Contra-areia
contra-areia
A mata acaba, a faixa de areia começa
no limite em que a maré alta chega à noite.
A vegetação rasteira da mata acaba ali:
algum tentáculo de planta que tente ir mais longe
é lambido pelas ondas.
Os corpos celestes vêm esfriando,
chispas, fagulhas, restos de explosão.
Assim como no fim de uma fogueira
toda substância vira cinza,
as montanhas, as plantas e os animais,
todo o remexido antigo do magma
que jogou substâncias quentes para cima
vem retornando pelos rios, pelas encostas,
pelo vento.
Tudo vira areia e sal, que é também areia.
Cada arrebenta-pedra que surge na calçada,
cada orelha-de-pau, todo amor, todo carinho,
toda a filosofia é uma antiareia,
um apelo pela substância,
pela continuidade.
As substâncias, a contragosto,
continuam se desfazendo em areia.
Matas serão devastadas,
erodirão as montanhas,
as paixões, as purezas, os seres, as certezas,
esgotar-se-ão os rios, as chuvas,
esfriará o globo, desligar-se-á o tempo
e ficará areia, areia, areia.
Os peixes, os seres do mar serão os últimos
a comer tudo que o que vier substância,
até que eles próprios também se desintegrem.
Sentido, existência, sentimento,
tudo é areia muito branca sob o céu muito claro.
Vida é um período de resistência da substância,
uma revolta contra a areia.
xiv.xi.xi.