A PSICOPEDAGOGIA NA LITERATURA INFANTIL



TÂNIA SILVA NEUMANN BARRROSO

2002

PSICOPEDAGOGIA E A CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS

 NA EDUCAÇÃO INFANTIL 

 RESUMO

Este artigo pretende refletir sobre questões voltadas às práticas pedagógicas, enfatizando a importância da contação de histórias no cotidiano escolar, dentro da educação infantil.  Mostrar como a arte de contar e recontar histórias, enquanto memória inventada, influi na constituição do estilo de aprendizagem.  Com esta  perspectiva, da utilização da literatura infantil  como um meio de proporcionar  à criança a vivência  do encontro do real com o lúdico e com o mágico, servindo também de parâmetro pelos educadores, para uma mudança do rumo histórico, a partir da mudança do discurso, no qual está imerso o sujeito da aprendizagem, ou seja, nossas crianças na educação infantil e pré-escolar. Tornando-se assim a literatura no âmbito escolar de grande valia para o desenvolvimento da criatividade, do senso crítico e fundamental para o processo de auto conhecimento vivido pela criança.    

Experienciar as histórias, as literaturas infantis em sala de aula, como um recurso, tendo em vista a quantidade de possibilidades de trabalho   psicopedagógico para desenvolver as potencialidades das crianças, é refletir sobre as múltiplas possibilidades que a literatura dá à criança no seu desenvolvimento afetivo, uma vez que esse trabalho auxilia no estímulo à imaginação, na superação de inúmeros limites,  no auto-conhecimento e todo o seu desenvolvimento.

 PALAVRAS – CHAVE: psicopedagogia,  literatura infantil,  imaginação, criatividade, contação de histórias, memória inventada.

 INTRODUÇÃO

Ensinar a gostar de ler, formar leitores, é um ato de fundamental importância para a vida inteira. Educar para a cidadania envolve a formação de atitudes de solidariedade para com os outros, particularmente com aqueles que não tem a oportunidade de partilhar experiências com obras e livros para ampliar plenamente seu desenvolvimento na construção das idéias psicológicas e práticas.

O livro, a leitura, se faz urgente quer pelo seu imaginário, através da leitura, do ler, ouvir, contar ou inventar histórias, para possível descoberta da vida real. A contação de histórias, as literaturas, em especial as  infantis, tem uma tarefa fundamental a cumprir nesta sociedade em transformação, seja com o livro, com o diálogo, com textos. A escola é um espaço de direito da criança, para o encontro com o livro, com o imaginário, tornando-a um leitor, iniciando  na infância até a velhice. 

 histórias infantis, as literaturas, são antes de tudo  arte, pois representam o mundo e a criatividade, despertando sonhos, a vida prática, o imaginário, o real e ideais. É despertar o mais cedo possível o amor pela leitura e fazer dele um hábito tão querido que transforma pouco a pouco, em colaborar, criar trabalhos e personagens que completam o gosto pela leitura, convertendo o leitor em colaborador comprometido, centro de seu mundo e do livro que lê. É proporcionar experiências comunicativas fundamentais para um mergulho no contar, no  ouvir histórias, nos cantares e falares, nas artes orais. É criar oportunidades para que as crianças possam observar e manusear livros. 

 

 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

A leitura é um dos meios que o indivíduo tem de se comunicar com o mundo, de ter contato com novas idéias, pontos de vista e experiências que talvez sua vida prática jamais lhe proporcione. Não ler traz prejuízos que vão desde o precário desenvolvimento pessoal e profissional até a ampliação das desigualdades sociais. Assim, urge a formação de uma sociedade leitora.  Sabemos que grande número dos brasileiros só dominam os princípios básicos de leitura e da escrita.   Outros lêem, mas não entendem sequer textos simples. Então, como fazer um trabalho significativo na educação infantil, que vise a interação com as histórias, com  as literaturas ? 

A literatura infantil desde sua origem, foi utilizada como um instrumento educacional, um reforço para fixar os costumes da sociedadeem cada época.  Tantoé verdade, que até hoje é questionado, se a literatura infantil deve ser um instrumento de educação ou de divertimento.

