Os limites de atuação do conselho nacional de justiça face o princípio da independência do poder judiciário
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OS LIMITES DE ATUAÇÃO DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA FACE O PRINCÍPIO DA INDEPENDÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO
DANIELA BARRETO DA SILVA1
RESUMO
O presente estudo tem como escopo evidenciar os aspectos legais concernentes às funções atribuídas ao Conselho Nacional de Justiça, desde a sua criação, com a Emenda Constitucional n. 45/2004, até o atual desenvolvimento de suas atividades. É possível adiantar o fato de que a atuação do Conselho Nacional de Justiça tem levantado algumas questões relacionadas ao princípio da independência do Poder Judiciário, visto que alguns acreditam que o controle administrativo e financeiro por ele exercido constitui ofensa ao princípio supramencionado. Além disso, esse trabalho visa mostrar quão importante é o exercício funcional do Conselho Nacional de Justiça, sem que este interfira na tipicidade das funções do Judiciário e, muito menos, na sua independência e autonomia. O método utilizado será o dedutivo, onde se pretende a obtenção de conhecimento a partir de um raciocínio geral acerca do tema, de modo a possibilitar a formação de pensamento e opinião mais específicos e lógicos no tocante à real situação do Poder Judiciário brasileiro.
PALAVRAS-CHAVE: Independência, Poder Judiciário, controle administrativo e financeiro.
ABSTRACT
This article is scoped to emphasize the legal aspects related to the tasks of the National Council of Justice, since its inception, with the Constitutional Amendment No. 45/2004, up to the current development of its activities. You can say the fact that the actions of the National Council of Justice has raised some questions related to the principle of the independence of the Judiciary, since some believe that the financial and administrative control exercised by him to the abovementioned principle is offense. In addition, this work aims to show how important it is functional exercise of the National Council of Justice, which must not interfere with the typical characteristics of the roles of the Judiciary and, much less, their independence and autonomy. Will used the deductive method, which aims to get knowledge from a general reasoning on the subject, to enable the formation of thought and opinion more specific and logical in relation to the real situation of the Brazilian judiciary.
KEYWORDS: Independence, Judiciary, administrative and financial control.
1 Acadêmica do Curso de Direito da Universidade Federal de Rondônia
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SUMÁRIO
1. NOTAS INTRODUTÓRIAS: A CRIAÇÃO DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA
2. DA TRIPARTIÇÃO DOS PODERES
3. ESTRUTURA E COMPOSIÇÃO
4. FORMA DE ATUAÇÃO
4.1 Competências
4.2 Como funciona o Procedimento de Controle Administrativo?
4.3 Suas atividades tem poder vinculativo em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário?
5. A ATUAÇÃO DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA FRENTE AO PRINCÍPIO DA INDEPENDÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
7. NOTAS
8. REFERÊNCIAS
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1. NOTAS INTRODUTÓRIAS: A CRIAÇÃO DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA
O Conselho Nacional de Justiça foi criado no dia 1 de dezembro de 2004 e instalado em 14 de junho de 2005 (CNJ). É fruto da Emenda Constitucional n. 45/2004, a mesma que consagrou a chamada “reforma do Judiciário”. Possui sede em Brasília/DF e possui âmbito de atuação nacional. De acordo com o próprio Conselho Nacional de Justiça, sua missão é “contribuir para que a prestação jurisdicional seja realizada com moralidade, eficiência e efetividade, em benefício da Sociedade3”.
Suas prerrogativas incluem, sobretudo, um controle de caráter administrativo e financeiro/orçamentário sobre as atividades desenvolvidas pelos órgãos do Poder Judiciário, de modo a promover a transparência e a fiscalização do cumprimento dos deveres funcionais jurisdicionais. Por ter uma estrutura formada majoritariamente por membros da magistratura, é considerado um órgão interno do Poder Judiciário, atuando conjuntamente com o Conselho Nacional do Ministério Público.
Basicamente, o Conselho Nacional de Justiça tem suas origens fundamentadas nos sistemas de governo e administração de tribunais anglo-americanos, que possuem sua ideologia fixada nos critérios de independência e autonomia dos organismos judiciais, e europeus-continentais, onde as competências de seleção, nomeação e fiscalização de magistrados são atribuídas ao Poder Executivo, mais especificamente aos Ministérios de Justiça4.
