Assalto Em Mauá Da Serra



Em meio a uma investigação, quando havia recentemente assumido o comando da P/2, estávamos efetuando a interceptação telefônica de uma quadrilha de assaltantes. A coisa começou mais ou menos assim: Durante uma investigação de uma quadrilha que havia praticado um roubo contra uma empresa de segurança, tendo já identificado parte dos autores do roubo, fomos a uma favela, na qual soltamos o boato, propositadamente, de que já sabíamos quais seriam os autores do crime. Nesta oportunidade, a fim de provocar reação que pudesse facilitar as investigações, chegamos a declinar para os moradores da favela o nome de um dos criminosos, que sabíamos estar cumprindo pena na Colônia Penal Agrícola do Estado. Quando este apenado saía da Colônia Penal Agrícola para tratar de sua saúde, vindo para Londrina, ele acabava por praticar vários assaltos. O nome dele era Jânio, conhecido por Janinho. Também intencionalmente, deixei meu número de telefone celular com alguns dos moradores, apostando na idéia de que o boato poderia fazer com que o suspeito tentasse contato por telefone comigo. Embora tal acontecimento fosse improvável, nossa expectativa não foi em vão. Em certa ocasião, ao atender meu telefone celular, percebi que a ligação vinha de Curitiba, onde fica situada a CPA. Eis que, ao atender a ligação, constatei se tratar do ousado Janinho, que ligou para tirar satisfações quanto às acusações feitas contra ele por nossa equipe, na favela. Ousado, conforme já se disse, o suspeito me perguntou se era verdade que nós estávamos dizendo que ele havia praticado o roubo. A minha resposta, obviamente, foi sim. O criminoso demonstrou muito nervosismo. No diálogo feito por telefone, deixei bem claro que queria que ele devolvesse às vítimas todos os cartões telefônicos que havia subtraído por ocasião do roubo. O criminoso, que inicialmente negou ter participado do crime, acabou por admitir a participação, dizendo ainda que iria devolver os cartões. Um dia depois desta conversa, Janinho fugiu da Colônia Penal Agrícola. Contudo, de posse do telefone por ele utilizado, iniciamos a operação de interceptação telefônica, devidamente autorizada pelo juiz. Achamos no mínimo interessante o fato de que o condenado fazia ligações de telefone celular de dentro do complexo penitenciário. E nem tomava o cuidado para não dar essa impressão.

Ao interceptarmos um dos contatos telefônicos de Janinho, constatamos que este, que já figurava como foragido da justiça, passou a planejar um assalto, na cidade de Mauá da Serra, no norte do Paraná. O assalto seria realizado num mercado. Parte do planejamento do crime foi feita por telefone, o que acabou facilitando as deliberações feitas por mim quanto à ação policial que tentaria evitar a consumação do crime ou reprimir os criminosos, prendendo-os após o roubo, caso conseguissem consumá-lo. O roubo se daria num sábado à noite. Até o horário já havia sido previsto: 20h 30 minutos, exatamente. De posse das informações, tendo já efetuado um levantamento que dava conta de que na cidade só havia 03 (três) mercados, determinei que policiais disfarçados ficassem na frente de cada um dos mercados, enquanto o grosso do efetivo descaracterizado ficaria escondido atrás do posto da Polícia Rodoviária, que ficava nas imediações. O motivo que me levou a deixá-los atrás de tal posto policial foi o de que não queríamos que ninguém na cidade desconfiasse que havia uma operação em andamento, desconfiança essa que poderia comprometer a operação. Só havia dois mercados abertos naquele sábado à noite, dia 08 de junho de 2.002. Para campanar um dos mercados mandei um casal de policiais, para que, fingindo-se namorados, pudessem acompanhar toda a movimentação do local. No outro mercado, que também podia ser alvo da prática criminosa, já que o terceiro estava fechado, designei outros dois policiais.

