RESENHA CRÍTICA DA OBRA "TÉCNICA E CIÊNCIA ENQUANTO IDEOLOGIA" DE JURGEN HABERMAS



Jungen Habermas nasceu na cidade Alemã de Dusseldorf, em 18 de junho de 1929. Tem formação em Filosofia e Sociologia. Hoje, com 82 anos, está aposentado, mas continua participando de debates e escrevendo crônicas políticas em jornais de seu país. Publica em 1968 “Técnica e Ciência enquanto Ideologia”, e o dedica á Herbert Marcuse, que naquele ano completaria 70 anos de idade. E não é sem propósito a homenagem, pois na obra em comento, Habermas estabelecerá um debate com a principal tese de Marcuse, exatamente a “Ideologia da Sociedade Industrial”, que sucintamente traz em seu bojo a concepção de que a ciência e a tecnologia nas sociedades que se tornaram capitalistas tardiamente, passaram a cumprir um papel ideológico na sociedade, escondendo nas sombras a verdadeira intenção que era a dominação de classe. No início do artigo, Habermas apresenta os conceitos de racionalidade, racionalização e planificação de Max Weber, (tendo em vista os constantes debates de Marcuse para com o escritor), onde apregoa que a racionalidade dizia respeito à forma de atividade econômica capitalista, de uma dominação burocrática da classe burguesa; a racionalização como ampliação de esferas sociais submetidas aos critérios da decisão racional e a planificação como uma ação racional que visava melhorar ou ampliar o próprio sistema de ação racional. Habermas sustenta que, nos dizeres Weberianos, esta racionalização da sociedade estava atrelada á uma disposição crescente de se institucionalizar o progresso técnico e científico, levando a técnica e a ciência a se expandirem na sociedade, modificando as instituições existentes. Neste contexto, Habermas apresentará em seguida alguns contrapontos a esta teoria preconizados por Marcuse, onde para este último, o que Weber teria denominado de racionalização, não seria a implantação da racionalidade como tal, mas sim, uma forma esguia e oculta de dominação política, pois a própria técnica já seria uma dominação sobre a natureza e sobre o homem. Talvez o próprio conceito de razão técnica seja uma ideologia. Não apenas a sua aplicação, mas já a própria técnica é a dominação (sobre a natureza e sobre o homem), dominação metódica, científica, calculada e calculadora. (HABERMAS, p. 304) Para Marcuse, existiria então um tipo de repressão no condicionamento dos indivíduos face ao sistema de produção e distribuição, na ocupação de seu tempo livre e na composição do trabalho social produtivo e destrutivo. O atraente é que a população não percebia esta repressão porque o aumento da produtividade e domínio sobre a natureza sempre vinham acompanhados de situações confortantes de vida para os indivíduos, praticamente um anestésico imperceptível. Nas palavras de Marcuse (apud HABERMAS, p. 304), existiria uma (...) submissão cada vez mais intensa dos indivíduos ao monstruoso aparato de produção e de distribuição, na desprivatização do tempo livre, na quase indiferenciável fusão do trabalho social, construtivo e destrutivo. (...) essa repressão pode desaparecer da consciência do povo, pois a legitimação da dominação assumiu um novo caráter: qual seja, o da referência à sempre crescente produtividade e domínio da natureza, que ao mesmo tempo provê o sustento dos indivíduos, dando-lhes uma vida cada vez mais confortável. E a medida que a racionalidade tem sua eficiência aumentada, ela é reduzida como instrumento de crítica, passando a ter o ínfimo papel de objeto corretivo. (...) a racionalidade enquanto padrão de crítica perde sua força incisiva e é rebaixada a corretivo dentro do sistema (...) (p. 305). Em continuidade, Marcuse diria que todos os princípios que cercam a ciência moderna teriam sido confeccionados de uma forma a servirem de instrumentos conceituais para o controle produtivo que vai se fazendo automaticamente, levando o operacionismo de técnico para prático. Então, este conhecimento científico que antes dominou a natureza, doravante, através da natureza passa a fornecer mantimentos para o homem dominar o homem, e esta dominação vai se perfazendo pela tecnologia e legitimando o poder político que vai absorvendo toda a cultura a sua volta. Esta mesma tecnologia promove a racionalização da não liberdade do homem, não o permitindo ser autônomo e ter sua