Para analisar essas questões precisamos levar em conta, primeiramente que o aparecimento da literatura infantil tem características próprias , pois decorre da ascensão  da família burguesa  em contrapartida do  enfraquecimento das grandes propriedades e da aristocracia fundiária do novo status concedido à infância  na sociedade e da reorganização da escola, que torna-se aberta para todas as classes sociais, (COELHO, 2000).

Isso foi quem deu a literatura infantil, desde sua origem, a assombrada  intencionalidade que se modifica de acordo com a época e os valores da sociedade vigente.  Com o surgimento das escolas e das literaturas, a ideologia que ambas possuíam era controlar o desenvolvimento intelectual da criança, manipulando suas idéias e sentimentos.  Esse pensamento baseava-se na concepção de infância que permeava o final do século XVII e o século XVIII, período em que foram escritos os primeiros livros para crianças, principalmente os pedagogos que escreveram os primeiros textos para crianças com um forte intuito educativo.

A escola não trabalhava com a realidade do mundo infantil e negava a convivência social, apenas ensinando-lhe as normas ditas por aqueles que tinham o poder, ligada à expansão e aperfeiçoamento do ensino escolar e uma pedagogia controladora.

O professor colaborava no processo de dominação, submetendo-se também as classes poderosas, e assim, as histórias contadas, as literaturas, a escola, os livros, compartilhavam uma mesma função, reproduzindo o mundo adulto,  interferindo nas ações individuais das crianças, além de interferir no mundo imaginário incutindo ideologias e impedindo a reflexão. E isso, de alguma forma compromete não só a ação leitora, mas, sobretudo a singularidade humana, conforme comenta  (Bragatto Filho, 1995,p.26):

Ora, se o homem, como bem o sabemos, é um sujeito de idéias, que concebe sistemas racionais, científicos e filosóficos, ele é também um sujeito de emoção e ação, quer dizer, dono de uma sensibilidade e de uma vontade, ele ama, quer e luta porque é livre. Portador de um imaginário individual que se nutre de um outro, o coletivo, pois, como ser social e histórico, interage com seus parceiros. Ele é essencialmente o sujeito criador da cultura.

Esses dados são importantes para que compreendamos o porquê das discussões sobre o que deveríamos designar como literatura. Além de que essa visão histórica, se confronta com o pensamento do que se designa por literatura e sua função nos dias atuais. 

1 - LITERATURA INFANTIL NA FORMAÇÃO DA CRIANÇA

 Um dos tempos da infância é determinado pelo tempo cronológico, período marcado pelo tempo criança, pois é ali que se começa descobrir as palavras, demonstrar os primeiros interesses pela leitura, principalmente, pela leitura de narrativas.  Na leitura de uma história, por meio dos sentidos, a criança é atraída pela curiosidade, pela voz de quem lê ou conta, pelo formato do livro, pelo manuseio fácil e pelas possibilidades emotivas que o livro pode conter. Este universo escondido atrás do texto literário pode estimular o pequeno leitor à descoberta e o aprimoramento da linguagem, desenvolvendo sua capacidade de comunicação com o mundo através do sentido que dá a história, conforme escreve BRAGATTO FILHO ( 1995,p. 27)

 Trata-se da visão de mundo que geralmente aparece ou transparece na obra literária. E diga -se de passagem, que visão de mundo não é entendida, aqui, apenas como um conjunto de idéias sobre o próprio  mundo, os homens, as sociedades, as coisas materiais e imateriais, mas também como uma gama de atitudes, posturas  e sentimentos, portanto, valores que se atribuem a tudo isso.

 Nessa perspectiva ler livros de literatura infantil ou contar histórias para as crianças, observando sua interação, com o texto literário, é uma estratégia que nos permite fazê-las vivenciar essas experiênciasem diferentes momentos. Poiscomo menciona  BRAGATTO FILHO (1995, p.23)

[...] cada leitor tem uma história ímpar de leituras, e por extensão, de formação do seu pensamento. E é óbvio  também que cada leitor, se competente, como leitor da palavra e do mundo, ao ler, relaciona textos e contextos.

Quando falamos em leitura, na Educação Infantil, freqüentemente, é “ler sem saber ler”, ler pela voz da professora que conta ou lê histórias.

