MULTA COMINATÓRIA - DICOTOMIAS E DISCUSSÕES ATUAIS



CONCEITO

astreinte (multa diária ou multa cominatória) constitui uma medida coercitiva em forma de multa pecuniária contra o devedor de obrigação de fazer, não fazer e entregar coisa.

O instituto originou-se na jurisprudência francesa a partir do século XIX, sendo normatizado apenas em 1972.

 

NATUREZA JURÍDICA

O próprio artigo 2º do artigo comentado veio a descartar-lhe esta natureza, ao determinar que "a indenização por perdas e danos dar-se-á sem prejuízo da multa

Assim, não visa, esta multa, ressarcir o autor, nem mesmo compensá-lo pela demora da efetividade da tutela pretendida, mas sim, coagir o réu a cumprir o determinado no provimento jurisdicional.

Neste diapasão, temos que a multa estabelecida no parágrafo 4º é uma medida indutiva negativa (coercitiva), tendo natureza jurídica mandamental, imposta a fim de dar efetividade à determinação judicial.

 

TERMO INICIAL

O termo inicial da multa será sempre imediatamente após o transcurso do prazo concedido para o cumprimento da obrigação.

  

TERMO FINAL - Com relação ao termo final da multa, este será, sempre, a data do cumprimento da obrigação, enquanto houver possibilidade de seu cumprimento, pois cessando esta possibilidade, haverá a conversão em perdas e danos.

 

PANORAMA MUNDIAL

França – multa revertida integralmente para a parte

Portugal – multa revertida 50% para a parte e 50% para o ente estatal

EUA, Inglaterra e Alemanha – muito embora seja a multa cominatória aplicável, há a possibilidade concreta de imputação de pena de prisão, calcada no desrespeito à Lei, considerando o aspecto da desobediência - vontade livre e consciente de descumprir ordem judicial.

  

JUSTIFICATIVA

- Dever de não causar embaraço à administração da justiça.

- A norma impõe às partes o dever de cumprir e de fazer cumprir todos os provimentos de natureza mandamental

- O desatendimento desse dever caracteriza o contempt of court, (em tradução livre: DESPREZO À CORTE) sujeitando o infrator à sanção do art.14 CPC.

 

LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

No Brasil, o instituto remonta ao Código 1939, sendo restrito basicamente às ações cominatórias e de nunciação de Obra Nova.

No entanto, cremos que apenas foi aportada de forma eficaz e ampla, a partir da edição da Lei nº 8.952/94 que alterou o art. 461, passou a ser uma medida genérica, cabível, para muitos, em qualquer sede de obrigação, chancelando sua aplicação em âmbito mais abrangente.

A normatização pátria prevê multa cominatória, como já dito em intróito, para o caso de não cumprimento do dever de fazer ou de não fazer ou entregar coisa, estabelecido na determinação judicial (antecipação de tutela ou cautelar).

Há que se observar a total compatibilidade da multa diária com as medidas atípicas do poder geral de cautela (Art. 789 do CPC).

Portanto, o juiz não pratica qualquer ilegalidade, posto que estes atos coercitivos encontram-se abarcados pelo poder geral  de cautela que o permite, no caso concreto, conferir o provimento adequado para evitar dano e também assegurar a eficácia da tutela definitiva, garantindo a eficiência da medida através de meios coercitivos postos à sua disposição.


INAPLICABILIDADE DA MULTA DIÁRIA

Existem hipóteses nas quais a instituo, inobstante sua eficácia, não possui aplicabilidade, dentre os quais citamos:

ATO OMISSIVO (obrigação de não fazer) - Não há como se estabelecer uma multa diária no caso de não cumprimento do dever; melhor eficácia teria a cominação de uma multa fixa, se praticado o ato vedado.

OBRIGAÇÕES DE FAZER EXAURÍVEIS EM UM ÚNICO MOMENTO - Já não há mais como se fixar multa diária pelo não cumprimento. Transcorrida a situação em que era necessária a providência, a imposição de multa diária se torna impraticável.

AÇÕES CAUTELARES DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS - É incabível a imposição de multa cominatória nas ações cautelares de exibição de documentos. a jurisprudência do STJ é no sentido de que, mesmo se tratando de pedido incidental de juntada de documentos na ação principal não cabe a aplicação da multa diária prevista no Art. 461, mas sim, a presunção de veracidade prevista no artigo 359 do CPC CONFISSÃO FICTA.

Na cautelar de exibição de documentos cabe a busca e apreensão (art. 362 do CPC)


VALOR DA MULTA DIÁRIA

Nosso direito positivo não dispõe expressamente sobre os parâmetros a serem seguidos para fixação do valor da multa, fazendo referência tão somente a sua "suficiência" e "compatibilidade" com a obrigação, não seguindo a orientação do direito argentino, o qual determina explicitamente que a fixação da multa "en proporción al caudal econômico" do devedor.