A minha idéia era a seguinte: caso os policiais que faziam a campana pudessem evitar o roubo, identificando de antemão os criminosos, que o fizessem. Caso a medida preventiva não fosse possível e o crime se iniciasse, a intervenção policial dentro do mercado estaria proibida. A fim de resguardarmos as pessoas que estavam no mercado, a idéia era a de que, uma vez iniciado o assalto, esperássemos que ele terminasse, de forma que abordássemos os criminosos com as armas e os produtos roubados, sem que para isso expuséssemos a risco a vida de terceiros que passavam pelo local ou que estivessem no interior do estabelecimento. De forma a tornarmos ainda mais segura a missão, determinei que, no caso de se iniciar o roubo, as viaturas descaracterizadas, que estavam escondidas atrás do módulo policial rodoviário, se deslocassem imediatamente a pontos pré-estabelecidos, de forma que pudéssemos cercar toda a cidade, sem que restasse um só ponto de fuga para os criminosos. Ademais, a abordagem deveria ser realizada somente após os criminosos saírem da cidade, na rodovia, aonde poucas pessoas transitam o que, por conseguinte, segundo entendimento, diminuiria ainda mais os riscos de que um eventual confronto pudesse expor a vida de inocentes a risco.

Não sabíamos exatamente a descrição dos meliantes e, conquanto soubéssemos de alguns detalhes do crime em planejamento, não conhecíamos a identidade dos seus comparsas e nem a quantidade de assaltantes que perpetrariam o crime. Isso dificultava e tornava mais perigosa a ação, principalmente para os policiais. Ademais, não tínhamos a informação acerca das armas que seriam utilizadas, do meio de transporte por eles utilizados e sequer lembrávamos exatamente da fisionomia de Janinho, já que a única foto que tínhamos dele, extraída dos arquivos da P/2, era por demais velha, já não retratando exatamente suas características físicas. Solicitar a foto para à Colônia Penal Agrícola poderia colocar em prejuízo a operação, em decorrência do possível vazamento de informações. Tínhamos então que arriscar.

Por volta das 20 horas daquela noite, recebi ligação da policial que campanava um dos mercados. Na ligação, ela disse que até o momento não havia passado ninguém suspeito pelo local. Disse-lhe então que aguardasse, lembrando-a de que um dos princípios que norteiam o serviço de inteligência é a paciência. Passados mais 15 minutos, ela ligou de novo, demonstrando-se impaciente. Isso causou em mim uma certa irritação, que não manifestei, procurando manter o controle e passar tranquilidade para meus policiais de campo. Insisti em que ela aguardasse. Às 20:30 horas, meu celular tocou novamente e, através do identificador de chamadas, notei que se tratava novamente da policial, cujo nome era Dulcinéia. Confesso que, ao atender o telefone, me predispus a chamar sua atenção, irritado que já estava com a sua insistência.

- Alô! disse.

Ela não respondeu de momento.

- Alô! insisti.

- Alô, Tenente. Sou eu disse ela em tom trêmulo.

Notei que sua voz estava muito ofegante, o que me trouxe a desconfiança de que algo estaria ocorrendo. Ela disse, então, sussurrando:

- Tenente. Eles entraram no mercado. Não conseguimos abordá-los. O assalto está em andamento e não sei o que fazer. Não conseguimos abordá-los porque eles estão irreconhecíveis, muito bem trajados, com ternos e gravadas. O que fazemos agora, Tenente?

A demonstração de surpresa de Dulcinéia tinha razão de ser. Janinho era morador de um bairro pobre da periferia londrinense, não sendo de costume se vestir com tais tipos de trajes. Moreno, esguio, de voz fina e pele morena, seu histórico criminal era bastante extenso. Dado à prática de roubos, tinha adquirido ligações com criminosos de alta periculosidade no interior dos complexos penitenciários pelos quais passou em sua carreira delitiva.

- Aguarde na linha e só observe o que está ocorrendo determinei a Dulcinéia.

Desloquei-me para a parte de trás do módulo policial, onde se encontravam os policiais, emitindo o sinal positivo e gritando, em tons altos de voz, que a operação havia se iniciado e que o casal de policiais não havia conseguido abordar os criminosos. Nesse momento, como uma verdadeira orquestra, cada uma das duplas de policiais, em face do prévio planejamento, sabia exatamente o que fazer e para onde ir. Cantadas sucessivas de pneus indicavam a empolgação dos policiais que compunham a operação. Assim que as viaturas descaracterizadas deslocaram do módulo, passei a, via rádio, conferir se cada uma das equipes sabia exatamente aonde deveria se postar em vigilância. Fiquei muito satisfeito ao perceber o grau de profissionalismo dos policiais, que demonstravam muita coesão e sintonia, motivados pela arriscada situação que estava por vir. Cada uma das equipes confirmou, através do rádio, quais eram suas coordenadas.

