Ortografar: Apropriação de um sistema de escrita



Ortografar: apropriação de um sistema de escrita

Ensinar: sim, é necessário

Edlene do Socorro Teixeira Rodrigues

 

Ortografar: escrever de acordo com as regras ortográficas

(HOUAISS – DICIONÁRIO DA LÍNGUA PORTUGUESA, 2008, p. 545)

 

No contexto social, os erros de ortografia funcionam como uma fonte de censura e de discriminação. Essa forma de perceber a língua escrita traz suas consequências. Muitos, mesmo depois de anos de escolarização, sentem-se constrangidos quando têm que escrever, apresentando um medo enorme de errar. Para diminuirmos esse tipo de censura, é preciso rever nossa postura diante do erro.

 

Cidadãos pertencentes a diferentes grupos sociais e regiões, ou nascidos em diferentes épocas, pronunciam a mesma palavra de forma diferente. E todas as formas de tratamento da língua são válidas e não devem ser taxadas como certas ou erradas, pois o que temos que analisar é a adequação ao contexto onde são empregadas. “Não existe uma única forma de pronúncia correta, assim como não existem argumentos científicos que permitam afirmar que a pronúncia de tal região é a melhor do Basil.” (MORAIS, 1998, p. 19).

 

As regras alfabéticas são antigas, já as ortográficas, no caso do português, são recentes. Línguas como o espanhol e o francês fixaram suas ortografias antes do sec XIX, já a língua portuguesa passou a ser controlada por regras a partir da primeira metade do sec. XX, quando foram instituídas normas ortográficas. A normatização da nossa língua gerou posições ora a favor, ora contra. Fernando Pessoa expressou seu desagrado, num texto anterior aos anos 30. Disse ele, segundo Morais (1998, p. 90): “A ortografia é um fenômeno da cultura, e, portanto um fenômeno espiritual. O Estado nada tem a ver com o espírito. O Estado não tem o direito a compelir-me, em matéria estranha ao Estado, a escrever numa ortografia que repugno, como não tem direito a impor-me uma religião que não aceito.”

 

Hoje, novamente, vivemos uma transição ortográfica: visando à unificação da língua, novas regras foram impostas a nações que usam a língua portuguesa. Nova adaptação. Novo aprendizado.

 

Acredito que a ortografia é compulsória e que sua desobediência gera discriminação e não encontra justificativa social. Portanto, a ortografia deve ser objeto de estudo e de aprendizagem, sobretudo no âmbito escolar. Para compreendermos bem a ortografia de uma língua, temos que ter clareza que ela é fruto de um contexto sociohistórico e reflete a trajetória da nação que a utiliza, por isso, apresenta tantas regularidades, e, como todo percurso que tem seus desvios, também traz algumas irregularidades.

 

Considerando o ensino da ortografia a partir do paradigma cognitivista, temos que, de acordo com Arthur (2000), se analisarmos o aprendizado ortográfico como um trabalho construtivo, precisamos considerar que por trás do produto externo, a notação que reproduz a norma, existe um trabalho cognitivo que permite aquela reprodução. Se o que temos à vista, quando um aprendiz escreve corretamente, é um comportamento reprodutivo para atingir aquele grau de maestria, tal sujeito elaborou conhecimentos linguísticos de tipos variados: progressivamente adquiriu sensibilidade para levar em conta aspectos fonológicos, morfológicos, sintáticos, semânticos e pragmáticos da língua. Isto é, passou a observar aspectos de diversos subsistemas de sua língua, passou a tratá-la como objeto de conhecimento.

 

Para ensinar a ortografar, temos que ter a clareza de que o aluno necessita compreender a organização do sistema ortográfico. O sistema ortográfico apresenta características diversas e com diferentes graus de complexidade, o que resulta em apropriações diferentes por parte de quem está aprendendo a grafar as palavras de acordo com a ortografia convencionada. Compreender a ortografia, ideia central para aprender a escrever. Existem estudos demonstrando que o sucesso na escrita das palavras está relacionado a uma capacidade para explicar a norma ortográfica (MORAIS, 1998).

 

A norma ortográfica da nossa língua está organizada de maneira que encontramos regularidades e irregularidades. As correspondências letra/som são regulares e devem ser compreendidas, já as irregularidades, situações em que o uso das letras é justificado pela origem, ou tradição, devem ser memorizadas.

 

Regularidades

 

Nos casos das regularidades sabemos a forma correta de uma grafia mesmo sem nunca ter visto a palavra, a partir do princípio gerador, que é a regra que se aplica a todas as palavras da língua nas quais aparece aquela dificuldade. De acordo com Arthur Gomes de Morais (1998), há, em nossa língua, três tipos de regularidades: regulares diretas, regulares contextuais e regulares morfológico-gramaticais.