  

MODALIDADES DE CONCESSÃO

Observando os julgados de nossas varas e Tribunais, podemos afirmar que a multa cominatória poderá ser artrada em modalidade diversas:

a) Com limite de tempo – o juiz impõe multa diária, mas determina certo lapso temporal

b) Com limite de valor – o juiz fixa multa diária, porém adstrita a determinada quantia.

c) Sem limitação – o juiz determina que a multa perdure até o cumprimento da obrigação

 

POSSIBILIDADES DE MODIFICAÇÃO

Ultrapassada a discussão sobre a eficácia da limitação da multa cominatória, adentremos no cerne da questão posta na presente palestra: as possibilidades de modificação da multa cominatória.

É consabido que o valor da multa diária fixada não faz coisa julgada material e pode ser revista a qualquer tempo pelo magistrado.

Art. 461, § 6º: “ O juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva.”

- O valor das astreintes pode ser alterado a qualquer tempo, quando se modificar a situação em que foi cominada a multa.

- A modificação poderá se dar mesmo após o trânsito em julgado da sentença, se demonstrada a sua excessividade/insuficiência.

Assim sendo a quantia poderá ser tanto majorada, quanto reduzida, sendo cediço que o novo valor incidirá apenas a partir da data dos fatos que ensejaram a mudança.


EXECUÇÃO

Existem lacunas legislativas ainda não elucidadas, que tangenciam em depender da analogia e jurisprudência para permitir a correta aplicação da norma (que permanecesse ainda obscura) á realidade fática enfretanda diuturnamente pelos operadors do Direito.

Questionamentos advindos do vazio legislativo, notadamente no Código de Processo Civil, motivam interpretações divergentes. 

O momento da execução das astreintes é matéria controvertida na doutrina e jurisprudência, já que as normas pátrias silenciam no que tange a definição da data em que tal multa poderá ser exigida (executada).

Assim, nos remetemos a duas correntes de entendimento diametralmente opostas:

1) IMPOSSIBILIDADE DA EXECUÇÃO PROVISÓRIA

PARTE DA DOUTRINA ENTENDE QUE A EXECUÇÃO PROVISÓRIA É VEDADA, PARA TANTO, CITAM OS SEGUINTES ARGUMENTOS

- Que o Código de processo civil expressamente determina que a MULTA COMINATÓRIA poderá ser executada após SENTENÇA  que se converte em título executivo judicial E APÓS NÃO DECISÃO INTERLOCUTÓRIA, que não possui o caráter de título executivo.

- A adoção por subsidiariedade do regramento contido na Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347, de 04.7.85), que dispõe em seu artigo 12 §2º que "que a multa cominada liminarmente só será exigível do réu após o trânsito em julgado da decisão favorável ao autor, mas será devida desde o dia em que se houve configurado o descumprimento".

Neste diapasão, os doutrinadores defensores desta linha de pensamento alegam que:

- Código de Consumidor: que faz menção no art. 90 a adoção do mesmo procedimento observado na Lei da Ação Civil Pública;

- Estatuto da Criança e do Adolescente: que prevê a adoção de medidas específicas sujeitas a multa por descumprimento cuja execução só se procederá após o trânsito em julgado

- Estatuto do Idoso: que condiciona a cobrança da multa ao trânsito em julgado da decisão

  

POSSIBILIDADE DA EXECUÇÃO DE MULTA DIÁRIA EM EXECUÇÃO PROVISÓRIA

A DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA DIVERGENTES, ENTENDEM QUE deste modo pretende-se admitir que uma lei especial venha a impor limites ao alcance do Código de Processo Civil.

Carreira Alvim: "tal entendimento não corresponde à melhor exegese, não sendo de admitir que uma norma imposta por uma lei especial (ação civil pública) se sobreponha ao Código de Processo Civil para limitar seus preceitos" 

É justamente a possibilidade de exigibilidade imediata da multa que emprestará a esta o caráter coercitivo suficiente, a ensejar o cumprimento da obrigação, por fazer com que o devedor se sujeite concreta e rapidamente, às conseqüências de sua recusa em adimplir.

A jurisprudência mais recente dos Tribunais do RIO GRANDE DO SUL, PARANÁ, SANTA CATARINA, SÃO PAULO E NO VIZINHO ESTADO DE SERGIPE, DENTRE OUTROS, JÁ CONSOLIDA ENTENDIMENTO NO SENTIDO DE ACOLHER A EXECUÇÃO PROVISÓRIA.

Assim, levando-se em consideração este aspecto, a possibilidade de execução da multa só após o transito em julgado, limita significativamente seu poder. Desta forma estaria descaracterizado, ou reduzido a quase zero, seu objetivo principal: a coerção.

Gomes Júnior assevera que "tenha ou não o autor o direito, quanto ao cerne da controvérsia, o certo é que o fundamento que autoriza a exigência da multa é a desobediência a uma decisão judicial".