Essas histórias possibilitam refletir sobre esse mundo ficcional e também sobre o mundo em que vivemos, levando a estabelecer relações entre eles, vendo o que acontece, e o que é possível acontecer.  Assim, formamos nossas opiniões, conceitos, e idéias através de vozes diferentes, que percorrem os tempos e o mundo. 

Entretanto, seria conveniente deixarmos as crianças, apaixonadas pelas fábulas, pelos contos, pelas histórias, pelas palavras que encantam,  envolvendo-as com o poder das palavras. Palavras de um lugar mágico, ímpar, fruto do sentir, do imaginar, fruir, sonhar, e aprender, visto que só é possível ter uma atitude crítica diante do que se ouve se houver interação entre o leitor/ouvinte e texto.

A interação muitas vezes pode ser prejudicada pela escolha do que contar ou ler às crianças. É preciso selecionar o que se lê ou se conta, pois no mercado atual constata-se páginas e páginas de livros  infantis que não podem ser chamados de  literaturas infantis, as quais são, na grande maioria,  mal elaboradas, com cores demais, e conteúdo de menos, que deixam de  explorar o encantamento e a imaginação, exercendo sobre  o público mirim grande influência com capas e linguagens que nada tem a ver com a arte da palavra que é a literatura conforme Bragatto Filho ( 1995,p. 55).

Quem lê ou conta histórias sabe que os diferentes  temas passam a influenciar na formação da criança, mas não basta a temática, o conteúdo, numa história e sim o como se está dizendo o que se quer dizer, pois é aí que está o fascínio de ouvir, ler e contar,  como nos menciona CELSO SISTO (2005, p.28)

 E é exatamente do fascínio de ler que nasce o fascínio de contar. E contar histórias hoje significa salvar o mundo imaginário. Vivemos, em nosso tempo, o império das imagens, quase sempre gerais, reprodutoras e sem individualidade.

Isso tudo nos leva a pensar que a literatura infantil pode ser o eixo na construção de uma educação, operando a partir de sugestões fornecidas pela fantasia e imaginação, permitindo socializar e compreender problemas, adotando atitudes que valorizem as diferenças e as particularidades. 

2 - CONTAR HISTÓRIAS E A LITERATURA INFANTIL NA FORMAÇÃO DA  CRIANÇA

 Um dos tempos da infância é determinado pelo tempo cronológico, período marcado pelo tempo criança, pois é ali que se começa descobrir as palavras, demonstrar os primeiros interesses pela leitura, principalmente, pela leitura de narrativas.  Na leitura de uma história, por meio dos sentidos, a criança é atraída pela curiosidade, pela voz de quem lê ou conta, pelo formato do livro, pelo manuseio fácil e pelas possibilidades emotivas que o livro pode conter. Este universo escondido atrás do texto literário pode estimular o pequeno leitor à descoberta e o aprimoramento da linguagem, desenvolvendo sua capacidade de comunicação com o mundo através do sentido que dá a história, conforme menciona BRAGATTO FILHO (1995, p. 27)

Trata-se da visão de mundo que geralmente aparece ou transparece na obra literária. E diga  -se de passagem, que visão de mundo não é entendida, aqui, apenas como um conjunto de idéias sobre o próprio  mundo, os homens, as sociedades, as coisas materiais e imateriais, mas também como uma gama de atitudes, posturas  e sentimentos, portanto, valores que se atribuem a tudo isso.

Nessa perspectiva ler livros de literatura infantil ou contar histórias para as crianças, observando a interação com o texto literário, é uma estratégia que nos permite fazê-las vivenciar essas experiências em diferentes momentos. Concordamos assim quando BRAGATTO FILHO (1995,p.23) esclarece que:

[...] cada leitor tem uma história ímpar de leituras, e, por extensão, de formação do seu pensamento. E é óbvio  também que cada leitor, se competente, como leitor da palavra e do mundo, ao ler, relaciona textos e contextos.

Quando falamos em leitura, na Educação Infantil, freqüentemente, é “ler sem saber ler”, ler pela voz da professora que conta ou lê histórias.

