Meios alternativos de resolução de conflitos no Direito Laboral Moçambicano



Meios alternativos de resolução de conflitos no Direito Laboral

Carlos Pedro Mondlane

Juiz de Direito

 

A reforma constitucional de 2004 introduziu em Moçambique o pluralismo jurídico na actuação político-administrativo e reguladora do Estado. A condição sócio jurídica oficial e formal preexistente foi integrada por pólos dialécticos do não oficial e do informal. O Estado a nível local sofre uma dupla pressão politizante: uma proveniente do Estado central, outra proveniente de elites políticas locais ou comunitárias, modernas ou tradicionais, nacionais ou estrangeiras. A heterogenia do Estado passa a congraçar elementos híbridos numa simbiose actual cujo fito é a diversidade de meios de resolução de conflitos.

O domínio dos direitos sociais e económicos não escapou ao elemento transnacional. Nele passaram a vigorar lógicas unívocas, pensamentos únicos, imperativos globais que deixam pouco ou nenhum espaço à decisão politica interna. As pressões provindas das agências financeiras internacionais e dos chamados “países doadores” sobrepuseram-se às políticas dos governos e toda dimensão de regulação social, estendendo o direito estatal a sua emancipação decisória, com a introdução de outros sujeitos e outras fontes de decisão.

Este estado de coisas compreende-se por referência ao significado de Moçambique no panorama internacional. É sabido que para o desenvolvimento de qualquer país são fundamentais o investimento estrangeiro e as transferências de tecnologia. No campo laboral, a efectivação destes elementos depende largamente de se darem às empresas e aos particulares estrangeiros garantias de resolução célere e justa dos litígios de que porventura venham a ser partes.

Um estudo de Agosto de 2010, da Sal e Caldeira Advogados, Lda, assinado por Assma Jeque, mostra que com a alteração da Lei de Trabalho em 2007 e a aprovação de alguns instrumentos complementares mais recentemente, importantes alterações foram introduzidas nas normas relativas à resolução de conflitos laborais. A Lei n.º 23/2007, de 1 de Agosto – Lei do Trabalho, determinou que os conflitos laborais (tanto os conflitos colectivos emergentes de instrumentos de regulação colectiva do trabalho, como conflitos emergentes de relações individuais de trabalho) pudessem ser resolvidos através de mecanismos alternativos extrajudiciais, designadamente, através da: (i) conciliação: que procurará facilitar a comunicação e o relacionamento entre as partes por forma a que cheguem a um acordo; (ii) mediação: consiste na designação de uma ou mais pessoas, imparciais e independentes, com a função de encontrar uma solução satisfatória para as partes envolvidas num conflito; e, (iii) arbitragem: será o processo pelo qual um tribunal arbitral decidirá, de forma definitiva e vinculativa, sobre a questão controvertida levantada pelas partes.

Todos os conflitos laborais devem ser obrigatoriamente submetidos, em primeiro lugar, à mediação (com excepção das providências cautelares). Portanto, o que verdadeiramente é facultativo é a submissão à conciliação e à arbitragem.

A resolução extrajudicial dos conflitos em causa pode ser efectuada junto de entidades públicas ou privadas. No primeiro caso, as regras aplicáveis são as definidas pelo Decreto n.º 50/2009, de 11 de Setembro – Regulamento da Comissão de Mediação e Arbitragem Laboral e nos regulamentos internos dos respectivos centros. No caso de centros privados, as normas são as definidas no âmbito da Lei n.º 11/99, de 8 de Julho – Lei da Arbitragem, Conciliação e Mediação, e regulamentos internos dos respectivos centros. É de notar que a Lei n.º 11/99 é aplicada supletivamente com relação aos centros públicos.

A Lei n.º 11/99, de 8 de Julho, ao fixar o regime jurídico dos meios alternativos de resolução de conflitos por indicação à arbitragem, à conciliação e à mediação dá liberdade as partes de cometerem à alternatividade a decisão dos seus litígios, desde que os mesmos incidam sobre direitos disponíveis (artigos 4.º, 5.º e 62.º). Esta referência legal retira assim aos tribunais o carácter exclusivo na apreciação de litígios. Chama a participar, em concomitância com a justiça judicial, outros sujeitos jurídicos.

Não se encontra definido um regime específico para a conciliação, remetendo-se para aplicação das regras sobre a mediação, com as necessárias adaptações. A conciliação e a mediação designam, na verdade, a mesma realidade substantiva. A prova de que assim é encontra-se, nomeadamente, no facto de o regime das duas figuras ser o mesmo: atente-se, por exemplo, o artigo 61.º da Lei em apreço, que estabelece os princípios específicos da conciliação e da mediação. Entre essas figuras haverá, quando muito, uma diferença de grau, mas não de natureza, na actuação do terceiro chamado a auxiliar as partes na resolução do litígio: ao mediador cabe, em Moçambique, apresentar propostas de solução do conflito; ao conciliador, aparentemente tão-só facilitar a comunicação e o relacionamento entre as partes, em ordem a que estes cheguem a acordo (artigo 60.º, n.ºs 2 e 3).

