aquela ofensa ou qualquer outra prevista em lei, à discrição do tribunal.

 

(b) Qualquer pessoa considerada culpado e condenada pela segunda vez por qualquer ofensa especificada na subdivisão (c), onde a vítima seja menor de 13 anos de idade, deverá, em liberdade condicional, ser submetida a tratamento com acetato de medroxiprogesterona ou sua substância química equivalente, além de qualquer outra pena prescrita para aquela ofensa ou qualquer outra prevista em lei.

 

 […] (d) O preso sob liberdade condicional começará tratamento de acetato de medroxiprogesterona uma semana antes de sua liberação da prisão estatal ou outra instituição e continuará tratamento até o Departamento de Correções se manifestar ao Conselho de Condições de Prisão que este tratamento é desnecessário ser mais longo.

 

[...] (f) O Departamento de Correções administrará esta seção e implementará os protocolos requeridos por esta seção. Nenhum dos protocolos requererá um empregado do Departamento de Correções que não um médico e o cirurgião autorizou conforme o Capítulo 5 (começando com Seção 2000) da Divisão 2 do Código de Negócio e Profissões ou o Ato de Iniciativa Osteopático para participar contra o dele ou o testamento dela na administração das providências desta seção. Estes protocolos incluirão, mas não limitando-se, à exigência de informar a pessoa sobre o efeito de tratamento químico hormonal e qualquer efeito colateral que podem ser o resultado disto. Uma pessoa sujeita a esta seção acusará o recebimento desta informação.”

 

O novo estatuto da Flórida autorizou que o juiz condene o réu acusado de crime sexual a administração da droga MPA. Nos casos em que o réu foi condenado por agressão sexual e que já se tenha um conhecimento prévio do fato, ao tribunal é requerido obrigatoriamente que tal acusado seja condenado à injeções de MPA. Tais administrações, no entanto, são avaliadas por um medico especializado no assunto que avaliará se o condenado é um candidato às aplicações semanais. A determinação do tempo de duração das aplicações é realizada pelo tribunal do júri e pode se estender pela vida toda, em alguns casos mais graves. (SPALDING, 1998. p. 3). Outro ponto interessante é que o condenado deverá ser previamente avisado sobre o procedimento do tratamento em questão, assim como suas consequências (leia-se “efeitos colaterais”) do mesmo.

 

5 AS DROGAS ANTIANDROGÊNICAS E SEUS EFEITOS COLATERIAS

 

As primeiras drogas destinadas à castração química tinham por objetivo a destruição das válvulas que controlavam a irrigação do pênis, deixando o condenado a esta sentença terminantemente incapaz da prática sexual. No entanto, tal fator não impediria que a pessoa acometida de distúrbios sexuais continuasse a ter vontade de praticar a conduta sexual, utilizando não mais do pênis, mas do dedo, língua e boca para a molestação.

Uma alternativa mais eficaz ao procedimento já era relatada na medicina desde a década de 40 e tratava da administração de hormônios femininos (estrógenos) para o tratamento de pessoas com distúrbios hormonais, pois acredita-se até hoje que os homens acometidos de disfunções sexuais possuem uma taxa de testosterona [7] acima do normal. Todavia, esse tratamento provocava efeitos colaterais como  a ginecomastia severa, ou seja, o acentuado crescimento das mamas. Posteriormente, tais hormônios foram substituídos por progestágenos, como o MPA e a ciproterona (ALLEN, FREUND apud SERAFIM, 2006. p. 144).

A maior vantagem considerada por especialistas no ramo é a reversibilidade do tratamento, ou seja, assim que cumprida a pena prevista pela corte judicial, as aplicações hormonais cessam, apesar de alguns dos efeitos colaterais do tratamento não desaparecerem imediatamente.