Essas histórias nos fazem refletir sobre esse mundo ficcional e também sobre o mundo em que vivemos, nos levando a estabelecer relações entre eles, vendo o que acontece, e o que é possível acontecer.  Assim, formamos nossas opiniões, conceitos, e idéias através de vozes diferentes, que percorrem os tempos e o mundo.  

Sob este ponto de vista, é necessário trabalhar e criar estratégias que busquem aliar cognição, afetividade e imaginação, como é o caso de contar histórias na educação infantil.  A literatura é o lugar em que todos têm voz e vez, até o bobo da corte muitas vezes se torna o herói, como na obra “Luas e Luas”.

 Quem sabe por isso, seja tão importante contar e ler histórias para as crianças. A roda de história une e reúne. Nela, ninguém erra o passo da dança. Tudo é comum – comunidade, comunhão.   

CELSO SISTO (2005, p.21) incentiva os educadores a encantar pela palavra quando desvenda alguns segredos para que os educadores se tornem contadores de histórias:

A grande dica para ser um bom narrador de contos é ler muito; os livros, as placas, os gestos, as pessoas, a vidaem cada coisa. Enão ter pressa: o contador de histórias tem que ter paixão pela palavra pronunciada e contar a história pelo prazer de dizer (que é muito diferente de ler uma história, que também  é muito diferente de explicar uma história.

 Sem cobrança pelo conteúdo pedagógico, a grande importância do “contar histórias”, é a retomada do contato com os livros, a leitura, não impondo barreiras ao manuseio dos mesmos, mas trazendo-os como objeto lúdico. Além de acreditar no poder da história e na magia e atração que exerce o contador sobre seus ouvintes, percebe-se a importância no desenvolvimento infantil, por ser recreativa, educativa, instrutiva, afetiva (alargando horizontes, estimulando a criatividade, criando hábitos, despertando emoções, e valorizando sentimentos) e física (ajudando na recuperação de crianças com baixa auto-estima, problemas familiares e até doenças). Estimula também a socialização, desenvolve a atenção e a disciplina.  Um aspecto importante a ser destacado é que não é pelo grande número de histórias que contamos, mas pela ênfase que damos a esta atividade, essencial à criança, que aprende a lidar com diversos valores, medos e preconceitos.

 Ao ouvir com atenção, as crianças interagem com o que está sendo contado, e são amplamente atraídas pelo poder das palavras, que podem apresentar reações que manifestem seus interesses revelados ou inconscientes e conseguem vislumbrar nas narrativas, soluções que amenizam tensões e ansiedades. Talvez, isso seja melhor compreendido quando CELSO SISTO (2005, p.23-24) coloca que:

[...] porque já se sabe que quem conta um conto, aumenta um ponto, uma vírgula, uma exclamação e uma boca aberta diante da possibilidade de se construir um mudo melhor – povoado de histórias. Quando optamos por contar histórias, optamos por uma série de resgates: recuperar nossa infância e as fogueiras invisíveis que sempre imaginamos  a magia ideal para acender uma história; reencontrar nossos folguedos, medos (por que não ?), mitos,  e assim, refazer nossa trajetória afetiva;  redefinir nossa imagem social diante daquilo que nos tornamos; revisitar nossa noção de cidadania para redimensionar nossas crenças na palavra como gesto sonoro capaz de se propagar ao infinito e incitar mudanças; remexer nossa imaginação com cargas sempre maiores de liberdade; recompor o lugar de seres criadores que todos ocupamos no mundo.

 Daí a importância, de saber criar um ambiente de encantamento, suspense, surpresa e emoção, onde enredo e personagens ganham vida, transformando tanto narrador como ouvinte. Além de impregnar todos os sentidos, tocando o coração e enriquecendo a leitura do mundo na trajetória de cada um. 

Não menos importante também, é sabermos reconquistar comportamentos que fazem a diferença no desenvolvimento infantil. Certamente um destes comportamentos é a comunicação e o compartilhamento de vivências na família. Também cada vez maior, é o número de pais que se sentem culpados porque não podem estar mais tempo com os filhos, não conseguem dedicar-se como gostariam.

