Políticas Governamentais e a Nova Geração de Direitos Fundamentais



 

POLÍTICAS GOVERNAMENTAIS E A NOVA GERAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

 

Samir Vaz Vieira Rocha

 

 

INTRODUÇÃO

 

O Estado por diversas vezes foi taxado como ente opressor, que fixava somente ônus para o administrado. Apesar de hoje tais afirmações não serem verdadeiras, o bem da verdade é que, inicialmente, o Estado possuía uma função que se resumia a manter a ordem pública. Ao súdito cabia, tão somente, obedecer aos mandamentos do soberano.

A fim de exercer seu papel, o Estado utilizava-se das chamadas sanções negativas. Nesse contexto, a sanção foi instituída como uma resposta à violação de uma norma. O ordenamento jurídico, pois, estabeleceu as sanções com a finalidade de desestimular uma ação, alcançando assim um comportamento humano desejado pelo legislador.

Esta realidade foi se alterando paulatinamente, na medida em que a sociedade consolidava os direitos que o Estado deveria assegurar. Desta forma, o Direito passou a abrigar, progressivamente, os direitos humanos, provenientes principalmente da necessidade de limitar e controlar o poder do próprio Estado.

 

GERAÇÕES DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

 

Com o decorrer dos tempos, as funções do Estado e os direitos fundamentais se estenderam consideravelmente, sendo classificados em gerações, conforme o momento em que surgiram e os ordenamentos constitucionais que foram reconhecidos.

Os direitos de primeira geração surgiram com as Revoluções Francesa e Americana, e estão relacionados a uma abstenção do Estado em favor da liberdade do indivíduo. Nesse contexto se situam o direito à vida, à liberdade, à propriedade, entre outros.

Os movimentos sociais do século XIX resultaram, no início do século seguinte, na construção dos direitos de segunda geração, voltados para a igualdade material entre os homens. Desta forma, protegem os direitos econômicos, sociais e culturais.

Os princípios da solidariedade e da fraternidade foram consagrados pelos direitos de terceira geração, que visam a proteção de interesses difusos e coletivos. Assim destacam-se o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, à defesa do consumidor, à paz, entre outros.

Há ainda discussões sobre a possível existência de uma quarta, ou até mesmo quinta geração de direitos fundamentais. De qualquer forma, o que se deve levar em conta é que essas gerações de direitos são cumulativas. Hoje, portanto, o trinômio liberdade, igualdade e fraternidade já não é apenas a estampa da Revolução Francesa. Trata-se de direitos constitucionalmente previstos, cabendo ao Estado atuar diligentemente a fim de cumpri-los.

 

O PAPEL DO ESTADO DE DIREITO

 

Percebe-se, nesta toada, que o Estado deixou sua posição de inércia, cunhada pelo Marquês de Argenson como “laissez faire laissez passer”, e assumiu uma postura crucial no mercado ao assumir a responsabilidade de determinar preços, instituir taxas e fixar subsídios.

Desta forma, observou-se o considerável aumento de ditames legais que Norberto Bobbio denominou de sanções positivas, que não fixavam punições, mas recompensas. O Estado passou a substituir, em partes, até mesmo próprio mercado, coordenando a economia, distribuindo renda. Seu papel hoje é também de incentivar condutas, por meio desses mecanismos.

O Direito passou por uma transformação na qual já não basta a adoção de sanções negativas e dos conceitos que dela decorrem, como obrigação e delito. Hoje, é necessário que se analise a sanção não apenas como uma ameaça, mas também como uma promessa.

No século XX é possível observar as oscilações da economia tentando se adequar a esse novo sistema. As duas guerras mundiais e a crise de 1929 exigiram mudanças. Nos Estados Unidos, por exemplo, percebe-se, primeiro, a implementação do “New Deal” com a criação de instituições regulatórias internas, e depois, do neoliberalismo, a contraponto, para chegar a conclusão de que o capitalismo precisa de freios para ser eficiente.

 

A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

 

No Brasil, a Constituição de 1988 se mostra intensamente voltada para o cidadão, abarcando uma imensa gama de direitos que delegam ao Estado um papel assistencial e regulador. Desta forma, o atual governo não se limita a aplicar medidas punitivas. O papel da Administração Pública se mostra cada vez mais presente em diversos aspectos da sociedade.

Percebe-se, então, que o Direito Tributário passa a ter não apenas uma função arrecadatória, mas também regulatória. Nesse contexto, urge salientar a figura das sanções positivas que, como já dito anteriormente, são aquelas que oferecem ao administrado não uma punição, mas uma recompensa para determinada atuação.