As aplicações dos antiandrogênicos tem como principal efeito a diminuição considerável da libido masculina, fator que, como suscitado anteriormente, seria o grande responsável pelos crimes de caráter sexual. Mas os efeitos não se resumem a este, provocando “aumento considerável de peso, fatigabilidade, dano hepático eventual e, ainda que reversivelmente, interferência com aspectos mecânicos da resposta sexual, como a ereção e a ejaculação” (COOPER et al. apud. SERAFIM, 2006. p. 144).

Aqueles que são contra a castração química possuem como um dos argumentos o fato destes efeitos colaterais levarem o condenado a situações que vão além da pretendida. O acentuado aumento de peso pode acarretar em problemas de hipertensão e até mesmo diabetes que podem perdurar por toda a vida deste, não findando com o fim das aplicações da droga. A Depo-Provera, medicamento mais utilizado para os fins de castração, provoca ainda mais efeitos como a fadiga, depressão mental, insônia, pesadelos, dificuldade para a respiração, ondas de calor e frio, perda de pelos pelo corpo, náuseas, cãibras e até mesmo a formação de coágulos sanguíneos que podem levar a tromboses e à possível morte da pessoa. (SPALDING, 1998. p. 4)

Outra argumentação é quanto a efetividade de tal recurso, uma vez que interrompida a administração dos medicamentos a libido masculina é retomada. Alguns se posicionam dizendo que tal tratamento não diminuiria a reincidência de tais crimes, uma vez que o aspecto psicológico não é tratado. Inclusive, há o posicionamento de que o acompanhamento médico deveria ser estendido ao mental, pois mesmo durante o tratamento, a pessoa possuidora de disfunção sexual ainda seria capaz de planejar novos delitos, assim como os detentos de uma penitenciária comum.

 

 

 

Conclusão

 

A castração química ainda constitui-se tema controverso em muitos aspectos, sejam eles principiológicos, penológicos ou científicos. Primeiramente, o tratamento realizado através de hormônios antiandrogênicos acarreta em diversos efeitos colaterais importantes, podendo tornarem-se irreversíveis, dependendo da pessoa na qual é realizado e na duração do tratamento.

Apesar disso, a forma de castração química atual é a que ainda proporciona efeitos colaterais menos lesivos, tendo em vista outros métodos adotados anteriormente. Outro ponto que pode ser considerado como positivo, é sua reversibilidade, ou seja, uma vez que cesse a administração da Depo-Provera, droga mais comumente utilizada nestes casos, há o desaparecimento total ou parcial de tais efeitos.

Aqueles que se posicionam contra à pena de castração química baseiam-se no princípio da dignidade humana, afirmando ainda que tal punição constituiria, de certa forma, prática tortuosa e, portanto, reprovável.

Outro ponto que merece destaque é quanto a ressocialização do indivíduo que não se dá apenas mediante o tratamento à base de Depo-Provera, exigindo um acompanhamento psiquiátrico para constante avaliação do caráter mental do indivíduo, caso contrário, uma vez finda a administração da droga, há a possibilidade da reincidência do autor nos mesmos crimes.

 

 

Referências

 

ABBAGNANO, Nicolo. Dicionário de filosofia. Trad. Alfredo Bosi e Ivone Benedetti. 5°ed. São Paulo: Martins fontes, 2007.

 

AGOSTINI, Éric. Droit Comparé. Paris: Presses Universitaires de France, 1988.

 

ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 4ºed. São Paulo: Malheiros, 2004.

 

DMITRUK, Erika Juliana.O Princípio da integridade como modelo de interpretação construtiva do direito em ronald dworkin.  Site: http//web.unfil.br/docs/jurídica/04/ Revista Jurídica 04-11.pdf.   Acesso em 15/08/2009

 

FRANCO, Alberto silva. Código penal e sua interpretação jurisprudencial, 6ª ed. São Paulo, revista dos tribunais, 1997.

 

HEIDE, Marcio Pecego. Castração química para autores de crimes sexuais e o caso brasileiro.  Site: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9823.  Acesso em 27/04/2010.

