AGATHA CRISTIE



AGATHA CRISTIE

 

O local era de difícil acesso e mais ainda o de tentar descrevê-lo. Perto de uma rodovia, havia que subir ao sítio através de um elevador ao ar livre, o qual consistia em somente uma porta não havendo lugar para ficar em pé; a subida era individual e havia que se apoiar numa saliência discreta onde mal cabia o sapato de lado, e ainda devia agarrar-se firmemente em cima da porta para não perder o equilíbrio e cair. De todas formas a altura era de poucos metros, e o ascensorista permanecia no lado de cima do sítio incentivando a todos a subir.

Depois que subimos nos dirigimos em direção do casario paupérrimo que se avistava não muito longe. As ruas tortuosas e mal cuidadas não tinham nome ou qualquer outra identificação. Para chegar aonde íamos devia ser um grande sacrifício, e pior ainda porque não sabíamos aonde tínhamos que ir nem o que fazer quando chegássemos lá.

À frente da comitiva de três pessoas ia o jovem que havia nos feito o convite, seguido por mim, logo atrás, e minha esposa um pouco mais retrasada. O jovem em questão devia ter entre 30 e 40 anos, era loiro de cabelos lisos, um pouco cumpridos caindo sobre os olhos, discretamente sorridente, mas não pronunciava palavra alguma; só mostrava as coisas que queria evidenciar com um leve aceno ou com sua mão estendida, nada mais do que isso. Nem sequer sabíamos seu nome.

Desta forma acenou para uma casinha de aspecto lúgubre quase ao fim da rua principal. Fez um sinal para que entrássemos, franqueando a entrada.

A penetrar na espécie de sala-dormitório vimos três senhoras idosas, com mais ou menos 80 anos; uma delas estava sentada numa velha cadeira de palha encostada na parede lateral da sala; a outra, estava sentada à mesa, fazendo algum trabalho manual; a terceira, estava de camisola branca bordada deitada numa cama na parede oposta da primeira citada. O quadro era lastimável, pois parecia que o tempo havia parado, e a lentidão do momento se arrastava com muita dificuldade.

A senhora da cadeira na parede falou primeiro e disse que a senhora da cama era Agatha Cristie, a famosa escritora de contos de mistério, e que agora, por força das circunstâncias, estava prostrada e inutilizada.

Mesmo sabendo que já havia morrido, não atinei a este fato e me empolguei para entabular uma conversa com ela. Assim relatei que havia lido seus livros –não todos, é claro- mas a maioria, e que me sentiria muito feliz se ela continuasse a escrever. Disse então que era impossível, que estava muito fraca e não tinha forças nem para assegurar a pena, de tanta fome e miséria que estava passando. Sugeri que podia ditar a história, e alguma de suas amigas ou outra pessoa qualquer poderia escrevê-la. Impossível, disse, cortando a conversa.

Então minha esposa, que havia permanecido em silêncio observando o quadro, me disse que o que elas precisavam era de uma ajuda financeira para sair da crise. Concordei com ela e deixamos uma quantia suficiente para os primeiros gastos; mais adiante veríamos o que fazer.

O jovem anfitrião fez sinal para que fossemos embora, pois a missão estava cumprida. Ainda não me dera conta do motivo da visita nem da missão a que se referia, mas como era convidado aceitei a indicação e após as despedidas de praxe nos retiramos.

Continuamos andando entre as casas, mas não vimos alma viva em lugar algum. Digo isto desta forma porque mais se parecia a um cemitério do que a um povoado qualquer. Mesmo animais domésticos ou aves estavam ausentes, como se não houvesse vida nesse local, porém a sensação de que todos os moradores estavam espiando por trás das janelas, desde que chegamos, não nos abandonou.

O nosso jovem amigo não pronunciava nenhum som, e pensando nesta situação, quase sem percebê-lo, nos aproximamos do elevador que nos levaria de volta para a estrada principal. Antes de subir percebi que minha esposa havia ficado para trás.

Uma espécie de desassossego me acometeu ante a perspectiva de sabê-la  perdida no meio desse casario; mesmo assim, para não magoar seus sentimentos e sua privacidade preferi ficar e esperar seu retorno o qual comuniquei ao nosso amigo, que em resposta limitou-se a sorrir, como sempre.

Passados uns quarenta minutos ela apareceu ao longe com ar cansado. Na realidade a distância entre o povoado e o elevador não passava de uns duzentos metros, mas o trajeto parecia maior por causa das curvas e meandros do caminho. Ao ser interpelada sobre a sua demora, com um aspecto de ausência e de conflito interior, disse que se havia perdido e não encontrou ninguém para perguntar como voltar.

Lembrei então da dificuldade de localização que apresentava após um acidente vascular cerebral que tivera um tempo atrás, e da falta de critérios para encontrar uma saída a qualquer situação, e isto me produziu um aperto no coração e uma sensação de vazio. De que forma poderia ajudá-la a superar este trauma? Como faria para recolocá-la no antigo lugar de destaque que sempre teve?

Com um nó na garganta e um maior aperto no peito, acordei sobressaltado. Era um sonho... mas muito real! Algum significado teria para haver sido dessa forma. Alguma mensagem escondida devia haver neste símbolo. O que poderia significar tudo isto?

Melhor disposto, alguns minutos depois –ainda noite-, pensei na possibilidade de que ela, que agora pertencia a outro plano, poderia estar querendo me dizer alguma coisa e o fazia através dos sonhos, de que outra forma poderia ser? Pensei tantas coisas ao respeito, que não quero citá-las aqui. Quero respeitar nossa intimidade e nosso desejo de continuar o caminho da forma que escolhemos. Não espero que ninguém compreenda porque simplesmente ninguém viveu nosso tempo e nosso entorno da forma direta que o fizemos nós dois.

Às 6:30 horas levantei para meu exercício matinal, várias horas depois de permanecer acordado. Nesse dia não consegui fazer nenhum treino.


Autor:


Artigos Relacionados


0,80 Cêntimos

Noite Macabra

Uma Viagem Sem Volta

Encontro Com O Fundador

O Sorriso Homicida!2

O Mistério De Um Pássaro

Uma Noite Sem Dormir