Desafios do educador no século XXI: abordagens sistêmicas e de auto-organização



Douglas Orestes Franzen[1]

 INTRODUÇÃO

            Com urgência, a educação precisa fazer-se valer perante as condições de existência dispostas aos seres humanos neste século XXI. Isso porque a humanidade, ao longo de sua história desejou o prazer, a democracia, a liberdade, a alegria, a satisfação pessoal e o poder. Nessa busca, chegou a uma encruzilhada na qual sua vida caracteriza-se por um certo vazio existencial, uma luta individual pela sobrevivência, uma perda – se é que já teve - da concepção do que é a vida do ponto de vista sistêmico. Ela, a humanidade, vive atualmente num presente contínuo, menosprezando de maneira geral o passado e o futuro. No que chamamos de sociedade das libertações, cada indivíduo vive isolado, lutando meramente pela sua sobrevivência. Nessa perspectiva, a sociedade do século XXI encontra-se carente de responsabilidade social e ecológica, dos valores éticos, de respeito e de paz.

Desse ponto de partida, todo educador responsável e consciente de seu potencial deve, constantemente, questionar-se sobre o que é ser educador neste século XXI. Quais conceitos e valores devem estar presentes nesta atividade profissional para que ela cumpra sua responsabilidade social? Talvez seja necessário o educador olhar para as próprias condições de existência da humanidade. Perceber a complexidade da vida de fato. Questionar a relação dos homens com o meio natural do qual somos parte, sendo necessário pensar a educação assim como é necessário pensar a vida.

Conforme Rossato ( 2006, p. 33),

Chegamos ao final do século com a clara sensação de que vivemos um tempo de passagem, de transição e que estamos no limiar de uma nova era. Há um gosto amargo de que estamos no fim de um tempo e de que o progresso econômico não respondeu aos anseios mais profundos e mais radicais do ser humano.

Por isso, o presente artigo busca pensar os desafios do educador neste século XXI. Para pensar a educação é necessário pensar a sociedade e os indivíduos que a formam, suas cadeias de relações com o meio e os próprios sistemas vivos. Conforme Capra (1996, p. 78), “sempre que olhamos para a vida, olhamos para as redes.” Da mesma forma, sempre que olhamos para educação, olhamos para a cadeia de relações formada pelos indivíduos que a praticam.

Certamente, os profissionais responsáveis pelo processo educativo deste século XXI precisam reavaliar seus preceitos teóricos sobre qual padrão de educação desejamos. Há uma insuficiência conceitual, ocasionada pela falta de leitura e de pesquisa na educação básica, sobre abordagens sistêmicas e de auto-organização, requisitos estes essenciais para a prática educativa deste século. O presente artigo não trata de uma análise de teorias utópicas sobre a educação. Trata de uma análise conceitual, baseada em referenciais teóricos e do cotidiano vivenciadas no cotiano da escola pública brasileira.

AUTO-ORGANIZAÇÃO NA SOCIEDADE DOS INDIVÍDUOS

            Conforme Fritjof Capra (1996), para compreender o que é auto-organização é necessário compreender o que é um padrão de organização. Padrão de organização é uma configuração de relações características de um sistema. Por exemplo, para compreender a estrutura característica de uma sociedade, é necessário estudar a substância (ou estrutura) e estudar a forma (ou padrão).

No estudo da estrutura, medimos ou pesamos coisas. Os padrões, no entanto, não podem ser medidos nem pesados; eles devem ser mapeados. Para entender um padrão, temos de mapear uma configuração de relações. Em outras palavras, a estrutura envolve quantidades, ao passo que o padrão envolve qualidades (CAPRA, 1996, p. 77).

            Ou seja, para compreender a realidade na qual estão inseridos os indivíduos, é necessário mapear as características da sociedade que eles formam. Todo indivíduo, assim como todo ser vivo, está inserido num padrão de organização, tanto biológico como social. Portanto, para que o processo de aprendizagem seja eficiente é necessário que o professor compreenda o padrão de organização do qual os alunos fazem parte.