Uma forma de aproximar-se das crianças, talvez, seja contando histórias, papel que acaba sendo feito na maioria das vezes pelo educador, que está envolvido diretamente com elas, e ocupando o lugar dos pais, ficando até mais tempo com as mesmas que muitas vezes os próprios pais.

Quando contamos histórias, podemos ver, pensar, questionar, entender e rir juntos.  Como conseqüência, nós educadores, desenvolvemos uma relação mais próxima, que ajudará as crianças a sentirem-se mais amadas e desenvolverão melhor sua auto-estima. Contar, ler ou ouvir histórias é uma experiência que cria vínculos. As histórias não só ensinam como também nos convidam a olhar para dentro de nós mesmos, resgatando as impressões e lembranças de nossa infância. Quem um dia leu Monteiro Lobato entende muito bem a felicidade tão esperada da personagem de Clarice Lispector (1991), do conto Felicidade Clandestina, quando pôde abraçar as Reinações de Narizinho. Nesse abraço, escritora e personagem confundem-se nas imagens do livro, fluem e crescem na história recontada. Muitas vezes ressurge também, a voz da mamãe ou da vovó ou daquele que foi o primeiro a nos dar a palavra ecoando em nossa memória afetiva, que pode estar servindo de alicerce para nossas vivências. CELSO SISTO (2005,p.28) concorda com este pensamento quando coloca:

Quando se conta uma história, começa-se a abrir espaço para o pensamento mágico. A palavra, com seu poder de evocar imagens, vai instaurando uma ordem mágico-poética, que resulta do gesto sonoro e do gesto corporal, embalados por uma emissão  emocional, capaz de levar o ouvinte a uma suspensão temporal.  Não é mais o tempo cronológico que interessa, e sim, o tempo afetivo. É ele o elo da comunicação.

 Além dos benefícios afetivos, as histórias trazem benefícios lingüísticos e cognitivos como: sensibilização da imaginação, expansão do vocabulário, desenvolvimento do pensamento crítico, gosto pela leitura, e refino da escuta e da fala.

3 - PARA QUE CONTAR HISTÓRIAS?

A história é uma narrativa que se baseia num tipo de discurso calcado no imaginário de uma cultura. As fábulas, os contos, as lendas, são organizados de acordo com o repertório de mitos que a sociedade produz.  Quando estas narrativas são lidas ou contadas por um adulto para uma criança, abre-se uma oportunidade para que estes mitos, tão importantes para a construção de sua identidade social e cultural, possam ser apresentados a ela.

Ler e contar uma história são duas coisas muito diferentes, porém ambas muito importantes. Um texto escrito segue as normas da língua escrita, que são completamente diferentes daquelas da linguagem falada. Quando uma criança ouve a leitura de uma história ela introjeta funções sintáticas da língua, além de aumentar seu vocabulário e seu campo semântico. Porém, aquele que lê a história deve dominar a arte de contá-la, estar preparado suficientemente para fazê-lo com apoio no texto, sabendo utilizar o livro como acessório integrado a técnica da voz e do gesto. 

Além disso, quem lê para uma criança não lhe transmite apenas o conteúdo da história, promovendo seu encontro com a leitura, possibilita-lhe adquirir um modelo de leitor e desenvolve nela o prazer de ler e o sentido de valor pelo livro. Há opiniões divergentes neste campo, pois alguns autores consideram que o contador sem o livro tem mais liberdade de acentuar emoções, modificar o enredo segundo as reações da criança e  portanto, melhor comunicação com o público infantil. Teria ainda mais disponibilidade para trabalhar sua voz e seu gesto.  O importante é como ler e como contar, porque é preciso que se tenha técnica e preparação para despertar o desejo e o prazer das crianças.

Um dos principais objetivos de se contar histórias é o da recreação.  Mas a importância de contar histórias vai muito além. Por meio delas podemos enriquecer as experiências infantis, desenvolvendo a confiança na força do bem, proporcionando a ela viver o imaginário.

Além disso, as histórias estimulam o desenvolvimento de funções cognitivas importantes para o pensamento, tais como a comparação (entre figuras e o texto lido ou narrado) o pensamento hipotético, o raciocínio lógico, pensamento divergente ou convergente, as relações espaciais e temporais (toda história tem princípio, meio e fim). Os enredos geralmente são organizados de forma que um conteúdo moral possa ser inferido das ações dos personagens e isso colabora para a construção da ética e da cidadania em nossas crianças.