própria vida. Ele estará sempre vinculado e dependente do sistema, e sem perceber, aumenta ainda mais sua produção através do trabalho, o que por sua vez é fonte alimentadora do próprio sistema que ele está incluído. Enfim, é uma engrenagem perfeita. Nas palavras de Marcuse: Essa invocação só é possível porque a racionalidade da ciência e da técnica já é, de modo imanente, uma racionalidade de manipulação, uma racionalidade de dominação (...) O ponto que estou tentando mostrar é que a ciência em virtude seu próprio método, e de seus conceitos, projetou e promoveu um universo no qual a dominação da natureza permaneceu vinculada à dominação do homem, um vínculo que tende a ter efeitos fatais para esse universo como um todo. A natureza cientificamente compreendida e dominada, reaparece no aparato técnico de de produção e destruição que mantém e aprimora a vida dos indivíduos, ao mesmo tempo que os subordina aos senhores do aparato. Assim, a hierarquia racional se funde com a social. (apud HABERMAS, p. 306) O que Habermas vem a apontar é que, para Marcuse, a ciência e a técnica esconderia um projeto de um mundo que seria determinado por interesses relacionados á classes, alavancados pela própria situação histórica. Deste modo, para que ocorra uma emancipação, seria necessário revolucionar a técnica e a ciência, ressuscitando a natureza que outrora foi dominada. Ou seja, em vez de uma natureza explorada, busca-se uma natureza fraternal. Habermas interfere nesta concepção e salienta que a natureza não poderia de forma alguma ser libertada enquanto houver dominação da comunicação entre os homens. Só se os homens pudessem se comunicar sem coação e se cada homem pudesse reconhecer-se no outro, só então a espécie humana poderia eventualmente reconhecer a natureza como um outro sujeito – não a natureza como seu outro, como pretendia o idealismo, mas a si mesma como sendo o outro desse sujeito. (HABERMAS, p. 308). Ato contínuo, Habermas propõe uma reformulação do conceito de racionalização de Weber. Afirma que Weber teria procurado entender as conseqüências do progresso da técnica e da ciência enquadrando-as na seara das sociedades que estavam se modernizando. O conceito de racionalidade para Habermas diferirá do conceito filosófico no sentido de que, para ele, a racionalidade liga-se á forma como se estabelece, não só o pensamento, mas também as práticas sociais. É o pensar e agir ligados a como as coisas se articulam no mundo. Habermas passa então a distinguir trabalho e interação, e com isso pretende criar um novo conceito de racionalização. Em suas explanações, teríamos: a) – o trabalho: uma ação instrumental, ou uma escolha racional, ou uma combinação deste dois esteriótipos (p. 310); b) – a ação instrumental; pautada por regras técnicas que se apóiam no saber baseado na experiência. Dão origem á prenúncios de eventos observáveis, físicos ou sociais, podendo futuramente serem corretos ou falsos (p. 311); c) – a escolha racional: é orientada por estratégias baseadas em um saber de análises, derivam em regras de preferência e máximas universais, de modo verdadeiro ou falso, dependendo de como se valoriza as alternativas comportamentais (p.311). d) – o agir comunicativo: Seria um intercâmbio mediado guiado pelas normas vigentes em determinado momento, normas que determinariam expectativa de comportamento, tendo que ser reconhecida e compreendida por no mínimo, dois sujeitos, reforçadas por sanções (p. 311). Após a exposição acima, Habermas dá seqüência, afirmando que os sistemas sociais podem ser classificados dependendo do predomínio do agir racional com respeito á fins ou com a interação. (p. 311). Expõe que alguns sistemas, como o econômico e o aparelhamento estatal acabam por institucionalizar hipóteses relacionadas á ações racionais teleológicas, porém, por outra vertente, alguns subsistemas (como família e parentesco) acabam por se basear em regras morais de interação. Nas palavras do autor: Existem subsistemas, tais como o sistema econômico e o aparato do estado, para ficarmos com os exemplos de Max Weber, nos quais são institucionalizadas principalmente proposições sobre ações racionais-com-efeito-a-fins. Do lado oposto, encontram-se subsistemas, tais como família e parentesco, que decerto são conectados a um grande número de tarefas e habilidades, mas