Vendo vozes: uma viagem ao mundo dos surdos



SACKS, Oliver. MOTTA, Laura Teixeira (Trad.). Vendo vozes: uma viagem ao mundo dos surdos. São Paulo: Companhia das Letras. 2010.

 Recensão

 O médico e escritor inglês Oliver Sacks nasceu em 1933, em Londres. Formou-se como médico em Oxford e no início da década de 60. Em São Francisco frequentou neurologia na Universidade da Califórnia em Los Angeles. Em 1965 foi para Nova Iorque, onde se tornou professor de neurologia na Escola de Medicina Albert Einstein, professor assistente de neurologia na Escola de Medicina da Universidade de Nova Iorque. Tratava-se do relato de histórias da luta de doentes com a esquizofrenia, a doença de Parkinson, a doença de Alzheimer, síndrome de Tourett, autismo, etc. Oliver Sacks é membro honorário da Academia Americana de Artes e Letras, da Academia Americana de Artes e Ciências e da Academia das Ciências de Nova Iorque.

 Capítulo 1

 O termo “surdo” é vago, ou melhor, é tão abrangente que nos impede de levar em conta os graus de surdez imensamente variados, graus que têm uma importância e mesmo “existêncial”. (p. 17)

Não é apenas o grau de surdez que importa, mas principalmente a idade, ou estágio em que ela ocorre. (p. 17)

A situação das pessoas com surdez pré-linguística antes de 1750 era de fato uma calamidade: incapazes de desenvolver a fala, e portanto “mudos”, incapazes de comunicar-se livremente até mesmo com seus pais e familiares, restritos a alguns sinais e gestos rudimentares, isolados, exceto nas grandes cidades, até mesmo da comunidade de pessoas com o mesmo problema, privados de alfabetização e instrução, de todo o conhecimento do mundo, forçados a fazer os trabalhos mais desprezíveis, vivendo sozinhos, muitas vezes à beira da miséria, considerados pela lei e pela sociedade como pouco mais do que imbecis – a sorte dos surdos era evidentimente medonha. (p. 24)

A língua deve ser introduzida e adquirida o mais cedo possível, senão seu desenvolvimento pode ser permanentemente retardado e prejudicado, com todos os problemas ligados à capacidade de “propisicionar” mencionados por Hughlings-Jackson. No caso dos profundamente surdos, isso só deve ser diagnosticada o mais cedo possível. As crianças surdas precisam ser postas em contato primeiro com pessoas fluentes na língua de sinais, sejam seu pais, professores ou outros. (p. 38)

É evidente que, se uma pessoa aprendeu a língua de sinais como primeira língua, seu cérebro/mente a fixará, e a usará, pelo resto da vida, ainda que a audição e a fala sejam plenamente disponíveis e perfeitas. A língua de sinais, convenci-me então, era uma língua fundamental do cérebro. (p. 40)

 Consideração do capítulo 1.

 Ser surdo ou estar surdo é uma propensão totalmente distinta uma da outra e ao mesmo tempo ampla no seu sentido, pois devemos considerar que surdez tem níveis ou grau de surdez, e, ainda, a possibilidade de estar surdo no sentido de momentaneamente, por algum fato que ocorreu, seja por barulho, ou por indisposição física.

Quando se pensa na história podemos perceber que em cada momento houve a sua discussão e embate frente aos critérios éticos e sociais de cada época, e que a política internacional passou a estudar e trabalhar pelos direitos do cidadão para a igualdade social, mas enfrenta o problema da cultura e da rejeição social.

No tocante a língua pode-se observar que o fator da comunicação é imprescindível para o processo de relacionamento e de construção psicossocial do indivíduo surdo, fato esse que é corrigido pelo bilinguismo e pela Comunicação Total são estratégias que fortalece e revigora a relação sujeito – sociedade – família. Essa tríade fortalece a aliança entre o mundo interno e externo do deficiente surdo.

Diante disso, podemos perceber que a língua de sinais não só fortalece, mas cria uma possibilidade de interação com o universo desconhecido do surdo por meio da língua de sinais tornando-o agente ativo da sociedade e produtivo no setor profissional, tirando-o da marginalidade e das atividades desprezíveis ao ser humano.