 

MORRINSON, Wayne. Filosofia do Direito: dos gregos ao pós-moderno. Trad: Jefferson Luiz Camargo e Gilson Rios. São Paulo:Martins Fontes, 2006.

 

PRADEL, Jean. Comentário sobre a obra de PETERS, Rudolf. "Crime and Punishment in Islamic Law. Theory and Practice from the Sixteenth to the Twenty-First Century. Cambridge: Cambridge Univesity Press, 2005, In: Revue Internationale de Droit Comparé, n. 1, jan./mars. 2007, Paris: Société de Législation Comparée, pp. 216-219.

 

SANTORO FILHO, Antonio Carlos. Bases críticas do direito criminal. São Paulo: led editora de direito. 2000.

 

SERAFIM, Antonio de Pádua; BARROS, Daniel Martins de; RIGONATTI, Sérgio de Paulo. Temas em Psiquiatria Forense e Psicologia Jurídica. 2 vol. São Paulo: Vetor, 2006.

 

SILVA, Reinaldo pereira e. Biodireito: a nova fronteira dos direitos humanos. São Paulo: ltr, 2003.

 

SPALDING, Larry Helm. Florida’s 1997 Chemical Castration Law: a return to the dark ages. Florida: Florida State University Law, 1998. Traduzido por Luciano Hilton. Disponível em: . Acesso em: 25 Mai 2010.

 

TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 5ºed. São Paulo:Saraiva, 2007.

 

VIEHWEG, Theodor. Tópica e Jurisprudência: uma contribuição à investigação dos fundamentos jurídico-científicos; tradução Profª Kelly Susane Alflen da Silva. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2008.


[1] Alunos da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco.

[2] A moral kantiana ainda tem por escopo a eternidade, a imutabilidade e a absolutez do jusnaturalismo (o que é correto é correto em qualquer lugar e espaço) quanto a “máxima de uma lei universal” citada durante o corpo do trabalho. Por essa perspectiva sabemos que a moral kantiana decorre da boa vontade, isto é, de juízos a priori. O sujeito moral age por convicção sem interesse algum (sem o escopo de conquistar o céu ou o temor do inferno) . Logo, se sabe que os criminosos sujeitos a castração química tenham o repúdio do Kant pelo fato de transgredirem uma norma, mas a dosagem química que visa à diminuição da sua libido sexual ferirá o enunciado Kantiano de respeito a cada ser humano cair por terra. Uma vez que os axiomas de Kant são balizas as arbitrariedades do bem comum, ou seja, para Wayne Morrinson na idade média fora cometido inúmeras atrocidades sob a justificativa do bem comum e a contribuição dos axionas kantianos era a garantia formalista para que se chegasse a justeza das decisões.

[3] Porque a verdade está sob o manto de uma cortina que esconde um objeto pelo viés religioso metafísico Além do que a verdade não é relativa, senão, falar-se-ia em perspectivas de sujeitos sob determinado caso em função das diferentes posições.

[4] Na  lapidação, o condenado é apedrejado até a morte por meio de pedras nem muito grandes, nem muito pequenas, de modo que este ainda sofra antes de morrer.

[5] Prática de sexo com animais.

[6] Tradução dos tópicos mais importantes do art. 645 do Criminal Code floridiano.

[7] Hormônio sexual masculino.


Autor:


Artigos Relacionados


Atuais E Possíveis Tratamentos Dados Ao Psicopata No Brasil

EvoluÇÃo HistÓrica Acerca Dos Direitos Humanos

Os Crimes Sexuais No Brasil

A CastraÇÃo QuÍmica Como Pena Para Crimes Sexuais

Direito À EducaÇÃo E O PrincÍpio Da Dignidade Da Pessoa Humana No Brasil

Inconstitucionalidade Da CastraÇÃo QuÍmica

A Cocaína Sai De Linha