A partir de tais perspectivas, os países latino-americanos adotaram um sistema com características mistas, criando os chamados “Consejo de Magistratura ou de Judicatura”, abalizado, sobretudo, no modelo espanhol do “Consejo General del Poder Judicial”. É essa a realidade em países como Argentina, Chile, Venezuela, Equador e México, por exemplo. Segundo Mendes (2011, p. 1034), a situação acima descrita “revela a ampla disseminação dos organismos de governo e administração dos tribunais, como garantidores da independência judicial”.
3 Conselho Nacional de Justiça. Disponível em: . Acesso em: 18 de junho. 2012.
4 Cf. Héctor Fix-Zamudio e Salvador Valencia Carmona, Derecho constitucional mexicano y comparado, México: Porrúa, 2007, p. 947-1005; Héctor Fix-Zamudio, El Consejo de la Judicatura, México: UNAM, 1996 apud MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 6ª ed. São Paulo: Saraiva: 2011, p. 1033.
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Para Tavares (2007, p. 1040), “o presente órgão viria a remediar os males que acometem o Poder Judiciário, a saber, a delonga em exercer a função jurisdicional e a ausência de transparência, decorrente de sua natureza fechada, infenso que é às tentativas fiscalizatórias”.
Segundo Antônio de Pádua Ribeiro (2006)5, “o trabalho do Conselho Nacional de Justiça é abrir rumos, de forma a traçar políticas e definir procedimentos claros e objetivos, uniformizando a atuação e modernizando a estrutura do Judiciário brasileiro”.
A ministra do Superior Tribunal de Justiça e corregedora do Conselho Nacional de Justiça, Eliana Calmon, defende a atuação deste último, onde deposita a esperança de verem-se corrigidos, judicialmente, comportamentos equivocados, atipicamente considerados como crime, contravenção ou ato de improbidade6.
Ademais, o Conselho Nacional de Justiça possui uma forma de atuação estratégica onde, a partir de análises processuais de todo o país, indica a produção dos juízes e colhe informações acerca dos litigantes que se destacam nos órgãos judiciais, dada a sua grande movimentação. Este fator permite ao Conselho colaborar com o planejamento das ações que cabem ao Poder Judiciário brasileiro e, quiçá, contribuir para a efetivação dos princípios da economia e da celeridade processuais.
2. DA TRIPARTIÇÃO DOS PODERES
Desde os primórdios da civilização humana, a formação e organização estatal tem recebido especial atenção no tocante à sua distribuição funcional e, sobretudo, ao poder. Aristóteles, acrescido das ideias platônicas, antecessoras às suas, desenvolveu a primeira teoria acerca de um Estado com funções estrategicamente divididas. O renomado estagirita propôs a seguinte divisão: Assembleia Geral, o Corpo de Magistrados e o Corpo Judiciário.
5 RIBEIRO, Antônio de Pádua. Justiça que tarda é fundamentalmente injusta. O Magistrado. São Paulo, ano V, nº45, abril/maio 2006, p. 08-14. Disponível em: . Acesso em: 14 de abril. 2012.
6 ALVES, Eliana Calmon. A ética no Judiciário. Diálogo & Debates da Escola Paulista da Magistratura, São Paulo, ano 5, nº4, junho/2005, p. 16-17. Disponível em: . Acesso em: 14 de abril. 2012.
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Alguns séculos mais tarde, porém, Charles de Montesquieu, filósofo iluminista que viveu no auge do Absolutismo francês, definiu e divulgou tal princípio, na obra “Do Espírito das Leis”, de 1748, que já havia sido sugerido também por John Locke e Jean-Jacques Rousseau, nas obras “Ensaio sobre o governo civil” e “O Contrato Social”, datados do século XVII e XVIII, respectivamente. Na obra supracitada de Montesquieu, foram definidos os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.
A iniciativa da separação dos poderes deu-se em pleno Absolutismo, o chamado Ancient Regimé, na França, que teve seu apogeu entre os séculos XVII e XVIII. Aqui, o governo era exercido de maneira tendenciosamente autoritária, com o poder concentrado nas mãos do monarca. O contexto histórico da época exigiu que a tripartição realizada fosse extremamente rígida e dogmática, visto que a própria Declaração dos Direitos de Homem e do Cidadão (1789), tida como uma das principais conquistas da Revolução Francesa, fundou-se em tais princípios, ao declarar que não teria constituição a sociedade que não assegurasse a separação de poderes: “Toute societé dans laquelle la garantie des droits n’est pás assurée et la séparation des pouvoirs déterminée, n’a point de constitution” (in José Afonso da Silva, 2005, p. 109).