A Constituição Federal estabelece alguns impostos, por exemplo, que são claramente de caráter regulatório. É o caso do Imposto de Importação, Imposto de Exportação, Imposto sobre Produtos Industrializados e outros, que são classificados como impostos extrafiscais.

Comumente depara-se também com Municípios que oferecem incentivos fiscais a empresas privadas. Muito embora o art. 37 da Constituição Federal tenha imposto à Administração Pública a observância do princípio da impessoalidade, tal prática não é considerada inconstitucional. Ao isentar uma grande indústria do pagamento de IPTU, por exemplo, o Município acabará alcançando outros resultados ainda mais benéficos para a coletividade, como a geração de empregos, a maior circulação de capital na cidade e o pagamento de outros tributos pela referida indústria, que acabarão compensando a isenção concedida.

 

PROGRAMAS SOCIAIS

 

Além disso, especialmente na última década, tem-se presenciado o intenso crescimento do número de programas governamentais com vistas a diminuir as desigualdades. O “Bolsa Família” é um claro exemplo de uma nova política governamental voltada para o atendimento dos direitos sociais e da nova geração de direitos fundamentais.

Trata-se de um projeto de transferência de renda criado em 2003, unificando o “Fome Zero” a outros programas já existentes à época: “Bolsa Escola”, “Auxílio Gás” e Cartão Alimentação”. Consiste no auxílio financeiro a famílias de baixa renda, desde que atendidas determinadas condições.

Em geral, o programa tem cumprido seu papel, tirando parcela da população brasileira da miséria, melhorando o mercado de trabalho, fomentando a economia e incentivando a educação. Hoje, é visto como uma política social de sucesso, sendo elogiado por críticos e analistas de todo o mundo.

 

A RESERVA DO POSSÍVEL

 

Vale ressaltar que os direitos sociais, pelo fato de exigirem grandes desembolsos dos cofres públicos, estão sujeitos à denominada cláusula de “reserva do possível”.

Essa é a denominação de um princípio implícito que afirma que os direitos sociais constitucionalmente previstos devem ser de fato efetivados pelo Poder Público, salvo quando se demonstre a impossibilidade financeira para que isso se concretize.

A título exemplificativo, pode-se destacar o art. 7º, IV da Carta Magna, que assegura:

 

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

(...)

IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente fixado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;

 

O que se verifica no exemplo supramencionado é que o integral cumprimento das aspirações constitucionais exigiria o considerável aumento do salário mínimo. Isso seria impossível, uma vez que certamente resultaria em um sério descontrole da economia, com o crescimento da informalidade no mercado de trabalho.

Portanto, a regra é que os direitos sociais sejam concretizados pelo poder público. No entanto, deve fazê-lo na medida de suas possibilidades. Quando esse dilema chega ao Judiciário, o mesmo tem sido obrigado a fazer escolhas trágicas, ou tragic choices, termo utilizado para enfatizar a difícil escolha entre atender a um direito social ou reconhecer as dificuldades governamentais para isso se realize.

 

CONCLUSÃO

 

Os direitos fundamentais se tornaram cada vez mais valorizados no decorrer dos tempos. A cada nova geração de direitos, mais garantias foram asseguradas e, em contrapartida, mais obrigações foram impostas ao Estado.

O poder público, por um lado, passou a exercer diversas atividades, no intuito de assegurar os direitos humanos, e por outro lado, deixou de cumprir algumas aspirações constitucionais, alegando a impossibilidade econômica.

O tema abordado possui diversos pontos que causam polêmica e dão base para infindáveis discussões. Alguns afirmam que essa é a função do Estado, e que muito mais deve ser feito, sob pena de descumprir a Constituição Federal. Outros apontam tais medidas como incompatíveis com o capitalismo, caso se tornem a prioridade do Estado.

Sendo a matéria extremamente controvertida, só o que se pode afirmar é que a nova geração de direitos fundamentais só será cumprida por meio da implantação de políticas governamentais estrategicamente planejadas. Afinal, não restam dúvidas de que tais medidas atuam diretamente na vida do cidadão, promovendo a justiça e a igualdade.

 

BIBLIOGRAFIA

 

 

MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1º a 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. vol. 3 – São Paulo: Atlas, 1998.

 

PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional descomplicado. 7. ed. – São Paulo: Método, 2011.

 

SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário. 4. Ed – São Paulo: Saraiva, 2012.

 

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 32 ed. – São Paulo: Malheiros, 2009.

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Autor: Samir Vaz Vieira Rocha


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