Por um momento, prostrei-me, apoiando ambas as mãos sobre a mesa, ainda de pé. Um sentimento estranho surgiu. Introspectivo, comecei a refletir sobre a situação. Abruptamente, surgiu a lembrança cognitiva involuntária da imagem de Janinho, ainda vivo. Algo me dizia que aquela imagem que não mais saía da minha cabeça, dele ainda vivo, traduzia uma espécie de premonição do que estava prestes a ocorrer. Por um lado uma pecadora sensação de poder surgiu em minha mente. Um poder traidor e, no entanto, inevitável. Senti-me Deus. Estava, em tese, comandando uma operação que poderia acarretar sua morte e ele sequer podia imaginar isso. Sabia que existia uma grande possibilidade, diante das circunstâncias, de que Janinho não saísse daquela situação vivo. Comecei a imaginá-lo naquele exato momento, com a arma na mão, ainda respirando, falando, sentindo, esperançoso de que ganharia um dinheiro a mais. Evidentemente, a morte de Janinho não era o resultado que eu queria, mas, de certa forma, parecia-me inevitável, em face dos acontecimentos. Mas tinha que me manter frio, controlando minhas emoções. Tinha um serviço para fazer e, na condição de comandante, não me era permitido agir sentimentalmente, cabendo-me apenas a frieza da técnica.

Após coordenar o cerco, chegou a hora de, juntamente com meu parceiro, Soldado Marciano, deslocar-me para o ponto que estava sob minha atribuição. Estava muito tenso. Sabia que a operação deveria ocorrer como se fosse uma delicada cirurgia. Bastava um erro para que uma tragédia ocorresse. Nossas vidas estavam sob risco, inclusive juridicamente. A vida das vítimas estava sob risco. A vida dos criminosos estava sob risco. A vida de terceiros estava sob risco. Somente o preparo dos policiais, somado à execução perfeita do que havia sido planejado, poderia evitar consequências assaz danosas. Enquanto deslocava-me para o ponto pré-estabelecido, notei que o contato através de celular com Dulcinéia estaria, de certa forma, prejudicado, eis que o sinal para o telefone celular, naquelas imediações, era muito fraco. Não queria, contudo, utilizar-me do rádio para entrar em detalhes sobre o que estava ocorrendo. Tinha receio quanto à possibilidade de que algum outro comparsa da quadrilha estivesse com rádio de comunicações que rastreasse as mensagens policiais. Ainda que precariamente, conseguia estabelecer contato com Dulcinéia.

- Como é que estão as coisas aí, minha querida? perguntei.

- Tenente. Estou vendo. Estão em número de três.

- Muito bem. Mantenha a calma e, principalmente, a discrição. Não deixe que eles percebam que vocês já notaram o assalto. Finja-se de namorada do Sub Tenente Getúlio e não se demonstre nervosa. Procure um local do qual possa ter uma boa visualização do que ocorre. Só intervenha em situação de urgência, mas sempre me mantenha informado para que possa te prestar apoio através das outras viaturas e da minha.

- Ok. respondeu ela.

Dulcinéia se demonstrava muito nervosa, fato absolutamente natural nessas circunstâncias. Sua voz às vezes chegava a falhar.

- Dulce disse-lhe fique calma. As viaturas já estão cada qual em seu lugar, conforme o planejado. O seu único papel, a princípio, no momento, é o de observar.

As informações que iam sendo passadas por Dulcinéia eram repassadas, através de códigos, para as viaturas que estavam a postos nos locais estratégicos. O lugar em que ela se encontrava lhe proporcionava uma vista privilegiada acerca do que ocorria no interior do mercado. Sob a perspectiva de que houvesse problemas de comunicação via celular, determinei que uma das viaturas descaracterizadas fosse se aproximando do mercado e que, lá chegando, mantivesse uma distância do estabelecimento de aproximadamente 50 metros, evitando serem percebidos, fato que, caso ocorresse, poderia comprometer toda a operação. A orientação foi seguida a contento.

A dissimulação era perfeita. O casal de policiais militares à paisana não havia sido notado pelos assaltantes. Podiam acompanhar, da parte de fora, tudo o que ocorria no interior do estabelecimento comercial. Embora os assaltantes não agredissem fisicamente as vítimas, que não eram muitas em razão do mercado ter sido abordado quase na hora de seu fechamento, eles se demonstravam muito impacientes, ofendendo e ameaçando-as muito.

Com a aproximação de uma das viaturas do local, o monitoramento ficou ainda mais preciso. A partir deste momento, a orientação que ministrei foi a de que esta equipe aguardasse a saída dos assaltantes. Assim que os assaltantes saíssem, a equipe deveria seguí-los com a viatura, de forma a verificar em qual veículo eles entrariam.