Paulo e Alexandrino (2010, p. 412) apontam que
“o ponto relevante da teoria de Montesquieu não está na identificação das três funções, visto que já haviam sido propugnadas por Aristóteles, mas sim na ideia de dividir o exercício dessas funções entre órgãos independentes, evitando a concentração de todo o poder do Estado nas mãos de uma única pessoa, o que, segundo seu raciocínio, ensejaria um controle automático do exercício do poder estatal”.
Pimenta (2007, p. 136) leciona que “as teorias de Montesquieu exerceram profunda influência no pensamento político moderno”. Para o citado professor, a separação dos poderes constitui a melhor forma de garantia das liberdades dos cidadãos e, ao mesmo tempo, da eficiência das instituições políticas.
Atualmente, utiliza-se o termo “colaboração de poderes” para designar a atuação funcional do Legislativo, do Executivo e do Judiciário. Como dispõe a Constituição Federal do Brasil, em seu artigo 2º, “são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o
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Legislativo, o Executivo e o Judiciário”, de modo que haja um mecanismo de controle recíproco entre os poderes (Paulo; Alexandrino, 2010, p. 414). É o chamado sistema de freios e contrapesos (checks and balances), postulado oriundo da doutrina norte-americana, que garante que o equilíbrio entre os poderes, de modo que nenhum se sobressaia sobre o outro, favorecendo assim a realização do bem comum.
3. ESTRUTURA E COMPOSIÇÃO
De acordo com o disposto no artigo 103-B, da Constituição Federal do Brasil/88, “o Conselho Nacional de Justiça compõe-se de 15 (quinze) membros, entre trinta e cinco e sessenta e seis anos de idade, com mandato de 2 (dois) anos, admitida 1 (uma) recondução, sendo: (EC nº 45/2004 e EC nº 61/2009)
I – o Presidente do Supremo Tribunal Federal;
II – um Ministro do Superior Tribunal de Justiça, indicado pelo respectivo tribunal;
III – um Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, indicado pelo respectivo tribunal;
IV – um desembargador de Tribunal de Justiça, indicado pelo Supremo Tribunal Federal;
V – um juiz estadual, indicado pelo Supremo Tribunal Federal;
VI – um juiz de Tribunal Regional Federal, indicado pelo Superior Tribunal de Justiça;
VII – um juiz federal, indicado pelo Superior Tribunal de Justiça;
VIII – um juiz de Tribunal Regional do Trabalho, indicado pelo Tribunal Superior do Trabalho;
IX – um juiz do trabalho, indicado pelo Tribunal Superior do Trabalho;
X – um membro do Ministério Público da União, indicado pelo Procurador-Geral da República;
XI – um membro do Ministério Público estadual, escolhido pelo Procurador-Geral da República dentre os nomes indicados pelo órgão competente de cada instituição estadual;
XII – dois advogados, indicados pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;
XIII – dois cidadãos, de notável saber jurídico e reputação ilibada, indicados um pela Câmara dos Deputados e outro pelo Senado Federal.
Ainda de acordo com a Carta Política de 1988, o Conselho Nacional de Justiça será presidido pelo presidente do Supremo Tribunal Federal e, na sua ausência ou impedimentos, pelo Vice-Presidente desse Tribunal. Não é necessária a submissão dos nomes do Presidente e do Vice-Presidente do Supremo Tribunal Federal à aprovação por maioria absoluta do Senado Federal para que ocorra a nomeação para o Conselho, pois como ministros da Suprema Corte, já foram, na ocasião de sua nomeação, submetidos a tal
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procedimento, observados os requisitos do artigo 101, parágrafo único da Constituição Federal.
Quanto aos demais membros, estes continuam submetidos à nomeação realizada pelo Presidente da República, depois de aprovação por meio de escolha por maioria absoluta do Senado Federal, como o elencado no artigo 103-B, parágrafo 2º.
