A crítica merleaupontyniana à ciência positivista



A ciência moderna, mecanicista, objetiva o corpo e o explica a partir da sua extensão material, totalidade física, psíquica e biológica assumindo-o como animal presente no mundo de maneira passiva. Desta maneira, o corpo é pensado segundo a sua estrutura e organização; determinado pelas leis de estímulo e resposta. Daí segue o pressuposto de um “centro organizador” que dispensa e determina aos demais membros funções diversas. Portanto, na realidade material do corpo estariam contidos todos os códigos passiveis de leitura pela ciência moderna nas suas mais plurais manifestações. Este determinismo se instalou radicalmente no pensamento moderno a ponto de limitar exageradamente o conhecimento sobre o corpo humano.

A crítica merleaupontyniana à ciência positivista encontra-se na unilateralidade e reducionismo desta, que se divorcia sobremaneira do mundo vivido, seu sentido e intencionalidade.  Ele mesmo diz: “Só posso compreender a função do corpo vivo realizando a eu mesmo e na medida que sou um corpo que se levanta em direção ao mundo” (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 114)  Destarte, o corpo humano não é absolutamente uma máquina orgânica apta a desempenhar, linearmente, sua função na natureza, mas é movimento dialético em direção ao seu ser-para-si no mundo engajado. Esta dialética pressupõem “exteroceptividade” e “interoceptividade”, ou seja, relação do corpo objetivo com o corpo vivenciado. Este se abre ao horizonte de sentido enquanto ser-no-mundo, aquele está-aí colocado no mundo natural. “É no sentido desta distinção entre o ser e o ter o corpo que o corpo é, para o homem, um “corpo vivido” (corps vécu), não no sentido da vida biológica, mas da vida intencional.”. (LIMA VAZ, 1991, p.176)

Merleau-ponty na justificativa de uma compreensão fenomenológica do corpo apresenta dois exemplos curiosos: a anosognose e o membro fantasma e as respectivas explicações pela ciência moderna: fisiológica e psicológica. Entretanto, após uma apurada análise de caso conclui que a anosognose e o membro fantasma não podem ser explicados pela fisiologia, nem pela psicologia, tampouco é adequada uma explicação mista, mas é compreensível na perspectiva do ser-no-mundo:

 

Aquilo que em nós recusa a mutilação e a deficiência é um Eu engajado em um certo mundo físico e inter-humano, que continua a estender-se para o seu mundo a despeito de deficiência e amputações, e que, nessa medida, não as reconhece de jure. (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 121)

 

O corpo humano, desta sorte, é relato e veículo do eu intencional que se entende e se relaciona com o mundo como um Eu engajado que se confunde e se empenha nos projetos da vida:

 

Pois se é verdade que tenho consciência do meu corpo através do mundo, que ele é, no centro do mundo, o termo não percebido para o qual todos os objetos voltam para sua face, é verdade pela mesma razão que meu corpo é o pivô do mundo... e neste sentido  tenho consciência do mundo por meio do meu corpo. (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 122)

 

            É nesta perspectiva de engajamento que Merleau-Ponty apresenta o corpo que é, ao mesmo tempo, resultado e artífice do mundo vivido, ou seja, nada passa despercebido pelo corpo, mas as experiências do mundo humano são absorvidas pelo instante “no horizonte do seu passado imediato e do seu futuro próximo” suprassumindo a totalidade do tempo possível. O corpo “pode ser chamado, assim, o lugar fundamental do espaço propriamente humano, e o evento fundamental do tempo propriamente humano.” (LIMA VAZ, 1991, p. 177)

            Por fim, Merleau-Ponty declara que os fenômenos que cercam o corpo não podem ser concebidos à maneira da fisiologia cartesiana que divorcia a alma do corpo, pois é a existência mesma que em movimento realiza a cada instante a união entre alma e corpo.

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

LIMA VAZ, Henrique Claudio. Antropologia Filosófica. 3ª Ed. São Paulo. Loyola. 1991. (Coleção Filosofia)

 

MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da Percepção. Trad. Carlos Alberto R. de Moura. 2ª Ed. São Paulo. Martins Fontes.1999.

 


Autor: Carlos Alexandre Gonçalves De Jesus


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