Simultaneamente, a Soldado Dulcinéia, que se encontrava à pé na campana, e o Cb Gugelmin, que estava com um outro policial na viatura, comunicaram que os assaltantes estavam saindo. Evidentemente a tensão aumentou inaquilatavelmente. Diante da possibilidade de confronto, numa situação dessas, é muito difícil descrever exatamente o que se sente. Uma espécie de falta de ar começa a tomar conta de nosso organismo, o estômago começa a rugir de forma incontrolável, o suor, frio, esvai pela testa em direção ao pescoço e a freqüência cardíaca acelera muito. Os lábios ficam secos e os olhos estalados, numa sensação de gana, que se mistura com preocupação em relação aos resultados que podem advir a partir de então.

- Tenente, estão saindo. disse por telefone Dulcinéia.

Concomitantemente, através do rádio de comunicações da viatura, ouvi outro alerta:

- Tenente, estão vazando. disse o Cabo Gugelmin.

Então orientei:

- Gugelmin. Siga de longe os assaltantes e procure observar em que carro entram. Mantenha o acompanhamento até que eles alcancem a rodovia, que, através de suas coordenadas, será cercada pelas demais viaturas, Ok?

- QSL respondeu ele.

Conforme minha orientação, Gugelmin passou a monitorá-los de forma perfeita. Os momentos que se seguiram foram indescritíveis, no que tange às sensações. Janinho e seus comparsas jamais esperavam estar sendo monitorados por inúmeras guarnições policiais descaracterizadas. Mas a idéia era exatamente essa. O fator surpresa é curial para que se consiga, satisfatoriamente, abordar delinqüentes de maneira a minimizar as possibilidades de reação. O primeiro objetivo crucial da operação já havia sido alcançado. Nenhuma das vítimas perdeu sua vida durante o assalto. Isso, por si só, trazia a toda aquela angústia pré-confronto pela qual eu passava, uma dose de alívio. De repente ouço no rádio:

- Positivo, Tenente. Entraram num Fiat UNO azul, na rua de trás do mercado, e estão com uma sacola, aparentemente um malote. narrava Gugelmin, já com o tom de voz alterado O UNO está seguindo sentido ao posto de combustíveis que fica à margem da rodovia, em direção a Curitiba, QSL?

- QSL. respondi.

Minha viatura estava justamente em frente ao posto de combustíveis ao qual fez menção Gugelmin. De repente, passa um UNO azul, seguido por um gol vermelho, tratando-se da viatura de Gugelmin e de Prestes, soldado que acompanhava aquele. Gritei para que Marciano acelerasse a nossa viatura e seguisse o gol vermelho.

- Gugelmin. Já ganhamos a rodovia. Agora ligue a sirene e coloque o giroflex na viatura, QSL? comuniquei, aos gritos.

- Positivo, Tenente.