A função de Ministro-Corregedor caberá ao Ministro do Superior Tribunal de Justiça. Entretanto, este ficará excluído da distribuição de processos no Tribunal, competindo-lhe, além das atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura, as seguintes: a) receber as reclamações e denúncias, de qualquer interessado, relativas aos magistrados e aos serviços judiciários; b) exercer funções executivas do Conselho, de inspeção e de correição geral; c) requisitar e designar magistrados, delegando-lhes atribuições, e requisitar servidores de juízos ou tribunais, inclusive nos estados, Distrito Federal e Territórios.
Além disso, o Procurador-Geral da República e o Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil também exercerão ofício no Conselho Nacional de Justiça, não podendo, porém, atuar e ser membros deste, caso sejam representantes do Ministério Público e da Advocacia.
É importante destacar que a esfera de competências supracitada é apenas exemplificativa, pois é totalmente cabível que o Estatuto da Magistratura acrescente novas atribuições aos membros do Conselho Nacional de Justiça, desde que relacionadas ao controle administrativo-financeiro da magistratura e demais funções jurisdicionais.
O Conselho Nacional de Justiça teve essa formação (composto majoritariamente por magistrados) a fim de evitar polêmicas no tocante à sua natureza. Para todos os efeitos, trata-se de um órgão de controle interno do Poder Judiciário, não ferindo, desse modo, o princípio da independência e autonomia judiciárias.
4. FORMA DE ATUAÇÃO
Ao Conselho Nacional de Justiça foi facultado, constitucionalmente, o poder de fiscalizar os aspectos administrativos e financeiro/orçamentários dos órgãos judiciários. Entretanto, o que mais se discute é se sua atual forma de atuação não fere a autonomia destes órgãos, visto que em muitas ocasiões, membros do próprio Conselho, como o ministro do Supremo Tribunal Federal Cezar Peluso, afirmaram que a corregedoria
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daquele realiza, de forma indevida, controle sobre contas bancárias dos ministros da Suprema Corte, o que constitui, segundo ele, “flagrante abuso de poder em desrespeito a mandamentos constitucionais, passível de punição na forma da lei a título de crimes7”.
Em face de tais levantamentos, abordar-se-ão os aspectos constitucionais de como se deve proceder a atuação do Conselho Nacional de Justiça, de modo a evitar fatos que propiciem a formação de conflitos nas mais altas instituições do Poder Público deste país que, por si, dilatam os aspectos geradores de incongruências frente à opinião nacional.
3.1 Competências
Segundo o artigo 103-B, § 4º, da CF/88, “compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira pela Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura:
I – zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências;
II – zelar pela observância do art. 37 da CF e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da competência do Tribunal de Contas da União;
III – receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro oficializados ou que atuem por delegação do poder público, sem
prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais, podendo avocar processos disciplinares em curso e determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa;
7 Mariângela Gallucci, O Estado de São Paulo – Disponível em: Acesso em: 03 de junho. 2012
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IV – representar ao Ministério Público, no caso de crime contra a Administração Pública ou de abuso de autoridade;
V – rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano;
VI – elaborar semestralmente relatório estatístico sobre processos e sentenças prolatadas, por unidade da Federação, nos diferentes órgãos do Poder Judiciário;
VII – elaborar relatório anual, propondo as providências que julgar necessárias, sobre a situação do Poder Judiciário no País e as atividades do Conselho, o qual deve integrar mensagem do Presidente do Supremo Tribunal Federal a ser remetida ao Congresso Nacional, por ocasião da abertura da sessão legislativa”.
Tais dados evidenciam a necessidade de se respeitar a Constituição Federal, (aqui, sobretudo, no que se refere aos limites estabelecidos à atuação do Conselho Nacional de Justiça), de modo a consagrá-la como verdadeiro instrumento mantenedor da ordem e paz sociais que, em seu âmago, almeja.
3.2 Como funciona o Procedimento de Controle Administrativo (PCA)?
O Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça dispõe que o Procedimento de Controle Administrativo será exercido pelo Plenário deste órgão, ex officio ou mediante provocação, quando contrariarem os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, estabelecidos pelo artigo 37 da Constituição Federal, sem que isso afete a competência do Tribunal de Contas da União e dos Tribunais de Contas dos Estados (art. 91 do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça).
