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Ela é a Matriz

Ela é a Matriz

               Ele saiu de casa entediado, sua alma (mente) querendo aventura e emoções novas. Passou a semana inteira, mais uma semana, se doando para todos, cumprindo o que acordara para si, ser simples, calmo, sereno. Ele sabe que se der ouvidos a sua alma a coisa vai longe, pois ela tem apreço e paixões que são idênticas às dele, parece que ela o conhece melhor que ele próprio, são um par harmônico apesar das dissonâncias. Às vezes ele fica pensando que esse romance foi longe demais, foi muito intenso, foi muito apaixonado, pois mesmo ele decidindo afastar-se de sua alma, para que o relacionamento não fosse mais assim, inconsequente e perigoso, ele, de forma despretensiosa a abriga em sua casa, num cômodo de fundos, com caprichos mínimos e nada de visitas íntimas, mas às vezes ele pensa nela. Afinal o quarto é o dos fundos, não pode oferecer perigo algum! Mas eles estão na mesma casa (o corpo) e não é possível não pensar nela, pois viveram momentos únicos, maravilhosos, de emoções e situações extremas e, quando pensa nela, de repente, está envolto em seu encanto.

Que amor é esse que tiveram que nada consegue preencher o lugar dela? Ela não quer outro, não quer ir embora, na verdade nem pode ir, nenhum outro pode comportá-la e, sem ele ela não tem sentido e ele também, sem fazer as vontades dela, não vê sentido algum em nada, pois mesmo não sendo saudável em alguns aspectos, esse relacionamento sincero é o único relacionamento lógico e que dá razão à vida dele, que faz ele gastar seu dinheiro  e comprar algo que não poderia só para ver o sorrisão de seu filho, que faz ele correr e comprar flores e chocolates para sua amante e surpreendê-la entrando correndo e suado no seu local de trabalho (digo amante, pois a matriz, a oficial é ela, a alma), que faz com que ele corra 17 km entre 11:00 e 13:00 na alto estrada onde não tem sinal de celular, enquanto a orientação é que não ultrapasse os 12 km entre 06:30 e 08:30 na cidade com toda a segurança. A alma tem esse poder de influência nele, o faz quebrar recordes, arriscar-se e muitas vezes o coloca em situações trágicas.

Mas ele saiu de casa e esse é o ponto de reflexão do texto, ele está entediado lembram?

Ele anda alguns quarteirões, olha alguns outdoors, vê umas garotas passando rindo e escuta um pedaço do diálogo delas, algo sobre um cara legal e que era meio tímido, e uma delas estava super empolgada em ter um cara assim, que além de tudo ela acha lindo (ela nem sabe que vai ter que se enquadrar, se quiser ficar com esse garoto nos pré-requisitos da alma dele, a Matriz e não passará de amante). Ele continua andando e pensa nos amores vividos, nos prazeres de cada taça de vinho, queijos, chocolates, nudez, música e substâncias. Contempla os que passam e fica tentando se transportar para seus mundos e especular coisas, gosta de fazer isso.

Mas ele está entediado e todo o esforço sozinho (a alma está lá, no quarto dos fundos) para ter um dia mais colorido se torna como algo falsificado, parece ser bom, mas na verdade não é o real. Ele fica triste, e pergunta se todos são iguais a ele. Se todos os homens estão fadados a isso, a ter que afastar quem se ama apaixonadamente para viver parcialmente seguro e “bem”.

Não acha respostas, mas sabe o que fazer.

Volta para casa, aproveita que ninguém está presente a não ser um grande amigo seu, o Silêncio, o cumprimenta educadamente e vai tomar um banho, tentando organizar o próximo passo e decidir se deve fazê-lo, dar um passo adiante. Escova os dentes caprichosamente, e decide ir deitar, mas não deixa de usar um perfume, o que ela mais gosta e assim, depois desse ritual, deitado, de olhos fechados, se dirige ao quarto dos fundos e a encontra, com olhos rasos d’água e um sorriso inocente e puro que diz: - Sinto sua falta, de sermos um. E ele a contempla, linda, e entende que nunca foi desejo dela o prejudicar, que ela apenas crê que ele saberá o que fazer quando ela passar dos limites e então ele entende que a responsabilidade é dele e que tem que assumir esta posição. Eles encostam suas mãos e o encaixe dos dedos é perfeito, a energia ressurge e eles se unem, numa dança apaixonante de corpos entendendo que nunca serão plenos se não estiverem juntos, crescendo, amando, arriscando-se e lutando contra tudo e contra todos que os julgam.

Ele acorda bem, tudo está tão colorido e seu coração tão inspirado. Levanta e procura um espelho, se acha bonito apesar da barba por fazer, repara que seus olhos refletem sua alma, que está se recuperando de orgasmos múltiplos. Ele começa a cantar uma canção dos Ramones, e olha para o relógio, e tem que buscar seu filho no colégio. Coloca os fones de ouvido escutando punk rock e anda cantando sem ligar para as pessoas que estão no metrô, sem ligar para nada, apenas aguarda ver seu filho com aquele sorriso lindo na cara que sempre diz a mesma coisa quando o vê: - E aê paizão!!!

Minha alma lá da suíte grita bem alto para eu comprar brigadeiros na padaria e não ligar para dieta, ao menos hoje. Percebo que está tudo bem e que vale a pena viver.

Christiano Buys

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