Ocorre que, apesar de tal entendimento mostrar-se bastante prudente para garantir a eficácia e a moralização das decisões judiciais, sua aplicação é residual nos Tribunais pátrios. No entanto, a doutrina moderna vem aderindo a tal posicionamento, percebendo que desta forma se proporcionará à nossa justiça uma maior efetividade.

Barbosa Moreira, ao defender que: "A multa pode ser exigida a qualquer tempo pelo interessado, não havendo dependência do que vai ser decidido ao final. A partir do da em que comece a incidir a multa, faculta-se ao credor exigi-la, através do procedimento da execução por quantia certa. Se o devedor, citado, pagar nas 24 horas a que se refere o art. 652, mas permanecer inadimplente no que tange à obrigação de fazer ou não fazer, a multa continuará incidindo. Poderá o exeqüente, a qualquer tempo, requerer a atualização do cálculo e promover nova execução pelo valor acrescido".

 

ANOTAÇÃO JURISPRUDENCIAL

“É possível execução provisória da multa cominatória, independentemente da existência sentença transitada em julgado, e desde que observado rito da execução provisória. Ainda que o deslinde da controvérsia seja favorável à parte que descumpriu a ordem liminar, não há a possibilidade de afastar-se a incidência dos efeitos da ordem judicial, mas apenas a eficácia temporal da decisão, caso ainda não tenha sido cumprida. (TJ-RS – 9ª Turma, Processo nº  70050319649 – Publicação em 06.08.2012)


ENTENDIMENTO DO STJ

Consagra a jurisprudência de nossa mais alta Corte infraconstitucional o princípio de que," considerando-se que a "(...) função das astreintes é vencer a obstinação do devedor ao cumprimento da obrigação de fazer ou de não fazer, incidindo a partir da ciência do obrigado e da sua recalcitrância" (REsp nº 699.495/RS, Rel. Min. LUIZ FUX, DJ de 05.09.05), é possível sua execução de imediato, sem que tal se configure infringência ao artigo 475-N "do Código de Processo Civil"; Recurso provido dentro do permissivo do art. 557-A, do Código de Processo Civil, decisão que se confirma". (Recurso Especial nº 144.562 - RJ (2012/0027982-0) – Relator: Min. Humberto Martins – Publicação em 15.05.2012)

 

PROCESSO DO TRABALHO

No direito processual do trabalho, praticamente inexistem recursos com efeito suspensivo, tendo em vista que a regra geral preconizada pela CLT, art. 899, atribui apenas o efeito devolutivo aos recursos trabalhistas.

De maneira expressa, a legislação só reconhece a possibilidade direta de concessão de efeito suspensivo ao recurso ordinário interposto em face de decisão em dissídio coletivo (Lei nº. 10.192/2001).

Possibilidade de concessão de efeito suspensivo ao recurso em sede de tutela cautelar incidental - Súmula nº. 414, I do TST

 

IMEDIATIVIDADE DA COBRANÇA X EFICÁCIA

A imediatividade é a maior arma da justiça na busca pela efetividade do processo, pois, relegar-se a execução das astreintes ao final da demanda, obviamente, retira o caráter coercitivo da medida. 

Elucidado pela lição de Eduardo Talamini:

"A inexigibilidade imediata da multa que acompanha a tutela antecipada retira boa parte da eficiência concreta do meio coercitivo e, conseqüentemente, das próprias chances de sucesso da antecipação. A ameaça de pronta afetação do patrimônio do réu através da execução do crédito da multa é o mais forte fator de influência psicológica".

Que se atente ainda, para um vetor de máxima relevância: a distorção axiológica do enriquecimento sem causa, pelo qual os julgados refogem a parâmetros mais justos e equitativos de fixação da multa diária, considerando que qualquer quantia, normalmente fixada em patamar mínimo, já representaria enriquecimento sem causa, entendimento que é utilizada em detrimento de uma valor principal: a adoção de medidas profiláticas que possuam real caráter coercitivo e inibitório de conduta reclacitrantes de desobediência ao mandamus. 

 

CONCLUSÕES

A coação moral ou psicológica só repercute quando a parte deixa de cumprir espontaneamente a obrigação, de forma que, insistindo em se eximir de maneira inescusável e sem justificativa plausível da obrigação oriunda de determinação judicial, deverá arcar com as consequeências de sua inércia.

A multa cominatória vem como instrumento para conferir maior efetividade à decisão, seja esta interlocutória ou de mérito. 

Na falta de consciência cívica, ou possibilidade de prisão civil por descumprimento, a tendência hodierna da ciência processual é de forma progressiva agregar o efeito mandamental às ações judiciais, tencionando atingir os efeitos da prestação jurisdicional com maior brevidade possível.

     


Autor: Olinda Sammara De Lima Aguiar


Artigos Relacionados


15 De Outubro

Vento

Ja Ta Na Hora

A Destinação Da Sabedoria

Mulher Ii

Da Multa Do Artigo 475- J, Do Código De Processo Civil

Minha InfÂncia