Alguns requisitos devem ser observados na instauração de ofício de procedimento de controle administrativo. Para que o pedido seja autuado e distribuído a um relator, é necessário que seja formulado por escrito com a qualificação do requerente e a indicação clara e precisa do ato impugnado. O prazo para que o relator notifique a autoridade que impugnou o ato e dos eventuais interessados em seus efeitos é de 15 (quinze) dias. Caso o fundamento do pedido não seja ilidido, o Plenário determinará: I – a sustação da execução do ato impugnado; II – a desconstituição ou a revisão do respectivo ato administrativo; III – o afastamento da autoridade competente pela prática do ato impugnado (art. 95, Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça).
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A instauração de ofício do procedimento de controle administrativo poderá ser determinada pelo Plenário, mediante proposição de Conselheiro, do Procurador-Geral da República ou do Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.
Ressalte-se que, os atos administrativos praticados há mais de cinco anos não estarão sujeitos ao mencionado controle, salvo se incorrerem em afronta direta aos princípios estabelecidos na Constituição Federal.
3.3 Suas atividades tem poder vinculativo em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário?
Quanto à vinculação da atuação do Conselho Nacional de Justiça face aos demais órgãos judiciários, o Supremo Tribunal Federal asseverou, em sessão no julgamento de referendo à liminar da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4638, movida pela Associação dos Magistrados Brasileiros, que o referido Conselho possui competência originária e concorrente com os tribunais para instaurar processos administrativos e disciplinares, de natureza correicional, contra magistrados em qualquer instância de atuação, dentro da esfera de incumbências referentes ao bom funcionamento e zelo pela autonomia do Poder Judiciário. A decisão é fruto de uma liminar que, à sombra do artigo 12 da Resolução 135/2011, dispunha que “para os processos administrativos disciplinares e para a aplicação de quaisquer penalidades previstas em lei, é competente o Tribunal a que pertença ou esteja subordinado o magistrado, sem prejuízo da atuação do Conselho Nacional de Justiça8”. Reforçando a delimitação da sua esfera de atuação, o Conselho em estudo editou a Resolução n. 70 onde, em seu art. 6º, determinou que: “Sem prejuízo do planejamento estratégico dos órgãos do Poder Judiciário, o Conselho Nacional de Justiça coordenará a instituição de indicadores de resultados, metas, projetos e ações de âmbito nacional, comuns a todos os tribunais”. Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal, corroborou a importância da vinculação funcional do Conselho Nacional de Justiça aos demais órgãos judiciários, mencionando a dificuldade que as corregedorias dos tribunais de justiça têm ao atuar disciplinarmente, “sobretudo em relação aos desembargadores e determinados juízes9”.
8 Resolução n. 135 de 13 de julho de 2011, do Conselho Nacional de Justiça. Disponível em: . Acesso em: 04 de julho. 2012.
9 In SCHULZE, Clenio Jair. A atuação correicional de Conselho Nacional de Justiça. Disponível em:
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Assim, essa vinculação surge como uma forma de suprir as dificuldades apontadas e corrigir, efetivamente, os atos eivados oriundos do poder estatal, de modo a consolidar o princípio do controle total da atividade jurisdicional.
5. A ATUAÇÃO DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA FRENTE AO PRINCÍPIO DA INDEPENDÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO
O sustentáculo acima exposto demonstra em que está fundado o princípio da independência do poder judiciário, que nada mais é do que o exercício jurisdicional realizado de maneira independente e autônoma, assim como os demais poderes10. Sua independência é protegida constitucionalmente, com status de cláusula pétrea, no art. 60, §4º, III, da Carta Política, que trata da separação dos poderes.
Ainda segundo afirmativa de Paulo e Alexandrino (2010, p. 645):
“Não é possível conceber um Estado de Direito sem um Poder Judiciário independente, responsável não só pela solução definitiva dos conflitos intersubjetivos mas, talvez precipuamente, pela garantia da integridade do ordenamento jurídico, mediante a aferição da compatibilidade entre os atos estatais e os comandos vazados na Constituição”.
Entretanto, recentemente foram abertas discussões fervorosas acerca da constitucionalidade das ações do Conselho Nacional de Justiça. Os argumentos utilizados por aqueles que condenam sua atuação, como é o caso da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), que interpôs Ação Direta de Inconstitucionalidade contra o Conselho Nacional de Justiça, consistem no fato de que a atribuição disciplinar por aquele exercida compete às Corregedorias dos tribunais, função esta que justifica a sua existência, e que a sua atuação (a do Conselho) só é cabível em caso de inércia de tais órgãos, ou
. Acesso em: 03 de junho. 2012.