 

Regulares diretas

 

Neste grupo encontramos as grafias P, B, T, F e V. São casos em que não há nenhuma dificuldade, não há nenhuma outra possibilidade de ortografar. Mas numa etapa inicial, após tornar-se alfabética, encontramos algumas crianças que cometem trocas entre o P e o B, entre o T e o D, o F e o V. Essas trocas justificam-se por serem sons que têm uma realização muito parecida no aparelho fonador, são chamados de “pares mínimos”. Eles são produzidos expelindo-se o ar do mesmo modo, no mesmo ponto de articulação, diferindo entre si apenas pelo fato de que em um som as cordas vocais vibram e no outro não.

 

 

 

Regulares contextuais

Neste grupo, as regularidades serão definidas pelo contexto da palavra. O uso da letra R ou do dígrafo RR é um exemplo. Observando o contexto podemos grafar corretamente sem ser necessário memorizar as palavras. Para o som do R forte, usamos a letra R no início das palavras, como no início das sílabas precedidas de consoantes, ou no final da sílaba. Quando o mesmo som do R aparece entre vogais sabemos que temos de usar RR. E quando registramos o som brando do R, usamos um só R, exemplo: careta. Desse modo, seguem outros casos de regularidades contextuais.

  • Casos de nasalização: uso da letra M em posição final da sílaba (campo/bamba);

uso do N em posição final da sílaba (pente);

uso do til (manhã/pião);

dígrafo N (farinha);

nasalização por contiguidade (cama/cana);

  • Casos do G e GU: sílabas ga, go, gu e gue/gui (garoa/guindaste);
  • Casos do C e QU, construindo o som do K: ca, co, cu e que/qui (cabeça/querido);
  • Uso do J formando palavras com A, O, U em palavras como jabuti, jogo e caju;
  • Uso do Z em palavras que começam com o som de Z (zebra);
  • Uso do S no início das palavras (sapeca);
  • Uso das letras O e U no final das palavras, como bambo e bambu;
  • O uso de E ou I em palavras que terminam com o som de i (perde/perdi).

 

Regularidades morfológico-gramaticais

 

São os casos em que a compreensão de regras gramaticais nos ajuda na grafia. Essas regras, geralmente, envolvem morfemas, partes internas que compõem as palavras, sobretudo sufixo que indicam a origem gramatical. Esses sufixos aparecem na formação das palavras derivadas e na flexão dos verbos.

 

Casos de regularidades-gramaticais:

  • Adjetivos que indicam o lugar de origem devem ser escritos com -ESA no final (portuguesa/francesa);
  • Substantivos derivados de adjetivos e que terminam com o segmento sonoro EZA (beleza/pobreza);
  • Adjetivos que indicam o lugar de origem devem ser escritos com -ÊS no final (português/francês);
  • Coletivos que terminam com o som de u no final, devem ser escritos com L (milharal/canavial/cafezal);
  • Adjetivos com som final OSO (gostoso/famosos);
  • Substantivos terminados com o sufixo -ICE, devem ser escritos com C (doidice/chatice/meninice);
  • Substantivos derivados que terminam com os sufixos -ÊNCIA, -ANÇA e

-ÂNCIA, também devem ser sempre escritos com C ou Ç ao final (ciência/esperança e importância);

  • Terceira pessoa do singular no passado se escreve com U no final (bebeu/falou/caiu);
  • Terceira pessoa do plural no futuro se escreve com -ÃO (falarão/cairão/beberão);
  • As flexões do imperfeito do subjuntivo devem ser grafadas com SS (cantasse/bebesse/dormisse);
  • Todos os infinitivos terminam com R (beber/cair/falar).

 

Irregularidades

 

São os casos em que não há regras. Para garantir a escrita correta, é necessário estimular a memorização e consultar dicionários. Esses casos são os seguintes:

  • Som do S (seguro/cidade/auxílio/cassino/piscina/crea/giz/força/exceto);
  • Som do G em disputa com o J (girafa/jiló);
  • Som do Z (zebu/casa/exame);
  • Som do X em disputa com o CH (enxada/enchente);
  • H inicial (hora/hospital).

É importante ressaltar que a memorização constitui em manter na mente a imagem visual das palavras, portanto, em sala de aula, essa memorização deve ser estimulada.

 

Referências Bibliográficas

 

MORAIS, Arthur Gomes de. Ortografia: ensinar e aprender. Editora Ática: São Pualo, 1998.

 

MORAIS, Arthur Gomes de. O Aprendizado da Ortografia. Belo Horizonte: Editora Autêntica, 2000.

 

ZORZI, Jaime Luiz. Aprender a escrever, a apropriação do sistema ortográfico. Porto Alegre: Artmed, 1998.

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Autor: Edlene Do Socorro Teixeira Rodrigues


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