E o que distingue o conciliador ou mediador do árbitro? O conciliador ou mediador não julga o litígio; limita-se, quando muito, a propor uma solução, que as partes aceitarão ou não, conforme entenderem. Diferentemente, o processo arbitral culmina numa decisão, que é susceptível de ser executada coactivamente pelos tribunais judiciais nos termos do artigo 49, n.º 2; há, pois, nesse processo uma heteroregulação de um litígio, que não se verifica na conciliação ou mediação. A conciliação ou mediação baseia-se integralmente na vontade das partes. Qualquer das partes pode pôr-lhe termo unilateralmente, o que não é possível na arbitragem. A conciliação ou mediação é, assim, um meio de auto-regulação de litígios.

Uma figura intermédia entre a arbitragem e a conciliação ou mediação é a decisão arbitral por acordo das partes. Está prevista no artigo 38 da Lei: as partes chegam a acordo quanto à solução do litígio e os árbitros proferem uma decisão nos termos acordados pelas partes. A decisão proferida nestes termos tem a mesma eficácia que a decisão arbitral comum. Contudo, ela difere fundamentalmente dessa decisão, pois não são os árbitros que decidem o litígio, antes são as partes que lhe põem termo mediante um acordo – se bem que o árbitro possa ter de apreciar a conformidade desse acordo com a ordem pública.

Do árbitro distingue-se também o perito, a que alude o artigo 31.º da Lei. Ambos podem, é certo, dar o seu contributo à resolução de um litígio. Todavia, ao passo que o árbitro exerce um poder jurisdicional, decidindo – não raro em termos definitivos – a causa que lhe foi cometida, o perito limita-se, pelo menos quando designado por um tribunal, a informar ou a dar o seu parecer acerca de determinado ponto de facto (ou de facto e de Direito). Por outro lado, enquanto que a decisão arbitral vincula as partes e os tribunais, assistindo-lhe força de caso julgado logo que não seja susceptível de recurso ordinário e cabendo-lhe, como se disse acima, a mesma força executiva que a sentença do tribunal judicial de primeira instância, a eficácia das conclusões dos peritos é livremente fixada pelo tribunal, quando estes hajam sido chamados a coadjuvá-lo, ou pelas partes, nos demais casos.

Alude-se por vezes, a propósito destes institutos, a «meios alternativos» de resolução de litígios (do inglês alternative dispute resolution). Esta ideia encontrou algum eco na própria lei moçambicana: é ver, por exemplo, o artigo 1.º, onde se refere que «[a] presente Lei rege a Arbitragem, a Conciliação e a Mediação, como meios alternativos de resolução de conflitos, que os sujeitos jurídicos podem adoptar antes ou em alternativa a submeter os seus litígios ao poder judicial». Mas, salvo melhor opinião, em rigor nenhuma alternatividade existe entre as figuras de que a Lei trata e o recurso aos tribunais judiciais. Basta ter presente, a este propósito, que nem todas as questões suscitadas perante o tribunal arbitral podem ser resolvidas por ele. A intervenção dos tribunais judiciais no processo arbitral é, com efeito, indispensável em certas situações – como, por exemplo, para suprir a falta de acordo entre os litigantes quanto à constituição do tribunal arbitral (artigo 18.º, n.º 2), para as diligências instrutórias que importem o exercício de poderes de autoridade (artigo 32.º, n.º 2) ou para a decisão de certas questões prejudiciais (artigo 37.º, n.º 4). Melhor se diria, pois, estarmos perante meios de resolução de litígios adicionais ao recurso às jurisdições estaduais. Estas continuam, por isso, a ser imprescindíveis na resolução dos litígios cometidos a árbitros ou conciliadores – quanto mais não seja como jurisdições de apoio.

À guisa de epílogo, convém deixar duas observações. Por um lado, esta alternatividade não deverá gerar excesso de expectativas, pois pelas suas características ela não contém em si o gérmen do fim dos litígios, nem pretende substituir-se in totum aos Tribunais. Por outro, atentas as características dos seus elementos e o princípio da liberdade que as enforma, a sua eficácia está directamente dependente do grau de aculturação e desejo de diálogo e não confrontação dos seus utentes. De qualquer modo espera-se que os novos Centros de Mediação e Arbitragem Laboral, bem como os centros privados que eventualmente venham a ser criados, ajudem a satisfazer a crescente procura pela justiça laboral que a sociedade moçambicana tem experimentado nos últimos anos.

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Autor: Carlos Mondlane


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