10 Piero Calamandrei, Citado in ENTRAGO, Jesus Fernandez, O Judiciário e os Direitos Humanos: O Papel do Juiz na Política de Promoção, Tutela e Desenvolvimento eficaz dos Direitos Humanos, In Revista da Ordem dos Advogados-Angola, Luanda, Centro de Documentação e Informação/Ordem dos Advogados de Angola, N.º1, Ano n.º 1, 1998, p. 161.
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após decisão já proferida. Além desses fatos, há quem recorra ao princípio da independência do Poder Judiciário, afirmando que, no desenvolvimento de suas atribuições, o Conselho Nacional de Justiça invade a esfera de atuação dos órgãos judiciários internos, ferindo o âmago do princípio supramencionado.
Moraes (2007, p.69) leciona que
“apesar de independentes, os poderes de Estado devem atuar de maneira harmônica, privilegiando a cooperação e a lealdade institucional e as práticas de guerrilhas institucionais, que acabam minando a coesão governamental e a confiança popular na condução dos negócios públicos pelos agentes políticos”.
Os defensores do órgão em questão assumem o ideário de que, com a criação do Conselho Nacional de Justiça, novos padrões foram estabelecidos no tocante à justiça brasileira, dada a amplitude quantitativa de tribunais (federais, estaduais, comuns, especiais) e de suas respectivas competências11. Outra questão considerada é a crítica a um tendencioso corporativismo da magistratura, visto que o Poder Judiciário é o único dos Poderes consagrados na Teoria da Tripartição de Montesquieu (1748) onde seus membros não são submetidos ao voto popular, o que de certo modo pode representar uma eventual afronta ao princípio democrático instituído neste Estado de Direito. Sua preocupação refere-se à possível impunidade dos juízes que cometerem irregularidades. Deve ser realizado um acompanhamento das decisões administrativas e de gestão, além de um canal que possa combater eventuais abusos de poder, a fim de proporcionar mais transparência ao Judiciário. “A autonomia dos juízes não está, de modo nenhum, ameaçada ou em questão12”.
11 MASSOUD, Carolina Ormanes e HABER, Lilian Mendes. Reforma do Judiciário comentada. Coord.: Zeno Veloso e Gustavo Vaz Salgado, São Paulo, Saraiva, 2005, p. 158; BARROS, Humberto Gomes de. Controle externo, império da extorsão. Correio Braziliense 14.645/1. Caderno Direito e Justiça. Brasília, 23 junho de 2003. Disponível em: . Acesso em: 21 de maio. 2012
12 Reinaldo Azevedo - Blogs e Colunistas. Disponível em: . Acesso em: 22 de maio.2012
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Dado tais fatos, é possível observar que essa pluralidade de órgãos judiciários pode levar à prática de guerrilhas institucionais que, oriundas do princípio da lealdade institucional, enredam por uma vertente positiva e outra negativa. “A primeira consiste em que os diversos órgãos do poder devem cooperar na medida necessária para realizar os objetivos constitucionais e para permitir o funcionamento do sistema com o mínimo de atritos possíveis. Já a segunda determina que os titulares dos órgãos do poder devem respeitar-se mutuamente e renunciar a práticas de guerrilha institucional, de abuso de poder, de retaliação gratuita ou de desconsideração grosseira, de modo que nenhuma cooperação constitucional será possível sem uma deontologia política, fundada no respeito das pessoas e das instituições e num apurado sentido da responsabilidade de Estado” (Canotilho; Moreira, 1991, p.71 apud Moraes, 2007, p. 70).
A Associação Juízes para a Democracia13 se manifesta da seguinte maneira, em nota pública, sobre a atuação do Conselho Nacional de Justiça, onde sustenta que a criação do CNJ como um órgão do Poder Judiciário, com a maioria de seus membros composta por magistrados indicados pela cúpula desse Poder e com a sua presidência exercida pelo próprio presidente do Supremo Tribunal Federal, afastou-se da proposta original da Associação Juízes para a Democracia, que
“em 2005, durante a reforma constitucional do Poder Judiciário, sustentou que a existência de um órgão de controle social externo da magistratura seria imprescindível para o fortalecimento do Estado de Direito Democrático e para conferir legitimidade ao Poder Judiciário como órgão garantidor dos direitos de todas as pessoas”.