que repousam principalmente sobre as regras morais de interação. HABERMAS, p.311-312). Habermas então distingue: “1 – o quadro institucional de uma sociedade ou do mundo do viver sócio cultural e; 2 – os subsistemas do agir racional com respeito á fins encaixados neste quadro institucional” (p. 312). E a partir desta distinção é que Habermas pretende reformular o conceito de Weber sobre racionalização. O autor dá seqüência á suas explanações, agora com uma análise voltada á sociedade tradicional, onde, em sua concepção, tal nomenclatura diz respeito á sistemas de culturas avançadas, culturas estas que representam “uma determinada etapa do desenvolvimento da espécie humana” diferindo das formas sociais primitivas por: a) – possuir um poder central; b) – pela divisão da sociedade em classes sócio-econômicas e c) – em razão de terem em vigência alguma forma de imagem central do mundo, que tem por fim legitimar de forma eficaz a própria dominação, o próprio poder (p. 313). As culturas avançadas se estabelecem sobre o fundamento de uma técnica relativamente desenvolvida e de uma organização da divisão de trabalho no processo social de produção que possibilita a superprodução, ou seja, uma superabundância de bens que excede a satisfação das necessidades imediatas e elementares. Elas devem a sua existência à solução do problema que só é posto pela superprodução gerada, ou seja, do problema de como dividir desigualmente, e contudo, legitimamente, a riqueza e o trabalho, por critérios diferentes dos que são postos à disposição pelo sistema de parentesco. Tais sociedades possuem uma técnica desenvolvida e o processo de produção social é organizado de forma que acaba por possibilitar a existência de um excedente de bens em relação satisfação das necessidades básicas. Para Habermas, sua existência justifica-se pela solução do problema da distribuição de modo desigual e (e ao mesmo tempo legítimo) da riqueza e do trabalho, segundo critérios diversos daqueles empregados pelo sistema de parentesco. Para o autor, a inovação técnica faz o mundo caminhar sozinho, pois; (...) O modo de produção capitalista pode ser concebido como um mecanismo que garante uma programação permanente dos subsistemas do agir racional-com-respeito-a-fins e, com isso, abala a “supremacia” tradicionalista do quadro institucional, diante das forças produtivas. Do ponto de vista da história mundial, o capitalismo é o primeiro modo de produção que institucionalizou o crescimento econômico auto regulado (...) Nesse contexto, o capitalismo oferece uma legitimação da dominação que surge da base do trabalho social: a instituição do mercado onde os proprietários privados trocam as mercadorias e os sem propriedade trocam como única mercadoria a sua força de trabalho, prometendo a justiça da equivalência nas relações de troca. Deste modo, segundo Habermas, a superioridade do modo de produção capitalista se funda com a instauração de um mecanismo econômico garantidor, em um longo prazo, de subsistemas da ação racional teológica e com a criação de uma legitimação econômica sob a qual o sistema de dominação pode adaptar-se ás novas exigências de racionalidade desses subsistemas produtivos. Em suma, a ciência só existe para fins de legitimar, de tornar eficaz o poder. O capitalismo institucionaliza a razão, portanto, quem não pensar como os outros, não terá razão. Este mesmo capitalismo faz com que o indivíduo consuma espontaneamente, como se fosse livre. Em síntese final, vemos que o diálogo principal de Habermas com Marcuse seria se é possível ter um discurso ideológico não tendo a natureza como vítima. Para Marcuse, isto não seria possível, pois a racionalidade para dominar retira a capacidade do homem de comunicação. Então, o caminho encontrado por Habermas seria atacar o discurso existente e reconstruir o espaço social, mudando deste modo as regras do próprio discurso. Ora, se a linguagem seria a maior fonte de desigualdade, ela deverá ser alterada, criar-se uma forma nova de se comunicar. Mudar este discurso, pois ele já traz em si uma bagagem enorme de conjecturas ligadas á relação de poder. Habermas propõe então zerar esta forma comunicativa, dando início a outra, sem nenhuma influência de fontes de poder.


Autor: Emerson Benedito Ferreira


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