            Todo indivíduo é um sujeito social. Todo indivíduo pertence a um padrão de organização, a uma rede de relações sociais e naturais. É o que Capra (1996) denominou de “a teia da vida”. Conforme Norbert Elias (1994, p. 23):

Assim, cada pessoa singular está realmente presa; está presa por viver em permanente dependência funcional de outras, ela é um elo nas cadeias que ligam outras pessoas, assim como todas as demais, direta ou indiretamente, são elos nas cadeias que as prendem. Essas cadeias não são visíveis e tangíveis, como grilhões de ferro. São mais elásticos, mais variáveis, mais mutáveis, porém não menos reais, e decerto não menos fortes. E é essa rede de funções que as pessoas desempenham umas em relação a outras, o elo e nada mais, que chamamos sociedade.

            A ideia de um padrão de organização não nos remete a uma estrutura estática e singular. Pelo contrário, representa a auto-organização à qual estão dispostas as sociedades, dentro de suas diversidades e características próprias. Muito distinta da atual noção de esquadrinhamento de saberes, na qual cada professor está preso aos limites de sua área de conhecimento, o padrão de organização nos dá uma noção de conjunto, de totalidade.

A prática educativa exige que o professor tenha uma compreensão de sistemas de auto-organização porque, através desta prática, pode-se mapear a realidade à qual o aluno, a escola e o próprio professor estão inseridos. Algumas iniciativas apontam para essa prática, tais como a da Secretaria Municipal de Educação do município de Iporã do Oeste, estado de Santa Catarina. Naquele município, os professores visitam as moradias de todos os estudantes, conversam com seus pais, conhecem o seu cotidiano. Ou seja, têm uma noção do padrão de organização em que o aluno está inserido fora do ambiente escolar. A partir desta prática, os professores estabelecem as linhas de atuação, pois estão mapeadas, em parte, as deficiências e potencialidades dos estudantes.

EDUCAÇÃO AMBIENTAL E CONCEPÇÃO SISTÊMICA

            A educação ambiental é um dos temas mais discutidos neste século XXI. Todavia, o foco de discussão aparente é um equívoco. Fala-se muito da responsabilidade ambiental de cada indivíduo e de cada empresa. Os meios de comunicação, as escolas e as ONGs, distorcem o foco do que na verdade consiste a consciência ambiental. Não é possível haver uma consciência ambiental sem haver uma concepção sistêmica acerca da vida. Nesse ponto, a educação tem um papel fundamental. Profecias proclamam que é chegada a hora da extinção da espécie humana, e até mesmo do planeta Terra, devido aos problemas ambientais. Ora, dessa forma estamos negligenciando o poder da educação e da escola, porque elas podem construir valores necessários para reverter essa situação. É possível educar as pessoas para além da proteção ambiental instrumental, técnica? É possível construir a sensibilidade ambiental baseada na visão sistêmica acerca da vida?

            Ter uma concepção sistêmica acerca da vida significa ter uma consciência da posição dos seres humanos no meio natural. Isso porque os seres humanos, nos últimos séculos, passaram a acreditar que o homo sapiens encontrava-se no final da cadeia alimentar, algo como uma espécie superior a todos os demais seres vivos. Essa noção de condição humana é um engano. Bem como, é um engano, acreditar que o meio ambiente simplesmente é algo que nos circunda, nos complementa como condição de existência. Segundo Schwartz,

A natureza é para ser vivida e não para ser dominada. É uma teia complexa de relações orgânicas unidas em ciclos incessantes e milenares. A natureza é um mistério para ser reverenciado, não um problema para ser resolvido. A natureza é um cenário que se tem de fazer parte, não um meio que se tem de dominar. O homem deve conservar e proteger a natureza como a sua própria vida (SCHWARTZ, apud RAMBO, 2007, p. 80).

            Fazemos parte de um sistema, uma teia da vida. Somos parte integrante de uma cadeia alimentar, e não superior a ela. Necessitamos da harmonia da natureza, e devemos saber que a extinção de qualquer espécie de vida representa também, a extinção parcial da nossa própria.

