ENCONTRO COM GURDJIEFF



ENCONTRO COM GURDJIEFF

 

Acordei com a nítida sensação de haver conversado realmente com aquele ser que ainda me intrigava, mesmo após ter lido numerosos livros escritos por ele e muitos outros ainda por seus amigos e discípulos.

Justamente acabava de ler um texto que lhe fazia referência pessoal e especialmente sobre sua análise do homem e seu viver dormindo, o que permitia que a própria vida o vivesse, perdendo a chance da transcendência. Tal vez esta imagem fosse a razão do sonho que tive esse dia de grande comoção espiritual, já que estávamos cercados por pessoas de altíssimo desenvolvimento interior e em um ambiente de profunda reverência e energia telúrica.

De repente, sem saber de onde e sem questionar o fato, Gurdjieff se faz presente ante mim, com seus fartos bigodes e seu olhar inquisidor, afirmando-me que a maioria dos seres humanos comuns estão dormidos para as verdadeiras realidades da existência, sendo como máquinas movidas por fatores externos, sem poder controlar suas vidas, como não pode uma máquina servir-se sozinha do combustível necessário para seguir funcionando.

Dizia que ao homem máquina, dependente totalmente de influencias externas, pode ocorrer-lhe qualquer coisa; que agora é um, logo é outro, e um momento depois, um terceiro, e por isto, não tem futuro de classe alguma; lhe enterram quando morre -fisicamente, pois mentalmente já está morto- e isso é tudo. Para que possa falar de alguma classe de vida futura, é preciso que tenha certa cristalização, certa fusão das qualidades interiores do homem, certa independência das influências exteriores.

Dizia ainda que os três sistemas utilizados, mais conhecidos daqueles que tendiam a alcançar estas qualidades interiores, eram:

O Caminho do Faquir, o qual requeria uma longa e dolorosa tortura do corpo, sendo que este caminho não desenvolvia as faculdades emocionais e intelectuais, ao desenvolver a vontade física para alcançar a transcendência.

O Caminho do Monge, que é o caminho da fé, do jejum, da meditação e da contemplação, sendo o foco de um firme sentimento religioso e do próprio sacrifício. Porém, neste método, se bem os sentimentos podem concentrar-se em uma unidade, são descuidados o corpo físico e as faculdades do razoamento.

O Caminho do Iogue, é o caminho do conhecimento, da mente e da autoconsciência, mas incluso o Iogue deixa seu próprio corpo e suas emoções sem desenvolver devidamente.

Por isto, Gurdjieff insistia na existência de um Quarto Caminho, ao qual também chamava Caminho do Homem Astuto, que consistia em cultivar simultaneamente o corpo, a mente e as emoções. Não requeria um afastamento da sociedade, como os outros três sistemas. Neste caminho, o discípulo não deveria fazer nada que não compreendesse, salvo sobre uma base experimental e guiado por um Mestre.

 

Dizia que o homem que segue o Quarto Caminho sabe com toda clareza que substâncias necessita para seus fins, e que estas substâncias podem produzir-se dentro do corpo por um mês de sofrimento físico, por uma semana de tensão emocional ou por um dia de exercícios mentais, e também que pode ser introduzidos no organismo desde fora, se sabe como fazê-lo. E assim, que em lugar de passar todo um dia fazendo exercícios como um Iogue, toda uma semana de oração como um Monge, ou todo um mês torturando-se como um Faquir, prepara e engole uma pílula que contém todas as substâncias que necessita, similarmente aos Alquimistas com seu elixir da vida e, dessa maneira, sem perda de tempo, obtêm os resultados desejados, quer dizer, obtém a transcendência.

Como exemplo, ele me contava sua experiência pessoal; quando necessitava dinheiro para cumprir a Obra, não hesitava em pintar pardais com tinta amarela e vendê-los no mercado como canários de regiões remotas e exóticas, auferindo o necessário para continuar seu caminho.

“Em isto é que consiste a transcendência” – me disse. “Sem dramas”.

Claro que com meu conceito de moral me senti chocado com esta proposição; estaríamos propositalmente ludibriando a nossos semelhantes com tamanha arbitrariedade. Porém, como que lendo meus pensamentos Gurdijieff me disse: “Não pense bobagens, rapaz; eles estão tão dormidos que não fará diferença alguma”.

Acordei sobressaltado, com a nítida sensação de haver conversado realmente com ele...

 

 


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