 Capítulo 2

 Anteriormente privado de oportunidades – pois ele nunca fora exposto à língua de sinais – e prejudicado em sua motivação e estado de espírito (sobretudo no que se refere ao prazer que a brincadeira e a linguagem deveriam proporcionar), Joseph estava então apenas começando a prender um pouquinho da língua de sinais, começando a ter alguma comunicação com os outros. Isso manifestamente o deleitava; ele queria ficar na escola o dia inteiro, a noite inteira, o fim de semana inteiro, o tempo todo. Dava muita pena ver sua aflição ao sair da escola, pois ir para casa, para ele, significava voltar ao silêncio, retornar a um vácuo de comunicação sem esperanças, onde ele não podia conversar, comunicar-se com os pais, vizinhos, amigos; significava ser deixado de lado, tornar-se novamente um ninguém. (p. 42-3)

Está claro que o pensamento e a linguagem possuem origens (biológicas) absolutamente separadas; que examinamos, mapeamos o mundo e reagimos a ele muito antes de aprender uma língua; e que existe uma enorme esfera de pensamento – nos animais ou nos bebês – muito antes da emergência da língua. (p. 44)

[...] Massieu percebeu que um objeto, ou uma imagem, podia ser representado por um nome, surgiu nele um apetite enorme e arrebatador por um nome. Sicard nos deixou descrições fascinantes de como os dois faziam caminhadas juntos, com Massieu exigindo e anotando os nomes de tudo [...]. (p. 48. Grifo do autor)

Nascemos com nossos sentidos: eles são “naturais”. É possível desenvolvermos sozinhos, naturalmente, as habilidades motoras. Mas não podemos adquirir sozinhos uma língua: essa capacidade insere-se numa categoria única. Não se pode desenvolver uma língua sem alguma capacidade inata essencial, mas essa capacidade só é ativada por uma outra pessoa que já possui capacidade e competência linguísticas. (p. 59. Grifo do autor)

A origem do questionamento, de uma disposição de espírito ativa e investigadora, não é algo que emerge de maneira espontânea, sem procedentes ou diretamente do impacto da experiência; ela provém do trato comunicativo, é estimulada por este [...] (p. 61)

O dialogo impulsiona a linguagem, a mente; mas, depois que esta é impulsionada, desenvolvemos um novo poder, a “fala interna”, e esta é que é imprescindível para nosso desenvolvimento mais amplo, nosso pensamento. (p. 67)

Linguagem e pensamento [...] são sempre pessoais – nossas elocuções nos expressam, e nossa fala interna também. Portanto, para nós, a língua parece ser uma efusão, uma espécie de transmissão espontânea do eu. (p. 68)

A língua de sinais, naquela época, não era considerada uma língua propriamente dita, mas uma espécie de pantomima ou código gestual, ou talvez uma espécie de inglês estropiado expresso com as mãos. (p. 70)

A habilidade de discriminar rostos e reconhecer variações sutis de expressão facial também é importantíssima para o usuário da língua de sinais, pois a expressão facial tem um papel essencial na gramática [...]. (p. 87) 

A língua modifica-se de forma ativa, o próprio cérebro modifica-se de forma ativa, à medida que desenvolve uma capacidade inteiramente nova de “linguistizar” o espaço (ou “espacializar” a língua). (p. 99) 

A língua emerge – biologicamente – de baixo, da necessidade irreprimível que tem o indivíduo humano de pensar e se comunicar. Mas ela também é gerada, e transmitida – culturalmente – de cima, uma viva e urgente incorporação da história, das visões de mundo, das imagens e paixões de um povo. (p. 105)

 Consideração do capítulo 2.

 A comunicação acontece pelo princípio do espírito comunicativo do indivíduo, no entanto só há diálogo, quando há um canal comunicativo entre receptor e emissor. Essa mensagem só é compreendida quando um dos interlocutores interpreta a mensagem que na maioria das vezes é a fala. Contudo, para o deficiente surdo o oralismo não é a forma adequada para que haja uma comunicação entre indivíduos, pois ele não possue a audição para que possa interpretar a mensagem que está sendo proferida e como a linguagem é de domínio social o surdo fica à margem preso no seu mundo de silêncio.