            As escolas desenvolvem diversas atividades referentes a proteção ambiental: limpam rios, promovem eventos, selecionam o lixo, plantam árvores. Isso são meras práticas paliativas. Todavia, esquece-se do foco central: a consciência sistêmica acerca da vida. Não vai haver consciência ambiental sem uma consciência de sistemas, de pertencimento a uma cadeia, a uma rede de vida. O estudante, bem como qualquer cidadão, precisa sentir-se culpado pela poluição de um rio, deve sentir indignação quando a fábrica de sua cidade polui o ar, quando o colega joga o lixo no chão. Isso faz parte de uma consciência ambiental. Há a necessidade de os atuais sistemas de ensino acabar com essa fragmentação do conhecimento, porque isso representa também a fragmentação da vida, a desestruturação da teia que envolve todos os seres vivos.

            Por isso, na escola, o conhecimento deve ser trabalhado paralelamente à sensibilidade. Levar os estudantes para um passeio, para que percebam a condição do meio ambiente, sintam a água, subam em árvores, vejam pássaros e animais. É necessário sair das quatro paredes da sala de aula. Não há como ensinar consciência ambiental na teoria.

EDUCAR PARA A INICIATIVA E A SOLIDARIEDADE

            Educar para a iniciativa e a solidariedade é uma proposta de educação necessária para o século XXI. Conforme Strieder (2000)  um projeto de país deve estar alicerçado num projeto de educação que queira mediar a formação de pessoas sensíveis, empreendedoras, solidárias e com espírito de iniciativa. Maturana (1998) também esboça essa preocupação referente ao Chile quando questiona: “temos um projeto de país?” (MATURANA, 1998, p.12).

            Sim, porque, se a educação servir unicamente para acabar com a pobreza e a fome, então temos a educação ideal. Afinal de contas, grande parte das escolas oferece uma merenda de qualidade e o Estado, através de programas assistenciais, oferece uma renda mensal para os estudantes carentes. Mas essa proposta de país e de educação é a ideal num projeto de longo prazo?      Há projeto consistente de educação no Brasil?

            É fato que os programas assistenciais são um avanço porque promovem a inclusão de crianças nas escolas e amenizam a pobreza material. Mas, da forma como estão estruturados, não há exigência, a não ser que o estudante esteja presente fisicamente em sala de aula, para que o aluno produza conhecimento e demonstre espírito de iniciativa. O estudante beneficiado é obrigado a passar de ano, mesmo que, durante esse mesmo ano, ele tenha somente a taxa mínima de frequência e, ainda mais, sem ter lido, escrito, produzido nada. Ele simplesmente estava presente em sala. Ora, sabemos que a aprovação, da forma como é praticada na escola pública brasileira, possui grandes deficiências. Hoje, na realidade, a escola é obrigada a aprovar estudantes que leem e escrevem com muita deficiência.

            Essa situação é agravada ainda mais pelo fato de que grande parte dos professores não produz, não lê, não escreve, não inova e, muito menos, pesquisa. Sim, porque, se queremos educar para a iniciativa e a solidariedade é necessário que o próprio professor esteja imbuído dessas qualidades. Não que o professor não queira inovar e buscar conhecimento, mas a própria estrutura educacional e os planos de carreira deficientes dificultam tal busca.

            Há uma dificuldade imensa de trabalhar a solidariedade na escola pública brasileira. São poucos os exemplos de cordialidade no ambiente escolar. É necessário retomar a educação para a cidadania, partindo de pequenos gestos, como pedir licença, desejar bom dia. Mas, em muitos casos, os professores entram e saem de muitas salas de aula num único dia. Dessa forma, ele não lembra o nome dos estudantes, não deseja bom dia, não compreende as deficiências de cada estudante. Ele simplesmente dá aula. O convívio, a cordialidade, o respeito, o simples fato de chamar o estudante pelo nome, fazem parte do processo educativo. Não podemos imaginar uma educação de qualidade sem os princípios básicos da convivência social.

            Da mesma forma que é importante educar para a solidariedade, estimular a iniciativa nos estudantes é fundamental. O necessário desenvolvimento para o Brasil parte do princípio de que os brasileiros tenham o espírito da criatividade, da inovação e da iniciativa. Há muitas deficiências, mas também há muitos exemplos interessantes nesse sentido.

