Privatização das casas prisionais: escolha ou necessidade?



PRIVATIZAÇÃO DAS CASAS PRISIONAIS: ESCOLHA OU NECESSIDADE? 

A lógica da imputação de uma pena que reprove certo comportamento humano é primitiva, primeiramente com a idéia de vingança, seguida da crença religiosa, porém é com o surgimento de um poder central que essa pena passa pela transição de vingança privada para vingança pública. Com o surgimento do Estado a capacidade de punir passa a ser monopolizada por este, passando a ser justificada pela necessidade de prevenção através do exemplo, mas as penas aplicadas eram cruéis e violentas. Somente a partir do séc. XVIII, com o advento do movimento iluminista é que propagou-se a idéia de humanização das sanções, onde as penas corporais cederam espaço a outras espécies de pena, entre elas destaca-se a pena privativa de liberdade.

Entre as discussões Jurídicas prevalece a idéia de que a pena possui uma tríplice finalidade: retributiva, paga-se pelo ilícito cometido; preventiva, prevenir novos atos ilícitos; e ressocializadora, com a intenção de reeducar para o convívio em sociedade. Porém, se analisarmos o Sistema Carcerário brasileiro é fácil perceber a ineficiência desta teoria perante os constantes problemas enfrentados e a falência carcerária apresentada.

Atualmente muitas são as críticas feitas em torno das teorias absolutas da pena, ou retributivas, e das teorias relativas, ou preventivas, tanto as de prevenção geral quanto as de prevenção especial. Luigi Ferrajoli acentua que as concepções retributivas da pena incorrem em um grave equívoco teórico à medida que confundem os pressupostos da pena e os seus fins. Maria Lucia Karam (2000, p. 338) acentua que a teoria retributiva da pena se fundamenta em uma irracionalidade pois

 

“... se o mal é algo que se deseja ser evitado, por que se deveria  reproduzi-lo, por que se deveria insistir nele com a pena? Mesmo aceitando-se as teses contratualistas, que estiveram na origem da idéia de retribuição, ou as posteriores contribuições neo-contratualistas, decerto pareceria mais lógica a opção pela reparação do dano material ou moral causado pelo delito, especialmente porque aí se levaria em conta os interesses das pessoas diretamente afetadas”.

 

Estas e as visíveis evidências de um colapso próximo do Sistema Prisional brasileiro, como a desestruturação, a superlotação e a crescente violência nos levam a contestar o sistema atual e pensar em possíveis soluções, entre elas, a terceirização dos serviços carcerários. Já existem projetos que visam estabelecer este modelo no Brasil, baseados em exemplos dos EUA, Canadá, França, Inglaterra, entre outros. Um dos fortes argumentos é o alto custo de manutenção, onde são gastos mais de R$ 4 bilhões e 800 milhões de reais por ano para manter um número de presos superior ao dobro de vagas. Os que defendem esta proposta ressaltam que entre as vantagens da terceirização estaria a garantia da ocupação do tempo ocioso com educação e trabalho, qualificando profissionalmente o detento e convertendo em fonte de renda para auxílio próprio e familiar, servindo também como ressarcimento aos prejuízos causados por ocasião de seu crime, além de atender ao mandamento constitucional de garantia da integridade física e moral do preso. Oferecendo assistência médica, educacional, jurídica, psicológica e lugar apropriado para visitas íntimas. E, embora a Lei 7.210/84 – Lei de Execuções Penais - reconheça os direitos humanos dos presos e preveja a assistência necessária, dadas às condições atuais podemos dizer que ela é inexeqüível.

Porém, alguns estudiosos e operadores do Direito se contrapõem a essa idéia de privatização, defendendo a tese de que serviriam como estímulo à indústria do encarceramento, onde empresas privadas levariam vantagens explorando o trabalho dos presos. Em relação a esta questão Fernando Capez responde (Revista Dataveni@, março 2002):

 

“É melhor que esse lixo que existe hoje. Nós temos depósitos humanos, escolas de crime, fábrica de rebeliões. O estado não tem recursos para gerir, para construir os presídios. A privatização deve ser enfrentada não do ponto de vista ideológico ou jurídico, se sou a favor ou contra. Tem que ser enfrentada como uma necessidade absolutamente insuperável. Ou privatizamos os presídios; aumentamos o número de presídios; melhoramos as condições de vida e da readaptação social do preso sem necessidade do investimento do Estado, ou vamos continuar assistindo essas cenas que envergonham nossa nação perante o mundo. Portanto, a privatização não é a questão de escolha, mas uma necessidade indiscutível, é um fato”.

 

Para os opositores seriam suprimidas as questões éticas e ao invés da visão humanista, ressocializadora das cadeias, teríamos a coisificação do preso, ou seja, este passaria a ser objeto da empresa. E ainda, defendem que a função jurisdicional pertencente ao Estado, seria transferida ao poder privado. Como a custódia do preso pertence ao Estado é deste a obrigação de promover as condições necessárias à sua reintegração na sociedade.

            Do ponto de vista ético-moral, analisando que o cumprimento da pena está atrelado ao sofrimento, seria reprovável que uma empresa obtivesse lucro a partir do sofrimento humano. No âmbito jurídico, seria inválido que um homem pudesse exercer qualquer poder sobre outro manifestado pela força, pois apenas o Estado exerce a coação moralmente válida. Do ponto de vista político, o objetivo teórico da administração penitenciária seria o combate à criminalidade sem obtenção de lucros, contraditória a idéia de empresas que visam obter lucros a partir da criminalidade. Outro ponto importante diz respeito aos procedimentos disciplinares internos adotados pelas empresas, pretendendo chamar a atenção para o aspecto de constitucionalidade do sistema de terceirização de presídios, já que o uso da força ficaria a cargo da empresa gerenciadora em menor ou maior intensidade.

Enfim, embora alguns Presídios com sistema de gerenciamento privado já tenham sido implantados em alguns estados brasileiros como Paraná, Santa Catarina, Ceará e Bahia, a questão ainda é polêmica e controversa. Para tentar equacionar as divergências já foram apresentadas algumas alternativas de gestão mista, onde a iniciativa privada atuaria em conjunto com o Estado, sendo exclusivamente deste a responsabilidade jurisdicional das casas prisionais. Um exemplo é a experiência da Penitenciária Industrial de Guarapuava, onde se firmou contrato com uma empresa, através da qual vários serviços foram terceirizados, dentre os quais aqueles que dizem respeito às atividades de execução material propriamente ditas (alimentação, vestuário, assistência médica, jurídica, odontológica, vigilância, etc.), permanecendo o Estado com a tutela do Estabelecimento nos aspectos relacionados à Direção, segurança e controle da disciplina. Onde também foram criados canteiros de trabalho junto à Penitenciária, possibilitando a atividade laboral dos internos, mediante remuneração, e proporcionando ambiente de estudos.

A discussão permanece latente, temos um posicionamento ideológico versus a possibilidade real, o que seria certo e o que pode ser feito. Dentro deste contexto o que não podemos aceitar é a permanência da realidade que animaliza homens, em condições degradantes, totalmente contrárias ao que preconizam os Tratados de Direitos Humanos dos quais o Brasil é signatário.


Autor: Francieli Taisa Kamphorst De Souza


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