Conforme Celso Sisto,  existem alguns tipos de histórias: aquelas que servem de alimento para a alma, permitindo a transmissão de valores e de imagens arquetípicas fundamentais para a construção da subjetividade, e aquelas que servem para despertar o raciocínio e o interesse da criança para formas de agir e estar no mundo.  São chamadas histórias matéria – importantes para a estruturação dos aspectos objetivos de nossa personalidade.  Estas últimas devem ser selecionadas de acordo com o desenvolvimento cognitivo do ouvinte porque exigem maior compreensão racional e analítica. 

4 - ONDE E COMO CONTAR HISTÓRIAS?

Como historicamente a literatura infantil foi muito associada à função pedagógica do livro e da leitura, o primeiro lugar que nos ocorre para a contação de histórias, é a escola. Sem dúvida, é o lugar onde ela mais encontra aplicabilidade, conforme CECCANTINI (2004, p.272)

A escola foi tomada como espaço físico e social adequado, devido ao fato de crer-se que o texto literário, nesse ambiente, deve circular com maior freqüência, tendo em vista ser ela, hoje, a principal, responsável pela mediação de leitura literária na sociedade.

    Independente do local, os ouvintes devem estar bem acomodados, de preferência sentados no chão, com almofadas ou tapetes, livres de barulhos, e outros inconvenientes. Este local depende muito também  de quem conta as histórias. Os cenários imaginários podem ser transformados como: a sala de aula – transforma-se em pátio de castelo, ou sala do trono, pode ser embaixo de uma árvore – transformada na torre mais alta da fortaleza, ou ainda numa praça, num campo, num palácio, aproveitando para dar a cada lugar o desenho necessário para enriquecer a narração.  Quanto mais aconchegante e sossegado for o local, melhor. Contar histórias para crianças cansadas, com sono, com fome, ou vontade de ir ao banheiro, não é nada gratificante, mas lê-las  para as crianças interessadas, atentas,  curiosas, é sempre oportunizar que elas possam sorrir, e dar gargalhadas, com situações vividas pelos personagens, tornando-as cúmplices deste momento de brincadeiras, suscitando o imaginário, e respondendo suas curiosidades.  Mas cada contador cria sua forma pessoal, tenta colocar suas vivências, e administrar da melhor forma possível, vendo se há a necessidade de somente contar, ler ou memorizar todo o texto. Trabalhar a “contação de histórias” é abrir as cortinas do mundo para uma platéia de seres que buscam a construção do “seu ser” como sujeitos de uma sociedade.

Não existem segredos ou regras para contar, bastam técnicas, decorrentes de experiências, e muitos ensaios, onde o ouvinte possa encontrar nos olhos do contador, o seu porto seguro. Assim, o fato de contar histórias é uma linguagem única e que pode ser desenvolvida por qualquer pessoa que tenha no coração um ninho aconchegante para recebê-las e compartilha-las.

Bastam histórias simples, interessantes, que fazem as crianças viajar no tempo e espaço, de diferentes gêneros, inclusive  histórias bíblicas, sem vínculo religioso nenhum, até desconhecidas pela grande maioria das crianças da escola. Sabe-se que a bíblia é uma grande biblioteca contendo: contos de fadas, poesias, provérbios, etc.

Percebe-se que as histórias contadas, principalmente, as fábulas, tem maior recepção das crianças. Talvez por trabalharem narrativas que agregam valores como amor, caridade, justiça, honestidade, respeito, responsabilidade, e também por serem curtas e bastante diretas, integrando o conhecimento, a família, a escola, a vida em sociedade. Nesse sentido, é importante lembrar que dominar alguns elementos para ler ou contar histórias é garantir, certamente, o sucesso da literatura-viva, e CELSO SISTO (2005,p,122) nos dá algumas recomendações do que o contador deve observar “para contar melhor”:

  • Olhar para a sua platéia - não fixando seu olhar para o chão, para o teto, ou numa pessoa.
  • Linguagem de acordo com a platéia – nunca infantilizando a linguagem, exagerando nos diminutivos, e usar o mesmo tom de voz durante toda a história.
  • Tornar expressivo o que se diz - as palavras tem “coloridos e texturas” diferentes e se adaptam ao que queremos dizer, com a ênfase e a intenção que colocamos nelas. As palavras são diferentes, tem pesos e alturas diferentes.
  • Atentar para o ritmo da fala – o nervosismo, e a inexperiência nos levam a falar rápido demais.
  • Não ser óbvio demais, nem didático, nem moralista, nem doutrinário, nem preconceituoso, (sem preocupação de passar uma mensagem ou moral  para o ouvinte).
  • Ser capaz de cativar o ouvinte e suscitar o desejo de novas leituras.
  • Ser capaz de provocar arrepios, levar à percepção de novas coisas, ampliar a imaginação,

Outra consideração levantada pelo autor, é que um contador de histórias é um agente de sua língua, onde faz- se necessário o correto uso e clareza e sua linguagem, evitando vícios, muitas gírias, preservando a literariedade do texto, com um vocabulário claro e preciso, sem uso de termos e falas técnicas.

 QUAIS AS IMPLICAÇÕES PSICOPEDAGÓGICAS DO ATO DE CONTAR HISTÓRIAS?

 As histórias possibilitam a articulação entre objetividade e subjetividade, “espaço entre,” no qual se situa o trabalho  psicopedagógico. É portanto, um recurso que pode ser usado tanto no diagnóstico como na intervenção psicopedagógica  em instituições escolares e nas clínicas.

O conteúdo mítico, as ações praticadas pelos personagens, os valores morais implícitos na narrativa, permitem projeções que facilitam a elaboração de questões emocionais, muitas vezes expressas em sintomas que se apresentam na aprendizagem.  A compreensão dos enredos, a análise dos conteúdos, a estrutura lingüística subjacente ao texto, permitem ao psicopedagogo investigar questões cognitivas presentes nas dificuldades do processo de aprendizagem.

Como recurso psicopedagógico, a contação de histórias, aliados a literatura infantil, abrem espaço para a alegria, o prazer de ler, compreender, interpretar a si próprio e à realidade. Também ao optar por um modelo de intervenção dinâmica, na qual está implícita a consideração da subjetividade na constituição do sujeito da aprendizagem, é fundamental  levar em consideração a “história de vida”, não como conjunto de fatos objetivos, mas como representação simbólica das experiências que marcaram  a trajetória de vida da  criança.

Para compreender a queixa escolar a partir do estilo de aprendizagem, é preciso ir à gênese do estilo e à história de vida como “memória inventada”, ou seja, ressignificada.  A história de vida da criança, pode em parte, explicar sua relação com a aprendizagem, com o conhecimento, com o saber, isto é, com seu estilo de aprendizagem.    Como psicopedagogos, somos o “outro” entre os “outros,” e para compreender as dificuldades de aprendizagem, e desenvolver um processo de intervenção, não é suficiente conhecer apenas questões objetivas  sobre essas dificuldades de aprendizagem, mas toda sua história. O psicopedagogo precisa de pistas, hipóteses, para compreender os fatos, que estão prejudicando o desenvolvimento e aprendizagem  das crianças.

 As diversas possibilidades de vivenciar a literatura infantil, e a contação de histórias na escola, faz cumprir as expectativas nas  crianças, permeadas pelas suas próprias experiências, que de forma inconsciente vão ser reutilizadas na vida adulta. Não são os fatos em si mesmos que povoam o imaginário, mas é o valor simbólico que a eles cada qual atribui.

Na intervenção psicopedagógica dinâmica pretende-se desencadear processos de mudanças, mas é o sujeito mesmo que, ao mudar de posição frente ao objeto, consegue aprender.  O psicopedagogo, como mediador, tem a obrigação de se posicionar claramente sobre o que se deve esperar do educador, conceito utilizado por  Meirieu:  “[...] pode-se exigir dele que ponha em prática os meios mais diversificados e os mais inventivos possíveis para facilitar o êxito dos alunos, tanto em termos de inventividade didática, quanto de acompanhamento pedagógico...” (2002,p.247).