Toda pessoa ao nascer tem seus primeiros contatos com a mãe e é com ela que ela aprende a se comunicar por meio dos gestos da mãe, da fisionomia e das carícias. E com esses primeiros passos para uma comunicação mãe/filho é que surge a relação de compreensão das coisas e do mundo que o cerca. Essa relação de linguagem interna e externa que a criança começa a construir seu mundo particular e a conceber sua linguagem enquanto indivíduo, e é dessa relação que o deficiente surdo necessita para começar a se inserir no mundo, é no desenvolver a linguagem, seja qual for, que o surdo passa ter a percepção do seu mundo e a dos outros.

Por essa razão é a língua de sinais passou a ser ensinada para os deficientes, pois tinha uma relação muito particular entre nome/objeto e passou-se a construir assim um sinal/símbolo para representar a linguagem ou o que se pretendia dizer o ato comunicativo do surdo. E, como se pode perceber que a língua é mutável e, como tal, ela passa a ter suas próprias incursões linguísticas, isto é, ela possui vida e articula-se através doas seus articuladores produzindo assim a sua comunicação e o seu discurso por meio dos interlocutores.

Em suma, a língua é biologicamente humana e socialmente articulada, pois é nessa dicotomia que tanto o ouvinte, quanto o surdo precisam para se comunicar e ter a relação entre o seu interior e exterior para se perpetuar no contexto social e histórico.

 Capítulo 3

 Os professores podiam, em certa medida, comunicar-se com os alunos, entrar em seu mundo e em suas mentes; [...] (p. 108)

Os estudantes estão preocupados com sua identidade, com sua sobrevivência, um tudo ou um nada [...] (p. 110)

O padrão único de transmissãoda cultura surda vincula-se igualmente à lingua dos surdos (língua de sinais) e às suas escolas. Estas atuam como focos para a comunidade surda e transmitindo a história e a cultura dos surdos de geração em geração. (p. 115)

Stokoe afirmara desde o início que os surdos deviam ser bilíngues (e biculturais), que deviam adquirir a língua da cultira dominante mas também, iqualmente, a sua própria, a língua de sinais. (p. 124)

Mas a mudança objetiva, a mudança histórica, não se dá em uma semana, embora seu primeiro pré-requisito, “a transformação da consciência” [...] (p. 134)

 Consideração do capítulo 3.

 À princípio, a pedagogia era voltada para o mundo dos ouvintes e esta relação de ensino era basicamente oral, e como todo estudante eles preocupavam-se com a construção de suas identidades e a formação de suas culturas. A pedagogia de inclusão foi importante para que não só as famílias percebessem a necessidade da participação social, mas também o direito de todos como cidadãos livres e conscientes.

No cerne da cultura e da linguagem o bilinguismo é fundamental para a construção da diversidade linguística e cultural do surdo. É por essa razão que a mudança histórica é essencial para a cinscientização e transformação do cidadão surdo.

 Conclusão crítica

 O autor Oliver Sacks aborda com primazia os conceitos médicos para um deficiente surdo e abre um espaço fundamental para a construção de ma prosposta de interação sociolinguística do surdo. A relação de comunicação e interação social – familiar – pessoal é uma constante, pois deficiente fica enclausurado no mundo de silêncio e privações.  

Na obra Vendo Vozes o que deixou claro e bem relevante foi a possibilidade de construção de um mundo melhor e possível para o surdo, e a cada capítulo pode-se perceber que o seu discurso traz à tona possibilidade de uma comunicação possível e real com o deficiente surdo.

A leitura dessa obra trouxe-me esclarecimentos e novas possibilidades de trabalhar com as pessoas condeficiência, além de compreender o seu processo de histórico e social, bem como os seus temores e limitações enquanto cidadão.

Como profissional, essa leitura contribue para que um novo olhar possa ser percebido e que como semente ela desperte novas possibilidades de contrução e melhoramente do cidadão surdo em meio social, e como tal, pela construção de projeto possa melhorar as relações indivíduo/família/sociedade/profissão. É no processo social que toda linguagem se constroi e se multiplica.


Autor: Ronye Márcio Cruz De Santana


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