Contudo, completam dizendo que “é inegável que o Conselho Nacional de Justiça constitui uma conquista democrática e as suas funções têm que ser preservadas em toda a sua inteireza, nos termos do texto constitucional (...)”.
13 JOSÉ HENRIQUE RODRIGUES TORRES – PRESIDENTE DO CONSELHO EXECUTIVO. Disponível em: . Acesso em: 31 de maio.2012
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A doutrina favorável acrescenta que este órgão constitui vitória da ampla corrente contrária ao controle externo do Poder Judiciário14. Convém evidenciar, ainda, que a ideia de “controle externo” foi erroneamente concebida, pois foram os abusos e deturpações cometidos no exercício jurisdicional que levaram à concepção daquela, o que reforça, sobretudo, a indigência de sua superação.
Por fim, em decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal pela Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4638, o Conselho Nacional de Justiça deve receber, processar e julgar qualquer reclamação efetuada contra membros do Poder Judiciário, independentemente de atuação de outro órgão correicional. O Supremo Tribunal Federal rejeitou a tese de afronta ao princípio da separação de Poderes, proposta pela Associação dos Magistrados Brasileiros enfatizando que, tal como concebido, o Conselho Nacional de Justiça configura órgão administrativo interno do Poder Judiciário e não instrumento de controle externo, e que, em sua maioria, os membros que o compõem são integrantes do Poder Judiciário. Assinalou-se, também, que o próprio Congresso Nacional havia aprovado proposta de emenda que impõe aos membros do Conselho as mesmas restrições e impedimentos constitucionais impostos aos juízes, o que estaria a sinalizar a plena integração do órgão na estrutura do Poder Judiciário. Ademais, por expressa disposição constitucional, os atos do Conselho estão submetidos ao controle judicial do Supremo Tribunal Federal (CF, art. 102, I, r). Igualmente, rejeitou a impugnação quanto à afronta ao princípio federativo, tendo em vista o perfil nacional do Poder Judiciário, fortemente enraizado na versão original do texto constitucional de 198815.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os aspectos aqui aduzidos reforçam a concepção de que são, de fato, imprescindíveis as ações desenvolvidas pelo Conselho Nacional de Justiça. Tal é a sua relevância para o mundo jurídico-social que a sua constitucionalidade constitui verdadeiro feito para a busca da efetivação da justiça no Brasil. Deveras, não se pode olvidar que os limites constitucionalmente estabelecidos devem ser solidamente observados e, sobretudo, 14 BERMUDES, Sérgio. A Reforma do Judiciário pela EC nº 45. Rio de Janeiro, Forense, 2005, p. 132. Disponível em: . Acesso em: 14 de abril.2012
15 ADI 3.367, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 13.04.2005, Plenário, DJ de 22.09.2006.
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respeitados. Caso contrário, os atos realizados ilegítima e ilegalmente à sombra das omissões suscitadas pelo próprio Poder Público poderão compreender eventual fonte de infortúnios ao ordenamento jurídico estabelecido nesse País. Faz-se mister que o Estado Constitucional Democrático priorize padrões que busquem a verdade, a legalidade e a legitimidade dos atos estatais, de modo a evitar possíveis crises que levem à decadência do sistema jurisdicional brasileiro, principalmente, dada a sua relevância para este ordenamento como elemento vital para a observância dos atos normativos que regem as relações político-jurídico-sociais.
A partir dessa perspectiva, a de que o Conselho Nacional de Justiça atua de modo a promover a perspicuidade administrativa e processual, fiscalizando e instituindo padrões entre as justiças federal, estadual, comum e especializada e combatendo eventuais desvios de conduta daqueles que foram incumbidos do dever de zelar pelos princípios contidos na Lei Maior brasileira, é que serão evitadas possíveis irregularidades relacionadas às funções jurisdicionais e ao poder decisório do Poder Judiciário brasileiro.
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REFERÊNCIAS
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MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 6ª ed. São Paulo: Saraiva: 2011.
MONTESQUIEU, Charles de. Do Espírito das Leis. São Paulo: Editora Martin Claret, 2003.
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TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
Autor: Daniela Barreto Da Silva
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