Portanto, cabe a nós como psicopedagogos oferecer bons e pontuais recursos, porém estes não são garantia para que ocorram mudanças: é o sujeito que deve decidir-se pela sua mudança, e a nós cabe observar se os recursos oferecidos sensibilizam ou não o sujeito da aprendizagem.  Aqui também está presente a história. Na psicopedagogia dinâmica, abandona-se a certeza da eficácia dos meios, dos métodos. É olhando para trás, que vamos reorganizando o presente, mas sem certezas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerar questões ligadas à história de vida como memórias inventadas, na constituição do sujeito da aprendizagem permitirá perceber a queixa escolar a partir de outra perspectiva. A inclusão da história de vida na análise das dificuldades de aprendizagem permite compreender o presente, a partir do passado, não para explicações fechadas, mas para  mostrar outras possibilidades no rumo pessoal do aprendiz.

Atualmente nas escolas há um novo discurso regendo a compreensão do fracasso escolar do aluno.  Discurso que rege-se pela “patologização da aprendizagem”. Isto quer dizer que o aluno não aprende direito por “sofrer de doenças”, como comenta BARROS (2003,p.123).   Na educação infantil, não é prática incomum alguns educadores, diante da resposta insatisfatória do aluno na alfabetização, preocuparem-se com a possibilidade de ele ser disléxico,  hiperativo, solicitando uma avaliação como medida preventiva. A dificuldade da criança para responder à expectativa do adulto significativo manifestada pelo desempenho inadequado deve ser pensada não somente nos aspectos biológicos e cognitivos.

Para que uma criança se interesse pelo conhecimento, é preciso que seja capturada pelo olhar e pela voz do educador. Sem esta interação positiva, a criança é deixada de lado, não percebendo o novo que a vida lhe apresenta.

Uma das nossas atribuições como psicopedagogos é justamente poder olhar para o sujeito da aprendizagem a partir de uma nova experiência vivida no presente, única, singular, e dessa forma, poder oferecer uma outra oportunidade para se reconhecer e possivelmente poder mudar o rumo histórico impregnado de possíveis traços dos educadores significativos presentes em sua memória inventada. Também faz- se necessário colocar-se na posição de mediador que interpela o sujeito da aprendizagem para pensar em outra versão de história, descolada daquela familiar muito conhecida.

Ao fazer a contação da história, ou da leitura, ou até da leitura da produção do aluno, levar em consideração não apenas os fatos, mas os aspectos simbólicos presentes nas respostas às solicitações de diferentes ordens.  Isso implica considerar simultaneamente a relação do sujeito da aprendizagem e a legalidade que rege o objeto do conhecimento.

Cabe também ao psicopedagogo, na escuta dos pais, oferecer a palavra justa, com o objetivo de usá-la como recurso para que eles possam desenvolver melhores condições para compreender com mais clareza os conflitos relativos à sua experiência como pais, impregnados de suas memória inventadas.   

A escuta psicopeagógica tem como meta recolocar os pais, os educadores, no lugar de suposto saber, bem como desencadear processos que possam de alguma forma aliviar a culpa pela não aprendizagem da criança. Levar em consideração a história de vida como memória inventada para compreender o estilo do sujeito da aprendizagem, é mais um recurso para fazer a leitura da dificuldade de aprendizagem que, na perspectiva da psicopedagogia dinâmica, está sujeita a múltiplas e complexas variáveis. Nessa perspectiva, a análise da queixa escolar demandará um leitor disponível para aceitar a incerteza como norteadora de sua pesquisa.   

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

           Sisto, Celso. Textos e pretextos sobre a arte de contar histórias. Curitiba: Positivo, 2005. 

Filho, Bragatto Paulo. Pela leitura literária na escola de 1º grau. São Paulo:Ática, 1995. 

Ceccantini, C.T.Luís João. Infanto-Juvenil: Memória de Gramado. São Paulo:  Cultura Acadêmica, 2004. 

Barros, M.  Memórias inventadas: a infância. São Paulo, SP: Planeta, 2003.

Meirieu, P. A pedagogia entre o dizer e o fazer. Porto Alegre, RS: Armed, 2002.


Autor: Tânia Silva Neumann Barroso


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