Já na rodovia, notei quando os criminosos, ouvindo o som ensurdecedor da sirene, começaram a encostar o veículo no acostamento. Era um bom sinal. Sinal de que os criminosos não reagiriam e que a prisão seria limpa, sem a necessidade de emprego de arma e, conseqüentemente, sem a necessidade de baixas humanas. Doce ilusão! A parada no acostamento se tratava apenas de uma simulação de rendição. Ao pararem o veículo, tendo a viatura vermelha parada atrás, pude, da rodovia, ver uma certa incandescência no interior do UNO. Um disparo foi efetuado de uma pistola 9 milímetros em direção ao Gol vermelho, vindo a quebrar o vidro traseiro do UNO, de dentro para fora, sem atingir, no entanto, a viatura policial, ao mesmo tempo em que Janinho, que dirigia o veículo, acelerou-o, objetivando a fuga. Assinaram a sentença. Mal imaginavam eles que, além do gol vermelho, existiam mais cerca de sete viaturas acompanhando toda a movimentação, todas descaracterizadas. Tão logo dispararam contra o gol vermelho, o policial Prestes, pela janela do acompanhante, lançou seu corpo para fora do Gol, que acelerava atrás do UNO, e, com um fuzil FAL 7,62, passou a efetuar disparos em direção ao veiculo em fuga, que já adentrava à pista de rolamento. À medida que o gol entrava na pista, sem imaginar que minha viatura encostava-se a ele, coloquei o corpo para fora e, com minha metralhadora 9 mm, soltei uma rajada. A partir daí, o veículo UNO, que já se mostrava desgovernado, ao que se notou, perdeu o controle e invadiu a pista contrária, momento no qual acabou por colidir com um veículo Corsa Sedan, que vinha em sentido oposto, conduzido por pessoa que relação nenhuma tinha com a ocorrência. Nesse momento, surgiu em mim uma certa dose de desespero em imaginar que, depois de tanto cuidado, o acidente poderia ter tirado a vida dos dois integrantes do Corsa, que capotou na via, sendo arremessado para a grama que ladeava a rodovia. O UNO, por sua vez, foi em direção à pista contrária à nossa, ficando com sua retaguarda voltada para nossas viaturas, parado. Abruptamente, forçando o banco do UNO para frente, saindo da parte de traz do carro, desceu um elemento conhecido por alguns policiais de minha P/2. Tratava-se de Filho, um assaltante ainda imberbe, conhecido por ter perpetrado, apesar da tenra idade, inúmeros homicídios na cidade de Londrina e região. Destemido, Filho não exitou em sair portando a pistola 9 mm que trazia consigo, a qual já havia utilizado para disparar contra a viatura. Em desprezo aos gritos policiais de advertência que visavam fazer com que ele se entregasse, Filho efetuou novo disparo contra as guarnições. Para sua infelicidade, quase todas as viaturas estavam no lado oposto da via, com os policiais que as compunham devidamente abrigados, o que lhes dava vantagem sobre o assaltante. Tão logo Filho disparou, simultaneamente as equipes também efetuaram disparos que vieram a atingir fatalmente o menino. A curta, porém violenta carreira criminosa de Filho, havia acabado. De repente, ouvimos gritos de socorro. Era um dos assaltantes querendo se entregar, pedindo, em tom suplicante, que não atirássemos nele. Segundo ele próprio, já estava baleado. Cautelosamente, à pé, aproximamo-nos do veículo, cercando-o. Determinamos que o assaltante que estava no veículo saísse. Meio que se arrastando, ele atendeu nossa determinação. Tratava-se de Teteu, outro assaltante conhecido, também foragido da Colônia Penal Agrícola do Estado. Enquanto os policiais abordavam e, ao mesmo tempo, socorriam Teteu, aproximei-me cuidadosamente do Fiat UNO, e, ao chegar na janela do motorista, empunhando minha pistola calibre .40, vi estendido sobre os dois bancos da frente, com a cabeça estourada, esvaindo massa encefálica, o assaltante Janinho. Sua vida criminosa havia chego ao fim de forma dramática. Sua camisa estava deixando à mostra seu abdômen, e, desde logo, pude visualizar um revólver calibre 38, em sua cintura. A sensação que havia tido ainda no módulo havia ressuscitado dentro de mim. A previsão feita por mim antes da ação tinha se consumado. Voltei a imaginar que, há poucos instantes, Janinho estava respirando, pisando no acelerador do carro, sem imaginar que estava sendo seguido por policiais, ávido em chegar em casa com o dinheiro do roubo. Imaginei-o comemorando com os amigos, dentro do carro, o dinheiro ganho. Tirei o revólver de sua cintura e, voltando à realidade, imperativamente gritei para que o SIATE fosse acionado para socorrer Teteu e as duas vítimas do corsa. Acionei, também, a Polícia Técnica e o IML, face às duas mortes que haviam ocorrido no local do confronto. O dinheiro, cerca de cinqüenta mil reais, levado do mercado, foi todo recuperado e entregue à vítima, observadas as exigências e formalidades legais. Felizmente, no que tange aos componentes do corsa sedan acidentado, nenhuma das pessoas que nele se encontravam por ocasião do acidente havia se machucado seriamente. Os danos foram apenas materiais.

A repercussão pública decorrente da operação MAUÁ DA SERRA, felizmente, acabou sendo boa para a polícia, apesar das mortes dos assaltantes. Contudo, o efeito psicológico que incidiu sobre os policiais que dela participaram permanecerá para sempre em cada um deles. As cenas de violência, o stress pré-confronto, a agonia que precedeu a operação e a impar oportunidade de adquirir a experiência de participar de uma troca de tiros imediatamente seguida a um assalto faria com que os policiais, a partir daquela data, passassem a ver situações de risco por um outro enfoque. Certamente traria mais prudência aos policiais que se vissem na iminência de agir em situações de grande vulto.

Autor: Nelson Villa Junior


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