            Uma das deficiências é o fato de que criamos muitos estudantes numa espécie de “bolha de sabão”. Ensinamos tantas certezas, como a garantia de emprego, que o estudante perde a noção da realidade. É necessário  educar para as incertezas da vida, a começar por flexibilizar as certezas, educar para o questionamento. Envolvemos o estudante numa bolha de sabão, porque sempre damos uma nova chance, não exigimos qualidade, somente o educamos para as respostas e as certezas. Assim, quando ele sai do ambiente escolar, a bolha de sabão estoura, e então ele encontra as dificuldades e as incertezas da vida real.

            Apesar de a educação possuir muitas deficiências, a escola pública brasileira ainda consegue apresentar um quadro muito satisfatório na formação de adolescentes imbuídos de um espírito de iniciativa, estudo e preocupação com os fatos relacionados a sua vida. Acreditamos que a existência desses estudantes parte do princípio fundamental da participação familiar no processo educativo.

            Apesar do pouco investimento público para a pesquisa e a escrita na educação básica, temos professores que se dedicam para tal. Esses desejam uma educação de qualidade e buscam criar alternativas para que a escola seja o alicerce da inovação, da pesquisa, da geração de vida, paz e prosperidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

              A educação para o século XXI precisa ser revista também pela sociedade civil e órgãos do Estado, mas, acima de tudo, pelos profissionais que a praticam: os professores. Dizer que a educação está em crise nos força a apresentar as características desta crise, apontando as reais deficiências. Como esta atividade é muito ampla para tão pouco espaço, este artigo limitou-se a estabelecer algumas considerações das deficiências e possibilidades do processo educativo.

            Assim, partimos do pressuposto de que é fundamental cada educador questionar-se acerca da sua prática educativa neste século XXI. Mas, para além dessa análise da prática na escola, é necessário haver uma avaliação conceitual do que se caracteriza o processo educativo. Nesse ponto é que encontramos uma grande deficiência por parte dos professores. Afinal de contas, a leitura é uma prática bastante limitada no meio docente.

            Acredito que, através da leitura e da pesquisa, é possível estabelecer novas alternativas que revitalizem a educação. Entre essas alternativas destacamos a educação numa perspectiva sistêmica e de auto-organização.  Sim porque, na sociedade pós-moderna em que vivemos, percebemos uma fragmentação do conhecimento e da própria vida, dando uma ideia de que todas as coisas, inclusive os seres vivos, não possuem nada que os conecte entre si e com o meio. Dessa forma, surgem problemas de responsabilidade social e de proteção ambiental. Isto porque, não se encontra disseminada a noção de responsabilidade sobre a rede da vida.

            E, quando até mesmo os professores possuem essa visão de vida, há uma grande probabilidade de que não consigamos fazer com que a sociedade pense sobre os problemas que afligem os sistemas vivos na atualidade. O professor deve ser o agente de promoção do conhecimento e da inovação, estimulando a iniciativa e a solidariedade.  Olhar para a história e compreender a subordinação, a escravidão, a intolerância e a destruição é essencial. Mas olhar para o presente e para o futuro e ser complacente com a destruição ambiental, a fragmentação da vida, a banalização da violência e a proliferação da insensibilidade, é estimular a fragilização dos sistemas vivos.

REFERÊNCIAS

 CAPRA, Fritjof. A teia da vida: uma nova concepção científica dos sistemas vivos. Tradução de Newton Roberval Eichemberg. São Paulo: Cultrix, 1996.

 ELIAS, Norbert.  A sociedade dos indivíduos. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994.

 MATURANA, Humberto. Emoções e linguagem na educação e na política. Tradução de José Fernando Campos Fortes. Belo Horizonte, MG: Ed. UFMG, 1998.

 RAMBO, Lorival Inácio. Um outro olhar sobre a colonização: a relação homem-natureza. Chapecó, SC: Dissertação de Mestrado em Ciências Ambientais. Universidade Comunitária de Chapecó, 2007. (Mimeo).

ROSSATO, Ricardo. Século XXI: saberes em construção. Passo Fundo: Editora UPF, 2006.

STRIEDER, Roque. Educar para a iniciativa e a solidariedade. Ijuí, RS: Editora da Unijuí, 2000.

 

[1] Mestrando em História pela Universidade de Passo Fundo, bolsista CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Professor da rede pública de ensino do Estado de Santa Catarina. E-mail: [email protected]

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Autor: Douglas Orestes Franzen


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